Lá foram então o Juvenal e o amigo Marcelo ao encontro da Filomena. Ela não perdeu tempo em se mostrar, como sempre, mandona.
– Vem cá, seu homem frouxo, vem dançar com a sua esposa.
– Grande dama, permita-me bailar um pouquinho com a senhora?
– Olha só o Marcelo, parece que bebeu. Vem logo, Juvenal.
– Grande dama, permita-me bailar um pouquinho com a senhora?
– Ô Marcelo, vá procurar sua mulher, seu tarado.
– Que é isso, Filomena, custa dançar um pouquinho com o Marcelo? − retrucou o Juvenal.
– Pra que você quer dançar comigo, Marcelo?
– Gente, pra que toda esta confusão. Afinal de contas, somos amigos. Eu só queria dançar um pouquinho com você, só isso.
– Sei não, esse troço não está me cheirando bem. Juvenal, acho que você está querendo me aprontar alguma, hêim?
– Meu Deus, mas que mulher desconfiada. O Marcelo só está querendo dançar um pouco contigo, só isso. Pra que o escândalo?
– Que escândalo porcaria nenhuma. Vem logo, então, Marcelo, mas ó, cuidado com a mão e sem intimidades, viu?
– Que é isso, Filomena, eu nunca te faltei com respeito, além do mais por ser a mulher do meu melhor amigo.
– Tá bom, então vamos. Mas é só uma música.
Juvenal se afastou um pouco e ficou parado a uma distância razoável. Seu olhar estava vidrado e ele não via mais nada a não ser a Filomena dançando com o Marcelo. Cada gesto dos dois era captado pelo olhar fixo. O coração disparou, a ansiedade se apoderou de seu corpo, que fervilhava, até que se ouviu um grande grito. A música parou, todos pararam de dançar e olharam para Filomena. Ela estava sozinha − o Marcelo já tinha se mandado − com a saia caída aos pés, mostrando as pernas repletas de varizes e a calçola branca com bolinhas vermelhas. Como aconteceu? O plano do Juvenal foi um sucesso. Como fora combinado, Marcelo pisou com os dois pés na barra da saia que arrastava no chão. Com os movimentos bruscos da mulher, a costura programada e frágil não suportou a pressão e a saia arriou. Um vexame.
Já em casa, Filomena se trancou no quarto e não parava de chorar. Com falsos ares de preocupação, Juvenal, numa felicidade contida que estava prestes a explodir, tentava acalmar a esposa. Mas ela insistia em não abrir a porta, e dizia a todo momento que nunca mais poria os pés na rua. Seus prantos intercalavam-se com acusações ao marido. Este olhava para os três filhos, que demonstravam não estar entendendo porque a mãe estava dizendo que ele era o responsável por tudo.
– Mas filhos, a sua mãe perdeu o juízo, foi ela quem costurou aquele vestido e eu que sou o culpado por ele se rasgar?
– Mas papai, se a mamãe está falando que o senhor tem alguma coisa a ver com isso é porque tem.
– Rosalva, ponha a mão na consciência, você tem 14 anos e já tem condições de perceber as coisas. Se eu nem encostei naquele vestido, como eu poderia ser o culpado? É sempre assim. Tudo de ruim que acontece nessa casa é culpa do papai. O papai é sempre o desmancha-prazeres.
– É isso mesmo, Rosalva, a mamãe sempre fica acusando o papai de tudo aqui. Você ajudou ela a costurar o vestido, não foi? Então, vocês não costuraram direito e por isso aconteceu aquilo.
– Ah! Romualdo, não enche o saco.
– Que negócio é esse, Rosalva, isso você não aprendeu aqui em casa, tenha mais respeito com seu irmão.
– Ora papai, o Romualdo implica a toda hora comigo.
– Vamos fazer o seguinte: deixa sua mãe aí quietinha no quarto. A Rosinha já está dormindo e vocês dois vão agora também. Eu vou dormir aqui no sofá. Amanhã sua mãe vai acordar mais calma, podem ter certeza.
– Pai, eu não vou dormir agora não. Eu vou a uma festa lá…
– Não senhor, já é quase meia-noite, não é hora de menino que tem família ficar zanzando na rua de madrugada.
– Mas pai…
– Pra cama!
– Eu vou pedir pra mamãe. Se ela deixar, eu vou.
– Romualdo, eu já falei, pra cama e pronto.
– Ah! pai, eu já tenho 15 anos, todos os meus amigos estão agora aproveitando a vida.
– Filho, não vou falar nem mais uma vez.
Juvenal estava deitado no sofá olhando o teto e curtindo o silêncio. Ele, Juvenal, o responsável por humilhar a toda poderosa Filomena. Com um sorriso de satisfação que ia de orelha a orelha, lá estava ele, poderoso, triunfante, o dono do mundo. Decidiu que não iria ao futebol com os amigos no campinho do Cristavo. Ele tinha que estar presente para examinar minuciosamente cada gesto da esposa. Ele queria sorver por completo toda a indignação e frustração da Filomena. Sim, ele queria passar todo o domingo ao lado dela para não perder nenhum gesto de desespero. Ele se sentia forte, calmo, sereno. Tão sereno que o sono lhe transportou para as estrelas. Viu-se dentro de uma nave espacial cruzando as galáxias. O paladino do Universo estava em ação. Forças alienígenas atacaram sua nave. Armas mirabolantes atiravam para todos os lados. De repente, um forte estrondo. A nave se desgoverna e ruma em parafuso para o solo de um grande asteroide. O solavanco é grande…
– Acorda, seu animal.
