PAZOLIANA − CAPÍTULO 21: SURGE UM OBSTÁCULO

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

“Se você encontrar um caminho sem obstáculos, ele provavelmente não leva a lugar nenhum”. (Frank A. Clark − 28/03/1860-14/04/1936)

A nave cargueira Atoirtap foi atacada nas proximidades de Marte, mas soube se defender e afugentar o oponente, que se dirigiu em direção à Terra. Os satélites conseguiram identificar algumas explosões no cosmo. Vários cientistas terráqueos tentavam identificar o motivo. Eles não tinham noção da presença de outros Deuses. Estes outros Deuses também vinham dos confins do Universo e haviam se encontrado com a nave Atoirtap. Eram inimigos ferrenhos e já tinham travado batalhas esplendorosas em algumas galáxias. Possuíam poderes praticamente idênticos. Ora um vencia uma contenda, ora outro. Os que aqui estavam eram chamados de Siuza. Os recém-chegados eram denominados Sedrev. O último confronto havia acontecido na galáxia de Andrômeda. Entre mortos e feridos, os Siuza se deslocaram para a Via Láctea e armaram uma cidadela espacial no lado escuro da Lua. Os Sedrev haviam tomado rumo ignorado. Vários anos cósmicos se passaram e as frotas estelares de ambos foram sendo restabelecidas. Os Siuza encontraram pela nossa galáxia combustível abundante para suas viagens. Descobriram a Terra e se encantaram com a sua estrutura física, quase idêntica ao seu antigo e extinto planeta. Entre uma busca e outra de combustível, estudaram devidamente os terráqueos. Resolveram, então, se apossar do planeta. Estavam decididos a uma invasão direta, mas deduziram que faltava energia suficiente e as naves haviam sofrido avarias após passarem próximos a um quasar. Além disso, as armas atômicas dos humanos, inócuas para eles, poderiam contaminar o planeta. Optaram pelo Plano Pazoliano de Etnaduja, de domínio pela crença, até que restabelecessem integralmente a frota de naves.  Mas não contavam com a chegada dos Sedrev.

