PAZOLIANA − CAPÍTULO 28: HUMANOS VISITAM OS DEUSES

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

“Se Deus pode acabar com o mal, mas não quer, é monstruoso; se quer, mas não pode, é incapaz; se não pode nem quer, é impotente e cruel; se pode e quer, por que não o faz?”. (Epicuro − 341 a.C. – 270 a.C.)

Após os acontecimentos de Marte e a partida do comandante Opas, Sued teve tranquilidade para voltar os pensamentos ao projeto pazoliano. Neste meio tempo, o sedrev que fora ferido pelas criaturas gelatinosas veio a óbito. Seu corpo foi devidamente incinerado, assim como os dejetos físicos acumulados. A cabine onde vivera seus últimos dias foi totalmente higienizada, ficando a certeza de não haver nenhum perigo de contaminação. Por medida de segurança, o médico legista continuava enclausurado e seus dejetos físicos sendo recolhidos à parte e imediatamente incinerados. Quanto ao projeto pazoliano, Sued chegara à conclusão de que era o momento para iniciar a operação limpeza, isto é, ao redor do mundo pessoas desapareceriam sem deixar vestígios. Seriam, inicialmente, os excluídos morais da sociedade mundana, aqueles que escolheram se apoderar de bens alheios ao invés de conquistá-los às custas de suor. Estas pessoas, simplesmente, deixariam de existir no mundo, e poucos, ou talvez ninguém, daria falta deles. Era chegado, também, o momento de Sued Filho e Asuede se unirem oficialmente para gerarem a primeira cria genuinamente pazoliana. Numa outra determinação, os Deuses resolveram formar casais entre eles. Cinco machos siuza se uniriam a cinco fêmeas sedrev e cinco fêmeas siuza se uniriam a cinco machos sedrev. Dos dez casais constituídos, cinco viveriam em Pico da Glória como representantes do laticínio e os outros cinco viveriam na Vila como funcionários da cooperativa. Foram instruídos a gerarem muitos filhos. Ficou estabelecido, também, que breve seriam escolhidos os companheiros dos filhos de Mabélia. Na residência dos Mantiqueira, Etnaduja selou a união de Sued Filho e Asued. A partir de agora, eram considerados o primeiro casal da nova raça nascido no planeta Terra. Seria o responsável por gerar a primeira cria genuinamente pazoaliana. Estavam presentes Mabélia, Januário, Mara, Sofia, Dona Filomena e Padre Alaor. Houve muita comemoração e a felicidade estava estampada nos semblantes de todos. Pouco antes da meia noite, Etnaduja se despediu e voltou para a base lunar. Chegando à cabine de comando, deparou-se com os outros Deuses reunidos em volta dos monitores.

– Tudo certo? – perguntou Sued.

– Tudo certo.

– Você parece preocupado, não concorda com as decisões sobre o projeto?

– Esse imprevisto de Marte está me importunando e muito. Ter que aceitar a hipótese de abandonar o Sistema Solar é duro, muito desgastante.

– É, também não me conformo. Mas, fazer o quê? E quanto ao projeto, está de acordo como queria?

– A cada dia que passa me desgosto com os terráqueos. O uso da molécula Ranimod foi bem pensado. Vai ser melhor ainda quando contaminarmos todos os lençóis freáticos. Desta forma, todos os terráqueos serão estéreis. Com isso, só nascerão pazolianos. Dentro de um século todo o planeta será habitado unicamente por nossa gente. Mas, eis o problema: a cada dia que passa os terráqueos me decepcionam. Estes humanos estão degradados. Com as tradicionais exceções, a raça humana está podre, completamente perdida. Neste exato momento está ocorrendo uma enormidade de conflitos sociais, étnicos, políticos, religiosos e por aí vai. Fico imaginando a nossa gente convivendo com eles durante um século. Não estou gostando disso. Até passa pela minha cabeça uma atitude drástica e…

– Atitude drástica? Meu prezado Etnaduja, não acredito que você está pensando em…

– Deixe estar por enquanto, comandante, vou raciocinar com mais calma para não tomar atitudes precipitadas. Mas, então, o que estão monitorando?

– Pobres terráqueos. Veja só, após aqueles primeiros dois voos, estão agora preparando aquela espécie de avião para um terceiro. Desta vez vamos recepcioná-los.

– Seria conveniente?

– Sim, com certeza, não temos nada a temer, muito pelo contrário. Será até hilário, principalmente pela reação deles.