– Hêim, espera aí, os alienígenas estão atacando e…
– Levanta logo, Juvenal, que negócio é esse de alienígenas?
– Ah!, é você, Filomena?
– Não, eu sou a rainha da Inglaterra.
– Já amanheceu?
– Ô, sua anta, trata logo de levantar e fazer o café. Estou com uma dor de cabeça horrível. Vá lá fazer o café porque depois precisamos conversar. E o assunto é sério, viu?
– Tirando a dor de cabeça, você está bem, Filomena?
– É claro que estou. Por quê? Você acha que aquilo me abalou?
– Nada disso, amor. Eu só quero ver você bem.
– Então trata logo de fazer este café porque vou tomar um banho. Ah! meu Deus do céu, onde estão os malditos analgésicos? Ô Juvenal, por um acaso o moço aí sabe onde estão os analgésicos?
– Estão aí na prateleira, amor.
– Não tem nada aqui. Esqueça esse café, deixa que eu faço. Troque de roupa e vá lá na farmácia me comprar o remédio. Agora!
– Agorinha mesmo estou de volta, amor.
Juvenal, a caminho da farmácia, estava perplexo. Será que toda aquela humilhação sofrida pela esposa não foi suficiente para acalmá-la? Ele estava assustado porque nunca a tinha visto assim tão nervosa. Será que o tiro saiu pela culatra? A mulher estava mais venenosa do que nunca. Além do mais, ela disse que queria ter uma conversa muito séria. O que seria? É, parece que a situação ia se complicar.
– Aqui está o analgésico, meu amor.
– Quer parar de me chamar de meu amor. Juvenal, nada me tira da cabeça que você está metido naquela vergonha que passei.
– Filomena, como é que você pode pensar isso de mim?
– Não me venha com essa cara de sonso, eu te conheço, rapaz. Tanto te conheço que já esperava que você pudesse me armar uma.
– Mas amor, não estou entendendo.
– Caramba, para de me chamar de amor, que amor coisa nenhuma. Você quer saber de uma coisa? Pois bem, eu e a Rosalva sabemos que você mexeu naquele vestido, tá sabendo? Sabe como descobrimos? Quer saber, seu bocó?
– Mas Filomena, que negócio é esse?
– Eu tinha tanta certeza que você ia mexer naquele vestido que eu e sua filha o guardamos no armário de uma maneira especial. Depois que eu o vi fora do lugar, já sabia que era você. Só não imaginava, seu nojento, que você ia me aprontar aquilo, apenas imaginamos que você ia apreciá-lo.
– Filomena…
– O negócio é o seguinte, Juvenal, você me fez passar um tremendo vexame. Já passou pela sua cabeça que todos os homens da festa viram sua mulher de calçola, incluindo os padres capuchinhos? Já passou pela sua cabeça que nesse exato momento todos os seus amigos estão comentando que a mulher do Juvenal mostrou a bunda na quermesse? Entendeu o que você fez, seu otário? Se era para me pregar uma peça, você se deu mal. Agora, mais do que nunca, você vai ser o centro das gozações da sua turma. Está satisfeito, sua anta? Era isso que você queria, seu animal?
– Mas Filomena…
– Para de falar alto, vai acordar os meninos. Eu não quero que eles descubram o pai sacana que eles têm. E que saber mais? São só nove horas da manhã, vai logo jogar bola com seus amigos porque não estou a fim de ficar encarando o seu tipo. Tiau e bença pra você. Ah!, antes de você sair, queira saber que isso não vai ficar assim não, ok? Pode ter certeza que você vai pagar muito caro pelo que fez.
Óbvio, que no encontro com os amigos o assunto seria a Filomena.
– E aí, Juvenal, o corpo está doido?
– Uai, por que meu corpo estaria doido?
– A Filomena não te deu um coro? Afinal de contas…
– Olha aqui, Barbosa, vamos parar com as gracinhas. Marcelo, vamos dar uma caminhada para conversarmos.
– Puxa vida, Juvenal, o que houve? A Filomena ficou muito nervosa?
– Marcelo, você precisa ver como está a mulher. Além disso, ela afirma categoricamente que eu fui o responsável pelo seu vexame.
– Peraí, pelo amor de Deus, eu não falei nada.
– Não é nada disso. O negócio que ela é muito desconfiada. Você acredita que ela guardou a roupa no armário de um jeito que poderia se saber depois que a peça foi manuseada? E você acredita que ela fez isso com a Rosalva?
– Tudo bem que ela fez isso, Juvenal, mas não prova que foi você que mexeu. Além do mais poderia ter sido o Romualdo ou até mesmo a Rosinha.
– Não, nada disso, os dois não mexem no nosso guarda-roupas. Não tem jeito, ela disse que fui eu e pronto. É amigo, parece que meu tiro saiu pela culatra.
– E agora, o que você pretende fazer?
– Marcelo, esse negócio de expor a Filomena ao ridículo não foi uma boa ideia. Acredito que só existe uma maneira de me impor sobre ela.
– Olha lá o que você vai fazer, cuidado, a Filomena não é nada boba.
– Marcelo, eu tive uma ideia que…
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Materiaincognita.com.br, meramente ilustrativa.