Há muitos anos estelares, existiam dois planetas próximos numa longínqua galáxia. Distavam como dista a Terra de Vênus. Dois povos de altíssima tecnologia e desenvolvimento que viviam em paz. Eram os Siuza e os Sedrev. Davam-se tão bem que em conjunto montaram uma base exploratória num pequeno planeta muito distante que, mesmo com temperaturas muito baixas, possuía condições climáticas suportáveis. Praticamente ao mesmo tempo, detectaram fenômenos estranhos no Sol que dominava o sistema planetário deles. No início, poderosíssimas explosões solares apenas interferiram nas comunicações de alta frequência. Os anos se passaram, muitos e muitos anos, as explosões se intensificaram e a temperatura dos dois planetas aumentou de tal forma que a vida se tornou impraticável, principalmente para aquele que estava mais próximo. Ainda em conjunto, pois os dois povos sofriam os mesmos infortúnios, discutiram todas as variantes a respeito do fenômeno e chegaram a uma catastrófica realidade: teriam que abandonar os planetas. Mas como poderiam milhões de pessoas abandonarem um planeta? E dois? Mais uma infinidade de reuniões e outra realidade catastrófica: os Siuza e os Sedrev estavam condenados à extinção, pois dentro de pouco tempo não haveria mais condições climáticas para a sobrevivência de qualquer tipo de vida. Tantas e mais tantas reuniões lhes mostraram que só havia uma única alternativa: enviar ao pequeno planeta representantes dos dois povos. Foi justamente neste quesito que se iniciaram os desentendimentos, pois cada povo queria levar vantagem sobre o outro. Oh máxima de todo o Universo! Enquanto os mandatários de cada planeta discutiam e não entravam num acordo, a cada dia a vida se tornava insuportável. Centenas e centenas de mortes já haviam ocorrido. Sem chegarem a um senso comum, o povo do planeta mais afetado resolveu decidir o que fazer. Era preciso chegar à frente e ocupar os lugares privilegiados daquele pequeno astro. O outro povo não perdeu tempo e pôs mãos à obra. Obviamente, foram escolhidas as castas superiores. As naves começaram a partir, de ambos os lados, quase ao mesmo tempo. E em pouco tempo, o pequeno planeta estava abarrotado de dois tipos de naves e dois tipos de povos anatomicamente semelhantes e, pior, de mesquinharias semelhantes. Já não havia paz. Já não havia harmonia entre eles. Rixas se tornaram frequentes. Enquanto a vida que por lá ficara havia se extinguido nos dois planetas, houve o primeiro confronto de armas no novo lar. Depois veio o segundo, o terceiro, até que uma violenta batalha final destruiu o minúsculo planeta. Antes da destruição final, uma pequena frota de naves partiu num rumo ignorado levando, de novo, os privilegiados. Outra pequena frota de naves que sobreviveu partiu noutro rumo ignorado levando também os seus privilegiados. Os Siuza e os Sedrev tornaram-se nômades do cosmo infinito. Passaram por vários planetas. Aqueles aptos à vida geralmente eram habitados por seres desenvolvidos como eles. Por isso os pretensos invasores, com ainda uma frota de ataque pequena, eram repelidos. Enquanto as gerações iam e novas vinham, os dois povos ora se encontravam numa galáxia desconhecida, ora se encontravam noutra galáxia desconhecida. O confronto era inevitável, mas sem maiores consequências, pois o poderio militar de ambos era muito semelhante. Tanto que nas primeiras avarias, parecendo até com uma combinação, as duas frotas se afastavam para anos e anos depois se encontrarem noutro lugar. Tornaram-se inimigos, mas havia uma força estranha que mantinha os dois povos próximos um do outro. Até que os Siuza descobriram um planeta com seres inferiores que não poderiam confrontá-los, a Terra, e resolveram transformá-lo no novo lar. Mas os Sedrev também o descobriram e acabaram de chegar.

Na Vila do Córrego Dobrado, Etnaduja tentava convencer os militares a se retirarem do local. Da morada celeste, recebeu o comunicado de que uma nave dos Sedrev estava se dirigindo à Terra depois de ter atacado a Atoirtap. Os Deuses não queriam confronto com seus inimigos para não colocar em risco o planeta Terra. O homem prateado foi orientado a continuar a parlamentação com o exército até descobrirem qual intenção dos Sedrev. Não demorou muito a acontecer. Um dos militares deu um alerta. Todos olharam para o céu e viram um objeto não identificado se aproximar. Era do tamanho de um ovo. Foi aumentando até que todos se viram de olhos arregalados. Por sobre as suas cabeças, ficou estática uma imensa nave espacial. Estabeleceu-se o caos entre os militares. Praticamente todos eles corriam, trombando uns nos outros, procurando lugares para se esconderem. O povo da Vila foi saindo de suas casas aos poucos, mas não se afastaram, ficando apenas olhando admirado aquele enorme objeto suspenso sobre a Vila. Etnaduja aguardava instruções e a família Mantiqueira aguardava explicações. Havia um silêncio profundo, apenas se ouvia um leve arfar vindo da nave. Num instante, houve um forte zunido. Uma luz verde desceu do aparelho até a calçada em frente a casa. Num segundo a luz se foi, surgindo um ser de roupa alaranjada. Este, imediatamente, pôs-se a conversar com Etnaduja com palavras que ninguém entendia. Nenhum dos outros dizia absolutamente nada, pois absolutamente nada entendiam. Apenas ouviam aquele insólito diálogo:

– O que representa isso, prezado siuza?

– Acaso interessa ao nobre sedrev? O que faz aqui?

– É vedada a nossa presença?