– O que faremos?

– Daremos aos dois astronautas a imensa satisfação de terem contato com raças alienígenas. Ficarão abismados com que os seus olhos vislumbrarão.

– Seria mesmo interessante. Quando voltarem à Terra serão considerados heróis e os dados que levarão, com certeza, ficarão restritos às autoridades que se dizem competentes. Obviamente, a população mundial não tomará ciência. Seria justo?

– Não, é claro que não, apesar de que terão pouco tempo para saborearem tão imenso prazer. Temos ciência de que aquela nave, única por sinal, não representa o menor perigo para nós. Aliás, nada que venha da Terra nos ameaça. Não vamos permitir que aqueles homens que se consideram os donos do planeta e dos direitos e deveres de todos os terráqueos fiquem com a primazia do conhecimento sobre a nossa existência. Surgiu-me uma ideia. Quando aquele enorme e desengonçado avião levantar voo, seria bom nos mostrarmos aos terráqueos. Vamos voar a baixa altitude para que, em vários locais, vislumbrem nossa nave. Estaremos tão baixo que eles pensarão que queremos aterrissar. Este aparecimento súbito causará um impacto tremendo em todos os setores mundiais. Não haverá demora em que se faça associação entre o nosso aparecimento e o voo da nave deles. Vai ser um caos tremendo lá embaixo. O que acham?

– Bem pensado. Tentaremos algum contato?

– Absolutamente nenhum, apenas sobrevoaremos as grandes capitais mundo afora para que nos vejam. Depois, que os mandatários dos pobres incautos expliquem o porquê aquele avião partiu para o espaço.

– Ah, já confirmamos que não há armas naquela nave. Que venha então e saboreie seus quinze minutos de fama.

22 de março de 1982. A nave Columbia alçou o seu terceiro voo numa imensa nuvem de fumaça e fogo. Lá de cima os Deuses davam risadas ao presenciar tamanho atraso tecnológico. Alcançando a órbita, logo a tela do radar detectou a presença de objetos não identificados. Os dois astronautas ficaram extasiados. Os objetos foram crescendo na tela até que se tornaram visíveis a olho nu. Através do para-brisa da Columbia, dois pares de olhos se arregalaram quando avistaram as naves se aproximarem. Com o canal de comunicação aberto, mal conseguiam pronunciar algumas palavras. O pessoal em Terra não estava compreendendo o que se passava. Seis imensas naves alienígenas fizeram um círculo em volta da Columbia. Esta parecia uma asa-delta ao lado de um Boeing 747. Durante alguns segundos, eles olharam boquiabertos. Ficaram apreensivos quando um feixe de luz azul se dirigiu a eles. Perceberam que o feixe de luz carreava a Columbia em direção à maior nave. O instrumental não respondia aos comandos. O contato com a Terra foi interrompido. Não restou alternativa senão esperar. Verificaram uma enorme porta se abrir na lateral da nave. A Columbia foi transportada até o seu interior. Fechou-se o portão e eles se viram tragados pelos alienígenas. Sentiram uma súbita sonolência incontrolável. Sem saberem o tempo transcorrido, abriram os olhos e se viram sentados frente a uma mesa com dez ocupantes. Repararam bem nas criaturas e verificaram que eram semelhantes a eles. Seriam humanos como eles? O comandante Otap iniciou o diálogo, cumprimentando-os e demonstrando satisfação pela presença dos dois. Num primeiro instante, os astronautas ficaram mudos, olhando os estranhos e correndo os olhos por todo o interior do ambiente metálico. Estavam mais do que admirados, estavam extasiados. Um mirava profundamente os olhos do outro buscando uma simples resposta. Outra vez o comandante Otap cumprimentou-os, exortando-os a não temerem nada, pois o encontro era de paz. Depois de alguns minutos de total mutismo, um deles resolveu falar.

– Será engano nosso ou estamos mesmo no interior de uma nave alienígena?

– Qual o seu nome, prezado terráqueo? – perguntou Sued.

– John.

– John, o que seria uma nave alienígena para você?

– Uma nave alienígena é um objeto voador de alta tecnologia comandada por um ser ou seres de um planeta que não seja a Terra. De onde vocês são? O que pretendem conosco e principalmente com a Terra?

– Você considera que temos alguma intenção belicosa contra a Terra? – perguntou um dos Deuses.