– Fato real que aqui chegamos primeiro e a presença de vocês não nos é bem vinda.

– Tornaram-se proprietários deste planeta?

– Digamos que o compramos e estamos organizando-o. Quem é o atual comandante de vocês?

– Opas, o Grande. E o de vocês?

– Otap, sem o grande, pois não nos distinguimos com honrarias fúteis. Afinal, qual o motivo da presença de vocês?

– Opas, o Grande, quer parlamentar com Otap.

– Seria sobre o ataque à nossa nave?

– O assunto só interessa aos comandantes.

– E precisavam ter descido aqui? Nós não nos apresentamos aos terráqueos como seres de outro planeta e vocês o fizeram. O comandante Otap não está nada satisfeito.

– Isso não me interessa. Estou esperando a resposta.

– Vou comunicar-lhe. Dentro de uma hora terrestre terá a resposta. Enquanto isso, tire esta nave daqui.

– Não recebo ordens dos siuza. Vou me retirar porque esta era a minha única missão.

Enquanto a nave desaparecia das vistas dos homens, Etnaduja recebia as devidas instruções de Sued, o comandante Otap. Necessário seria explicar de maneira convincente, principalmente aos militares, a presença daquela nave espacial. Passado o susto, o General conseguir articular algumas palavras.

– Mas… mas… o que… o que… foi aquilo?

– Nada mais claro do que uma nave espacial – respondeu o homem prateado. Vocês não haviam detectado os sinais de naves espaciais? Pois eis, elas apareceram.

– Mas… mas…

– Há uma frota delas espalhada pelo espaço. Nós, Deuses, sabemos de tudo. Por um acaso houve algum perigo para vocês? Aquela nave estava prestes a destruir esta localidade. Não o permitimos. Se for cristão, lembra qual foi a atitude de Deus perante o faraó que ousava possuir Sara? Deus não só impediu como também enviou uma série de infortúnios aos egípcios. Pois o que fizemos? Como Deuses, trouxemos o invasor para diante de nós. Avisamos-lhes que partissem imediatamente sem causarem mal à Terra, pois se assim o fizessem, seriam sumariamente destruídos. Pois o que fizeram? Partiram.

– Mas… mas… o que vocês convers…

– Prezado General, não sei qual a sua crença. Tenha a certeza que o senhor aqui presenciou como nós, Deuses, estamos a proteger-lhes. O que está acontecendo aqui nesta pequena cidade nada tem a ver com naves espaciais. Há aqui apenas uma grande crença do povo que resolveu seguir os nossos louvores. O que reina aqui é a paz, unicamente a paz. Olhem para o povo que está se ajuntando. Vê nele alguma ameaça? Atente para o bem estar destas pessoas. Repare como de cada face resplandece a felicidade. Nenhum deles combina com os seus tanques, com as suas armas e com os seus homens. Os comandantes que se preocupem com as naves espaciais que estão a rondar o planeta e nos deixem em paz. Nós, Deuses, faremos tudo para expulsá-los daqui. Agora, lhe peço encarecidamente que deixe este lugar. Deixe-nos em paz para que a paz nos engrandeça mais ainda e possamos ter força para espalhar esta paz pelo mundo afora. Vá, por favor, vá.

O general não tinha mais palavras, assim como nenhum de seus homens. Sua mente estava totalmente vazia, assim como a de toda a tropa. O contato imediato de terceiro grau foi deveras perturbador. Deu meia volta e ordenou a retirada. Duas horas depois não havia mais vestígios do exército em Vila do Córrego Dobrado. Etnaduja orientou a todos que voltassem para suas casas, o que foi prontamente obedecido. E na casa dos Mantiqueira, as dúvidas se extravasaram:

– O que foi tudo isso, Etnaduja? – perguntou Januário.

– Quantos perseguiram os cristãos depois da morte de Cristo? Nós, os novos Deuses, não enviamos um filho para a salvação da humanidade. Não há novo Cristo. Há uma nova civilização, a civilização de Sued. Como os seguidores de Cristo foram perseguidos, nós também seremos perseguidos. O exército veio aqui para nos tirar Asued e Sued Filho, pois já o estamos incomodando. Mas não conseguirão. Louvado seja Sued.

– Louvado seja Sued. Mas… e quanto àquela nave espacial?

– Muitos personagens do Livro Sagrado de vocês, a Bíblia, tiveram contatos com naves espaciais. Nós bem sabemos o motivo pelo qual praticamente todos aqueles contatos foram descartados do Livro. Acredito, se não me falha a memória, esqueceram de um, Ezequiel, que teve um contato imediato do terceiro grau, pois viajou numa nave espacial. Está bem evidenciado em seu livro. Seres de outros planetas sempre existiram e continuadamente visitam a terra com o intuito de dominá-la. Deus, o pai de Jesus Cristo, teve muito trabalho em controlá-los. Presentemente, Sued está tendo o mesmo trabalho. Aquela nave aqui esteve, mas louvado seja Sued, que a obrigou a vir até nós para pudermos orientá-la a nos deixar.

– Isso prova, então, que realmente existe vida inteligente fora da Terra? – perguntou Padre Alaor.

– Prezado Padre, você é um humano culto e tem alguns conhecimentos de astronomia. Portanto, sabe a imensidão em que se constitui o espaço. São bilhões de galáxias, uma infinidade. Em sã consciência, teria Deus criado toda esta imensidão para povoar unicamente este planeta? Seria um despautério só. Vários planetas tiveram seres criados por Deus, cada um com seu aspecto genético característico. Alguns se desenvolveram, outros nem tanto e, ainda, muitos se extinguiram às custas dos próprios erros ou devido a catástrofes cósmicas. Portanto, espalhados pelo Universo afora, há uma infinidade de povos. Sei que você vai me perguntar se todos foram criados por Deus. Não, é a resposta. Deus, o pai de Jesus Cristo, criou vários mundos, assim como nós já criamos vários mundos e ainda há outros Deuses que criaram outros mundos. E antecipando a outra pergunta sua, não sei, aliás, nós Deuses não sabemos de onde surgimos. Simplesmente nos vimos presentes num universo parco de horizontes. Éramos todos ligados com um único objetivo: arquitetar o Universo. Vários grupos de Deuses se formaram e cada um teve como objetivo arquitetar um pedaço do Universo. O espaço foi crescendo, crescendo e as primeiras desavenças surgiram. Sem sabermos por que, alguns Deuses possuíam mais poderes que os outros. Então, alguns planetas, galáxias e povos foram mais bem confeccionados que outros, surgindo ciúmes e invejas. Alguns Deuses não se conformavam em ter menores poderes que outros, e se revoltaram. Caso típico aqui da Terra. Um Deus a quem vocês chamam de Satanás não conseguia produzir as mesmas obras que o pai de Jesus Cristo. Por isso, fez de tudo para corromper a bela obra de seu oponente. E conseguiu. E continuou instigando-o até que o próprio Deus se aborreceu com a Terra quando o martírio de seu filho se fez inútil. E foi embora para cuidar de outras obras.

– E quem esteve aqui com aquela nave espacial?

– Você, Padre, e todos os demais, puderam perceber a semelhança entre aquele ser e vocês. Os comandantes daquela nave, como vocês, também foram criados por algum Deus. Vieram de uma galáxia enormemente afastada daqui, pois tiveram o planeta destruído por uma catástrofe natural da qual o devido Criador não chegou a tempo de impedir, pois, justamente naquele tempo, estava num embate furioso com algum oponente. Antes de acontecer a destruição final, várias naves partiram em busca de outro lar. E aqui chegaram. Vocês não compreendem a língua deles, mas eles foram orientados a se retirarem do Sistema Solar. Os Deuses se assemelham às suas crias, pois elas são geradas à imagem dos criadores.