– Poderemos imaginar o contrário? Mas, por favor, qual é o planeta de vocês?

– Sim, caro John, podem imaginar o contrário, pois, pelo menos neste momento o nosso objetivo é um contato de paz com os terráqueos, exatamente como estamos procedendo com vocês dois. Quanto ao nosso planeta, deixa estar, pois é uma longa história. Digo apenas que é muito, mas muito longe deste aglomerado de estrelas que vocês denominam de Via Láctea.

– Essa eu não entendi. Por que você disse que, pelo menos neste momento, o contato é de paz?

– Simplesmente porque ainda não temos certeza dos propósitos dos terráqueos.

– Ah, tudo bem. E quanto tempo consumiram nesta longa viagem?

– Como eu disse, nosso planeta de origem fica a uma distância imensurável daqui. Houve entre vocês um grande cientista que estudou sobre a relatividade do tempo. Não era de nossa descendência, mas, com certeza, foi gerado por algum semelhante nosso. Busquem na memória sobre o que ele ditou a respeito de quando nos aproximamos da velocidade da luz. Tempo e espaço são relativos e estão profundamente entrelaçados, certo? Baseado na teoria, nada, absolutamente nada, pode ultrapassar a velocidade da luz, de 300 mil km por segundo. Eis a questão, pois descobrimos alguns fatores que nos permitem viajar acima da velocidade da luz, questão incompreensível para vocês. Algo a ver com saltos no tempo, utilizando-se de fenômenos espaciais como, por exemplo, o que vocês chamam de buracos negros. Não adianta eu querer explicar, ainda é muito complexo para o atual estágio de evolução de vocês. Aquele cientista esteve próximo da solução. Sem me alongar muito, antes de virem para o Sistema Solar, nossos descendentes viajaram por uma imensidade de galáxias. Nós somos a 13ª geração.

– Então vocês não conhecem o planeta original?

– Não, desde a segunda geração.

– Ficaram este tempo todo vagando pelo espaço?

– Não foi bem assim, vagando pelo espaço. Vivemos, constantemente, explorando o espaço infinito.

– A grande realidade, então, é que vocês nasceram no espaço, em suas naves. Estão vivendo este tempo todo nestas naves?

– Não vivemos nas naves – apartou outro aliado. Vejam nesta tela. Eis aí a nossa morada atual – neste instante surgiu a imagem da base lunar. Já moramos em outros planetas, mas não houve a adaptação ideal. Às vezes, havia rixas com os habitantes originais. Outras vezes, as condições climáticas não eram suportáveis. Ou então, as condições climáticas eram boas, mas os seres, de tão misteriosos e medonhos, nos impediram a colonização. Houve algumas oportunidades em que moramos muito tempo em planetas, mas, no final, acabávamos voltando para a base, pelo conforto proporcionado. Como não somos adeptos de aborrecimentos, preferimos continuar no espaço, até que encontramos a Terra.

– Ohhhh! – suspiraram admirados os dois astronautas. É simplesmente fantástico, inimaginável para nós – disseram os dois praticamente ao mesmo tempo.

– Esta base foi sendo aperfeiçoada ao longo do tempo. Como eu disse, já habitamos outros planetas. Mas o conforto da base é tão grande, como clima controlado e constante, que preferimos ficar aqui em cima. Ela nos acompanha sempre.

– Como? Ela tem movimento? – prosseguiu John.

– Sim, há fortes propulsores que a faz se movimentar a grande velocidade. Não como as nossas naves, mas é bem ligeira. Nossas naves exploratórias seguem sempre à frente para pesquisas. Quando encontramos um lugar adequado ficamos esperando a sua chegada.

– Qual a população desta base, como é a questão de alimentos?

– Por volta de 2000 pessoas, como vocês se referem na Terra a seres humanos. A base possui módulos imensos que funcionam como uma fazenda, produzindo vários tipos de produtos semelhantes aos seus grãos, hortaliças, verduras, frutas e muitos outros. Temos cursos artificiais de água que irrigam a terra. Por causa do clima controlado e por ser uma área totalmente fechada, não há doenças, o que significa ausência total de venenos. Nossos alimentos são 100% saudáveis. É por isso que praticamente ninguém por aqui adoece, proporcionando-nos longevidade. Ah, já ia me esquecendo: não há na base uma única espécie de animal. Portanto, não nos alimentamos de carne.

– Destas 2000 pessoas, quantas participam das operações militares?