– E quanto ao exército que presenciou tudo? – perguntou Januário. Com a demonstração de seus poderes a notícia vai se espalhar mundo afora. Não poderia acontecer de o mundo todo voltar a atenção para nós? Não seria perigoso para nós?

– Lembrem o que aconteceu com Jesus Cristo e seus apóstolos. Depois de muito tempo pregando o nome de seu pai e de várias demonstrações de poder, a notícia chegou ao império romano. Todos os olhares se voltaram para eles. É, com certeza, o que vai acontecer com vocês.

– Pois é, com isso Jesus Cristo foi morto.

– Eu tenho dito desde o início que nós vamos fazer tudo diferente. Seu pai, Januário, não foi o Jesus Cristo da vez. Temos aqui Asued e Sued Filho, dois filhos divinos. Serão duas criaturas de comportamentos normais perante o mundo. Não sairão por aí pregando o nome de Sued como fez Cristo pregando o nome de seu pai. Serão os principais doadores genéticos da nova raça. Cristo agiu tendo somente a ajuda dos apóstolos. Nós vamos agir em conjunto, em grupos cada vez maiores. Aqui na Vila já temos todos convertidos. Somando vários de outros distritos e da própria sede, já estamos nos aproximando dos 2000 adeptos. Quando os produtos do laticínio estiverem no mercado, o número de adeptos se espalhará como piolho em cabeça de criança. Sued já tem outros planos. Quando postos em ação, serão uma ferramenta fundamental para, brevemente, muito breve, dominarmos todo o planeta. Por falar em laticínio, acredito que no máximo em 30 dias poderemos inaugurá-lo.

– Etanaduja, acredito que já esteja no momento da procriação, pois não estou mais conseguindo segurar estas duas crianças – salientou Mabélia.

– Vou consultar Sued.

– Mara e Sofia terão outros filhos da mesma maneira?

– Lembra quando eu disse que nem elas e nem você teriam relacionamento com terráqueos? Inclusive você terminou o seu namoro por causa disso. Pois bem, brevemente Mara e Sofia serão acasaladas, isto é, usando a linguagem de vocês, serão casadas com dois anjos. Você, igualmente, será casado com um anjo fêmea. Como já foi explicado, Dona Mabélia não poderá participar do povoamento por causa daquele problema no útero. As filhas geradas por vocês serão, da mesma forma, acasaladas com anjos. Os filhos se acasalarão com outros anjos fêmeas, e assim por diante. Não se preocupem, pois receberão as devidas instruções.

– Por favor, Etnaduja, perdoe a minha ignorância e, acima de tudo, a minha insolência. Nós, terráqueos, temos uma… uma… é… uma concepção sobre casamento. Geralmente, a gente casa por amor e… e… na intimidade a gente…

– Já entendi, prezado Januário, não se preocupe, nenhum casal será formado por imposição de Sued. Sim, o casal será formado de acordo com o que Ele quer, mas não por imposição. Mara, Sofia e você terão a oportunidade de conhecerem os pretendentes e vice e versa. O casal só será formado com a aprovação das partes. No caso das intimidades, nenhuma interferência ocorrerá. Cada um de vocês três formará um casal como qualquer outro e assim viverão. Tudo em prol da geração da raça pazoliana. De acordo?

– Sim, sim, totalmente de acordo. Agora, depois de tudo o que aconteceu aqui, o que temos a fazer?

– A Vila do Córrego Dobrado seguirá a sua vida cotidiana. Vamos nos concentrar na fase final da construção do laticínio. De nossa morada celestial estamos atentos a tudo o que se passa por aqui. Interferiremos sempre que necessário para protegê-los, como bem o fizemos presentemente.