– Não são bem operações militares, pois não vivemos em constantes batalhas. Temos uma equipe que controla as naves exploratórias, por volta de 500 pessoas.

– Você falou em longevidade.

– As condições na base são as mais salutares possíveis. A nossa expectativa de vida chega a 180 anos.

– Cen.. cento e… oitenta anos?

– Sim, mas apenas quando vivemos exclusivamente na base. Nas ocasiões em que habitamos planetas, as condições adversas ocasionaram uma queda nesta longevidade. Talvez por isso, quem sabe, ultimamente a gente tenha preferido ficar aqui em cima.

– Essa eu não entendi. Por que, então, o intuito de descer ao planeta?

– Aqui na base temos tudo para uma vida saudável. Temos os campos de produção de alimentos, como eu disse, temos imensas áreas de lazer com bosques e parques de diversão, enfim, temos tudo. Mas, eis a questão, tem momentos em que sentimos falta de amplitude, de imensos espaços, do sentido de explorar lugares inimagináveis. Acredito que nenhum ser, seja de qual espécie for, nasce para viver enclausurado numa redoma, por maior e mais salutar que seja.

– Você disse que estão na 13ª geração e com uma população de 2000 pessoas. Já que a expectativa de vida é de 180 anos, não é pouca gente para tanto tempo? Por um acaso há controle de natalidade justamente para não haver uma explosão populacional?

– Bem pertinente este questionamento. Travamos algumas batalhas no passado que nos proporcionaram perdas enormes. Numa delas, quase fomos dizimados. Há muitos anos não temos confrontos. Com isso a população foi aumentando em demasia. Sim, sim, criamos um controle de natalidade, que tem segurado a possível explosão populacional citada por ti. Mas, não vamos entrar no mérito da coisa.

– Você comentou que não vivem em constantes batalhas e agora disse que uma delas quase os dizimou. Há muitos outros seres como vocês no Universo?

– Vocês nem imaginam como este imenso Universo é habitado.

– Como chegaram aqui no nosso Sistema Solar?

– É uma longa história, quem sabe numa outra ocasião tenhamos a oportunidade de lhes contar detalhes como estes – disse Sued tomando a palavra.

– Como vocês aprenderam a nossa língua com tanta perfeição?

– Podemos nos comunicar com todos os povos do mundo nas suas respectivas línguas ou dialetos. Possuímos aparelhos que, em primeiro lugar, captam todos os caracteres e pronúncias de cada língua ou dialeto. Os dados são armazenados e depois nos é transportado ao cérebro por outro aparelho.

– Meu nome é Abraham. Permita-me perguntar como será o contato de vocês com o planeta e qual o objetivo desta visita.

– Muito prazer, Abraham. O objetivo da nossa visita é dominar…

– Ah, vocês estão prestes a invadir a Terra – sentenciou John.

– De certa forma, sim.

– Desculpe-me, comandante Otap, mas não vejo outra maneira de dominar a Terra a não ser invadindo-a numa ação belicosa. Você há de concordar comigo que haverá represarias, como numa autêntica guerra.

– Perfeitamente, se procedêssemos como numa autêntica guerra. Mas não será assim. Temos, realmente, a intenção de viver entre vocês e…

– Viver entre nós? – disse sobressaltado Abraham. Como se dará isso? Vocês estão querendo abandonar a base espacial e descer para a Terra? Por favor, não estou entendendo.

– Sim, viver entre vocês. O meu colega disse há pouco que, de vez em quando, sentimos desejo de ampliar nossos espaços. Já fizemos isso muitas vezes. E quando acontece de nos retirarmos, normalmente alguns dos nossos ficam, por terem se adaptado melhor. E os que ficam sempre contribuem para a evolução do lugar. Para viver entre vocês não há a necessidade de uma invasão tipo militar. Poderíamos fazer isso neste exato momento. Poderíamos distribuir as nossas naves por toda a Terra e eliminar, um a um, todos os terráqueos. Seria fácil demais. Usando um jargão famoso da sua gramática, seria como tomar doce de criança. No momento, estamos a ponderar o como. Depois, teremos noção do que fazer.

– Pelo amor de Deus, mas… independente do como, o certo é que vão invadir a Terra?

– Sim, com certeza. Como eu disse, ainda não decidimos a totalidade da tática. Digo, no entanto, que o processo já está em andamento, e muito adiantado, por sinal.

– Por um acaso teria alguma coisa a ver com aquela seita que surgiu numa pequena localidade do Brasil? – perguntou John.

– Seita? O que é isso?

– Defino seita como um ramo dissidente de uma Igreja estabelecida, que neste caso é considerado herético, ou um grupo dentro de uma comunhão religiosa principal, cujos aderentes seguem certos ensinamentos ou práticas especiais, ou ainda um grupo de pessoas que segue determinados princípios ou doutrinas, diversas das geralmente aceitas no respectivo meio.

– Seria um caso de dogma religioso?

– Exatamente. O que está acontecendo naquela localidade brasileira e que está se espalhando pelo país como nuvem de moscas sobre o açúcar nada mais é do que a adoração de um novo Deus, que eles chamam de Sued. Há fatores estranhos envolvidos lá. Fato real, realíssimo, é que um grupo de militares esteve na localidade e tiveram contato com uma nave alienígena. Esta ficou estática sobre a cidade e o seu comandante foi ao solo, também com aparência semelhante a nós. O que teria esta nave com o movimento religioso que adora este tal de Sued? Foram vocês que lá estiveram?

– Prezado John, qual a sua religião?

– Sou católico… quer dizer, eu era católico e… na realidade ainda não encontrei uma religião que respondesse as minhas perguntas adequadamente. Tive até uma experiência com o Espiritismo, mas também ele não me respondeu uma pergunta básica.

– Posso saber qual?

– Pelo que entendi, o nosso corpo físico nada mais é do que um meio pelo qual um determinado espírito nele encarna para depurar as suas culpas de uma encarnação anterior. Isso mexeu muito com a minha cabeça, pois eu ficava a me perguntar: e eu, John, como fico? Imaginemos que um espírito ruim venha ao mundo no meu corpo para se purificar. Quer dizer, então este espírito estará usando o meu corpo para se dar bem. Para tanto, naquela vida em que o tal espírito estiver encarnado em mim, eu, John, vou passar por umas privações fantásticas. Minha vida será um sofrimento e chegará o dia em que o meu corpo morre. Aí o John se finda definitivamente. O espírito, no entanto, adquire a capacidade de reencarnar e viver feliz. Quanto ao John, este se foi definitivamente. O espírito que estava em mim vai viver outra vida sem nada a ver com o John que usara anteriormente. Eu, como ser humano, como John, vivi aquela vida desgraçada para reabilitar um espírito. Esta dúvida jamais me foi respondida adequadamente. Também me disseram que o espírito se encarna exatamente no momento do nascimento. Enquanto o feto está se desenvolvendo no útero, nada de espírito. Aí, ao nascer, pronto, espírito encarnado. Me disseram que isto é controlado por um grupo de entidades superiores. Quer dizer, voltando ao meu exemplo, eu, John, que acabara de nascer, lá estava à mercê desta entidade superior. Então, desde que a gente nasce, já nascemos sem ser donos de nosso corpo. Pois é, isso mexeu muito com a minha cabeça.

Interessante. E agora, John, que religião professa?

– Hoje eu digo com convicção que não tenho nenhuma religião. Sou cristão, apenas isso.

– Ser cristão, apenas isso, como você disse, seria ser adepto de Jesus Cristo, o único filho de Deus?

– É… mas…

– E vocês, têm religião? – perguntou Abraham.

– Não, prezados, não temos religião. Isso não existe entre nós. Não vivemos escorados em algo do além na esperança de salvação. A salvação somos nós mesmos, ancorada em nossos atos de sobrevivência. Não há espírito entre nós a nos moldarem comportamentos.

– Vocês, então, consideram que a vida acaba mesmo na morte?

– O fim de um ciclo biológico é meramente o fim de um ciclo biológico, não importando a espécie. Não há volta. Por que esta volta tão propalada entre vocês terráqueos só acontece com os humanos? Referindo-me somente a espécies deste planeta, por que não há a volta de bactérias, vírus, protozoários e os animais mais desenvolvidos? Ou será que o espírito que está em você hoje vai voltar num pepino do mar? Como comandante Otap, estou agora vivendo o meu ciclo biológico. Quando este se encerrar, com ele se encerra definitivamente o comandante Otap.

– Então quer dizer que vocês não têm nada a ver com a seita?