Da calçada, ouviram alguém chamar. Mabélia foi atender e recebeu um recado. Era para o Padre Alaor se apresentar imediatamente à igreja porque lá o estava esperando o Bispo Ednando. O padre rumou para lá. O homem prateado se despediu e os Mantiqueira foram cuidar de seus afazeres.

– Bispo Ednando, quanta satisfação – foi logo dizendo o Padre ao chegar à igreja, onde lhe esperava o visitante no primeiro banco em frente ao altar.

– Padre, vamos direto ao assunto. Quero saber todos os detalhes sobre o cerco do exército e a visita da nave espacial.

– Mas como o senhor ficou sabendo?

– Ora bolas, Alaor, tenha dó. Os militares passaram por Pico da Glória causando um rebuliço tremendo. Não perdi tempo em vir para cá. Cheguei à igreja pouco depois que aquele homem prateado entrou nela e dentro dela sumiu, reaparecendo na casa dos Mantiqueira. Fiquei na porta apreciando o espetáculo quando surgiu a nave. O que o exército queria?

– Quando eles surgiram e nos cercaram, foi um caos, um verdadeiro caos. Mas logo depois tudo se acalmou, pois o general que comandava a tropa fez questão de nos informar que toda aquela parafernália tratava-se simplesmente de um exercício militar. Até fomos convidados a participar.

– Como assim?

– O general disse que ia simular uma invasão e que deveríamos demonstrar muito medo. A primeira ação seria uma suposta invasão a uma das casas, como se a casa escolhida fosse o base do inimigo.

– Por que eles se concentraram à porta da casa dos Mantiqueira?

– Por nenhum motivo justificável. Tinham que escolher uma casa e, coincidência com certeza, escolheram a de Dona Mabélia.

– Coincidência, prezado Padre?

– Acredito, aliás, tenho certeza que sim, pois não havia motivo nenhum para o exército se postar à frente da casa de Dona Mabélia baseado num fim pré-determinado.

– Ledo engano, Padre, ledo engano. Conte-me sobre a nave.

– Até agora estou profundamente emocionado, pois jamais passava pela minha cabeça que algum dia eu pudesse vislumbrar com meus próprios olhos uma nave espacial de outro planeta. Aprendemos muitas coisas no Seminário, principalmente sobre a realidade dos fatos, a verdadeira concepção do Universo. Na maioria das vezes é muito difícil para nós, pelo menos para nós padres, nos abstermos da verdade para nos concentrarmos na Liturgia. É cruel sabermos da existência de uma infinidade de civilizações e termos que nos calar e, pior, termos que negar. O fardo é muito grande. Por isso, após o término de cada missa, a verdade oculta me oprime, me transforma numa massa insignificante de carne e ossos putrefatos. Enquanto levo a palavra de Deus aos cautos e incautos, minha mente me pergunta: é justo? Por que tudo isso? Por que a verdade está escondida em porões subterrâneos onde nenhum ser humano pode ter acesso? A verdade. Eis que a verdade se mostrou por cima das cabeças de todos os habitantes de Vila do Córrego Dobrado e por aquelas pouco mais de 1000 cabeças militares. Uma linda verdade, imensa, convertida sei lá em que material, que reluzia a luz do sol com uma magnitude não divina, mas real. Seria aço, ferro, tungstênio, sei lá. Veio até nós um verdadeiro objeto voador não identificável. Por poucos segundos apenas, pois logo se transformou num objeto totalmente identificável, uma nave espacial extraterrestre. De lá desceu um representante de um espaço longínquo. Um ser à nossa imagem e semelhança, pelo menos na aparência externa. Houve o contato, mas ninguém entendeu a sua linguagem. Tão serenamente como havia descido, num feche de luz, assim subiu. Não conseguiu transmitir a sua mensagem através de palavras, mas pela presença. Ao desaparecer de nossas vistas, ficou a pergunta: voltará? Acredito que sim, sem sabermos quais as suas reais intenções. Seria um contato de paz? Seremos invadidos? Não sei e ninguém sabe. O que sei é que a verdade se transfigurou, desabrochou, finalmente. Com isso, vão-se os porões, os paradigmas, as ocultações e o fingimento. É isso, aí.