– Com a seita não, pois o movimento que se originou em Vila do Córrego Dobrado não tem nada a ver com seita ou religião. Você já viu seita ou religião sem templo, sem um local de oração? Pois bem, nós não temos templos nem locais de oração, pois não somos seita ou religião. Somos uma raça mais desenvolvida que vocês que escolheu a Terra como moradia. E aqueles humanos lá em baixo são os nossos seguidores. São eles os responsáveis por mostrar aos terráqueos a nova era.

– Então vocês não são deuses como…

– Olhem bem para nós, temos aspecto de deuses?

– De maneira alguma. É simplesmente fantástico para o terráqueo este contato com seres de outro planeta com características físicas semelhantes às nossas. Para mim e para Abraham é simplesmente genial. Ainda não estamos acreditando que somos os primeiros seres humanos da história da Terra a ter contato com alienígenas inteligentes e, que maravilha, parecidos fisicamente com a gente. Pena que ainda não nos desvendaram totalmente os seus objetivos.

– Prezado John, vocês não são os primeiros terráqueos a terem contato com alienígenas. Desde imemoriais tempos, seres inteligentes de outros planetas visitam a Terra. Inclusive, vários dos visitantes aqui permaneceram e, com o conhecimento que possuíam, contribuíram e muito para o desenvolvimento de vocês. Alguns positivamente, e pena que não foram devidamente compreendidos, e outros nem tanto, que foram responsáveis por verdadeiros extermínios humanos.

– Não entendi.

– Por ora, é melhor continuarem a não entender. É muito complexo.

– Mas e quanto à nave? Eram vocês?

– Perfeitamente, John.

– Por que vocês foram até lá? Realmente, nada a ver com a seita?

– Monitoramos todo o planeta, assim como fazem os seus satélites. Acreditávamos que aquele exército estava por atacar uma comunidade indefesa cujos habitantes têm o direito de propagar as ideias que quiserem. Por isso descemos para impedir procedimentos indevidos por parte dos militares. E enfatizando, eles não fazem parte de uma seita.

– Não imaginaram que esta visita poderia ter repercussão mundial, isto é, que o mundo todo soubesse da presença de vocês aqui?

– Tínhamos certeza absoluta de que, como sempre aconteceu com todas as visitas anteriores de alienígenas, as autoridades nada divulgariam e fariam tudo para evitar vazamentos de notícias.

– Comandante Otap, mudando de assunto, posso comentar sobre os caças que os atacaram com ogivas nucleares?

– Sem problemas, mas que fique muito bem claro que só atiramos em represaria, ok?

– Claro, claro, os caças atacaram e vocês responderam. A grande dúvida é sobre a capacidade de vocês em não sofrerem nenhum dano com as bombas atômicas. E que tipo de arma foi aquela que os destruiu. É algum tipo de laser?

– Digamos que possuímos escudos defletores e que a arma seja um tipo de laser, duas altíssimas tecnologias que vocês ainda não dominam. Por que o sorriso, prezado Abraham?

– Vergonha.

– Vergonha de que?

– Só de lembrar de nossa Columbia sinto vergonha. Para nós, ela é o maior avanço que conseguimos na engenharia espacial. Perto desta nave aquele tosco avião é uma carroça de rodas quadradas. Nossas ogivas nucleares não lhes causaram nem cócegas, enquanto seus raios lasers pulverizaram os nossos caças como se fossem uma joaninha sendo esmagada com a sola da botina. Nós humanos nos consideramos a obra máxima da criação de Deus, o ser mais inteligente do Universo. Eis nós aqui agora, de frente a vocês, nos sentindo uma escória. Não somos nada, não passamos de uma gota d’água no imenso oceano.

– Concordo com o meu colega, comandante Otap. Quando fomos escolhidos para pilotar a Columbia, nos consideramos o suprassumo da inteligência. Para nós, a Columbia é o maior exemplo de tecnologia aérea surgida em nosso planeta. Sendo nós os responsáveis pelo primeiro voo, não um voo qualquer, mas uma missão para tentar contato com extraterrestres, nos sentimos os maiores heróis da Terra. E agora? Olhamos em volta e o que vemos? Vemos o quanto não somos nada. Como eu gostaria de conhecer esta nave e a tecnologia que a move.

– Jamais se envergonhem da tecnologia que possuem. Estão no caminho certo. Não se compara à nossa, é óbvio, mas há planetas em que ainda estão na idade da pedra, fase esta da evolução que vocês deixaram para trás há milhões de anos. Será um prazer mostrar-lhes a nave. Quanto ao mecanismo de propulsão e outras tecnologias, não será desta vez. Quem sabe num futuro próximo. Tudo vai depender do sucesso de nosso plano.

– Podemos saber detalhes sobre este plano?

– No momento não. Venham, vamos apresentar-lhes alguns aspectos interessantes da nave. Enviem um comunicado aos seus superiores. Digam que estão sendo muito bem recebidos por nós e que aqui ficarão alguns dias, em paz, para conhecer as dependências da base lunar.

Quando os dois astronautas abriram os olhos e se depararam frente a uma mesa com dez ocupantes alienígenas, uma nave dos aliados já havia adentrado à atmosfera terrestre. Nos confins dos porões militares as várias línguas intercontinentais não se entendiam quanto ao silêncio repentino da Columbia. O que teria acontecido? Foi destruída como os caças? As rugas nas testas dos homens repletos de divisas, que já estavam se sobressaindo desde o aparecimento dos Deuses, tiveram a oportunidade de se expandirem quando os radares das bases estratégicas detectaram a aproximação da nave dos aliados. O aparecimento visual foi surpreendente, em todos os sentidos. Os civis, incautos cidadãos que não tinham a mínima ideia da existência de extraterrestres na Terra, se dividiam entre abismados, extasiados, apavorados, atrapalhados, desesperados, cientes da vinda do novo messias, cientes da vinda de Satanás, desejosos de abdução, suicidas agudos e mais alguns, aliás, inúmeros, que não deram a mínima pelota por causa do efeito do álcool e/ou outras drogas consideradas ilegais pelas autoridades competentes.

A nave dos Deuses, sabedora da localização de cada base militar, fez questão de sobrevoar uma a uma. Os humanos, que se consideravam os mais inteligentes e preparados do Universo, coincidentemente aqueles repletos de divisas, saiam de suas tocas como ratazanas noturnas em busca de alimento. Nos pátios e canteiros torciam o pescoço para o céu em ângulo de 90º e com os olhos esbugalhados e vermelhos pela responsabilidade de decidirem o destino dos incautos ingênuos vislumbravam o imenso e silencioso pássaro metálico sem asas que irradiava luzes fosforescentes pelos seus vários forames. Durante um dia terrestre, a nave aliada passeou majestosa e esplendorosa por todos os recantos da Terra, em várias ocasiões tão próxima do solo que muitos disseram que quase a tocaram com as mãos sedentas de redenção. Os telefones vermelhos não paravam de tocar. Os telefones comuns não paravam de tocar. Os satélites já estavam em ponto de ebulição. Nunca na história do planeta Terra houve um acontecimento como este. As pessoas não tinham palavras para descrever a emoção e/ou temeridade pela visão. Os militares se compraziam energicamente em querer entender a finalidade daquela visita. Depois de sobrevoar o planeta todo, o pássaro mágico dos Deuses postou-se sob o Estado do Vaticano simulando o retorno de Jesus Cristo. Os atuais representantes na Terra do Deus nazareno correram ao ar livre para livremente se deslumbrarem com o pássaro metálico. O Papa, mais modesto e pomposo, apareceu na janela de seu escritório no Palácio Apostólico na Praça de São Pedro. Olhou, abaixou a cabeça e fechou a janela.

Ainda não era o momento do retorno. Lá dos céus a nave recebeu a instrução para visitar outros centros religiosos. Partindo de Roma, o pássaro metálico do além seguiu rumo à Arábia Saudita, chegando à região de Hejaz, na província de Meca. Por sobre a mais sagrada das cidades muçulmanas, os atrevidos infiéis ousaram chegar a poucos metros dos protegidos de Maomé. Ousadamente, a imensa nave se postou bem acima da Masjid al-Haram, a Mesquita Sagrada. Não era época da Hajj, a peregrinação maior executada uma vez por ano por todo adulto com o objetivo de fazer as suas preces na Caaba, mas, como de hábito, havia centenas e centenas de fervorosos e radicais adeptos, que não sabiam se praguejavam, se adoravam ou simplesmente ignoravam aquela estupenda visão metálica e pulsante de luzes multicoloridas. Depois de pouco mais de cinco provocantes e inesquecíveis minutos, a nave sobrevoou a cidade e o entorno. Passou pelas Torres Abraj Al Bait, o Poço de Zamzam e a caverna de Hira na montanha Jabal Al-Nur. Com uma velocidade estonteante, ganhou as alturas e partiu rumo à Índia e China, por onde pairou por sobre os templos hinduístas e budistas, causando furor. O próximo destino foi o Continente Americano. A intenção era sobrevoar as sedes das principais seitas religiosas. O que foi feito tendo como consequência o mesmo furor. Assim, todos os continentes foram visitados pelos Deuses, que jorraram sobre as mentes daqueles que através da crença dominavam os incautos indefesos uma enormidade de dúvidas a respeito de seus dogmas. Na Terra, o mundo religioso se transformou num verdadeiro caos. Afinal de contas, que realidade metálica aparente era aquela? Que deus comandava aquela nave? Que deus criara quem comandava a nave? Que força comandava aquela nave? Afinal de contas, o que o nosso Deus tinha a ver com aquela nave?