– Oh Deus, o que ouço – opinou consternado o Bispo.

– Ouviu muitíssimo bem, Bispo Ednando. E tem mais, pois acont…

– Não precisa continuar Padre, pois já ouvi o bastante sobre o seu extraterrestre. Lembra-se daquela conversa que teve com o Cardeal Torentino? Você sabe muito bem que um relatório foi enviado ao Vaticano. Fiquei no aguardo da resposta, que, finalmente, chegou. Nesta semana que entra teríamos uma reunião, mas os acontecimentos de hoje aqui me trouxeram. Portanto, não temos mais que esperar, pois eis que a resposta está aqui em minhas mãos. Não trago boas notícias para você.

– Não precisa dizer, pois sei que fui desordenado, estou certo?

– Infelizmente, Padre. Até parece que você estava esperando por isso ou é apenas uma leve impressão minha?

– As atitudes do Vaticano não mais me causam estranheza. Sei que fui sondado até por satélite, que este me vigiou até quando estava sentado no vaso. Para falar a verdade, não me agradei do semblante do Cardeal Torentino. É um sinônimo perfeito de tudo o que é imperfeito por lá. Está desenhado na testa dele o mapa do submundo dos submundos. Não se aflija, Bispo, pois tenho muitos motivos para comemorar.

– Padre Alaor, estas suas palavras me assustam. Você foi o mais destacado de sua turma no Seminário, com trabalhos que chegaram ao Vaticano.

– Pois é, tão destacado que me enviaram para este buraco.

– Mas é sempre assim, Padre. Devemos começar com humildade, certo?

– Nada mais me interessa, Bispo. O que importa é que não sou mais padre, que estou fora da portentosa Igreja Católica Apostólica Romana. Daqui pra frente, o que me interessa são os lírios da paz.

– Lírios da paz? O que tem isso a ver com a nossa conversa.

– Absolutamente nada. Mas tem tudo a ver com o meu novo caminho.

– A nova seita extraterrestre?

– Não existe nova seita extraterrestre. Extraterrestre foi a nave que aqui esteve. Esta é uma realidade que vai, com certeza, mudar os conceitos do mundo. A minha nova realidade não se baseia naquela nave e muito menos numa nova seita. Desculpe, Bispo, mas o senhor não está preparado para tomar ciência de nem um milésimo da minha outra realidade. Portanto, já que não faço mais parte do Vaticano, deixe estar. Mais alguma coisa?

– Não, Padre, nada mais. Você está a par dos procedimentos legais no que se refere à desordenação e quanto à desocupação das acomodações paroquiais. Sejamos breves nestes atos burocráticos porque o novo padre chega amanhã. A pressa foi direcionada pelo Vaticano.

– Seja feita a sua, quer dizer, a vontade do Vaticano, Bispo.

Após a partida do Bispo, Padre Alaor foi até a casa de Mabélia. Como todos por lá já esperavam a decisão do Vaticano, não se consternaram. Muito pelo contrário, ficaram felizes com a nova liberdade do Padre. Como teria que abandonar a residência da igreja, solicitou pouso na casa, imediatamente aceito. Na base lunar, Otap resolveu fazer algumas sugestões a Etnaduja:

– Está tão transparente assim?

– Sim, Etnaduja. Não se esqueça de que agora temos a presença do Padre, e este conhece a Bíblia de cabo a rabo. Se você continuar a somente citar exemplos dos acontecimentos do Gênesis e alguns sobre Jesus Cristo eles vão considerar estranho.

– É, concordo. Realmente o único livro que estudei totalmente foi o Gênesis e algumas passagens de Mateus. Vou me inteirar mais a respeito dos outros.

– Ok! Voltemos à nossa rotina.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.

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