Na morada celestial, após oito dias extasiantes, chegara ao fim a visita dos terráqueos. Enlevados pela glória do contato imediato de terceiro grau, que para os dois astronautas foi considerado de décimo grau, tamanha a importância, tomaram seus lugares na Columbia e partiram em regresso à Terra, já com a comunicação restabelecida. Lá de baixo chegava uma borrasca de perguntas. Lá de cima as respostas eram esfuziantes. John e Abraham, de tão estupefatos, não conseguiam se expressar adequadamente. Solicitaram aos homens de divisas que os aguardassem com as respostas. Com certeza, foi o acontecimento-mor de toda a história do planeta azul. Talvez, o último e estupendo acontecimento global do planeta.

Antes da partida, tudo o que importava era sua subida na Flórida e sua descida no outro extremo dos Estados Unidos, na Califórnia – e isso ocorreu com perfeição. A descida repetiu o espetáculo da ascensão. John virou o nariz da Columbia para a frente, acionou os motores direcionais e começou a descer para a camada da atmosfera. Foi quando reparou na nave dos alienígenas que o acompanhava a poucos metros de distância. Já estava, e mais extasiado ficou. A velocidade da nave terráquea caiu nos mostradores, devido à resistência do ar, e sua parte inferior passou a refletir um avermelhado de brasa. John e Abraham verificaram, boquiabertos, que este fenômeno não acontecia com a outra espaçonave. A Columbia cortou todo o oceano Pacífico em descida vertiginosa, sempre acompanhada pelo pássaro metálico do além. Lá em baixo, os homens de divisas estavam prestes a chorar de medo e/ou de emoção.  Aproximou-se da costa da Califórnia. Deu uma longa volta no céu já perto de seu campo de pouso na Base Aérea de Edwards – a mesma onde, em 1947, o piloto americano Charles Yeager quebrou pela primeira vez a barreira do som com um avião a jato – e deixou baixar lentamente sobre a pista de areia suas 75 toneladas de peso. Os motores da Columbia, em toda a descida e também na hora do pouso, estavam desligados.

A apreensão dos homens de divisas de diversas nacionalidades durou uma eternidade de pouco menos de 20 minutos. Não sabiam se acompanhavam o veículo voador de seus semelhantes ou o outro, dos Deuses. Durante esse tempo, o calor provocado pela reentrada da nave na atmosfera fez com que as comunicações ficassem interrompidas. Mas o contato foi restabelecido, tudo ia bem e o pouso, macio como o de um avião comercial bem pilotado, acabou arrancando gritos de satisfação dos técnicos na pista de pouso de Edwards, um árido terreno plano de mais de 20 quilômetros de extensão, frequentado apenas por aviões em teste e as serpentes venenosas que habitam o deserto. Enquanto a tropa de técnicos se dirigiam ao Columbia com seus maquinários de resgate e salvamento, que graças a Deus não precisaram usá-los, a nave dos aliados se postou bem acima da Columbia. Em volta, uma multidão se portava como estátuas, tamanho o vislumbre da cena. Olhavam uns para os outros se perguntando mentalmente: qual a explicação física para justificar uma imensa nave como aquela ficar parada no ar num silêncio constrangedor? Seus pensamentos foram interrompidos quando se fez ouvir uma espécie de zunido, sereno e comovente. A nave dos Deuses fez um giro de 180º sobre o seu eixo e arrancou numa velocidade inimaginável. Em menos de cinco segundos ficou fora de alcance dos olhos nus. Pasmos, de repente todos se lembraram que estavam vivos e partiram para o reencontro com John e Abraham. Os próximos momentos, os dos relatos, seriam de tirar o fôlego.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.

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