GAMELEIRA VINGATIVA, A

Postado por e arquivado em LENDAS.

A gameleira (Fícus doliaria) é uma árvore de grande porte, podendo chegar a 20 metros de altura e 2 metros de diâmetro. Costuma nascer sobre outra árvore, que acaba matando-a sufocada. No entanto dá vida à floresta, pois fornece alimento e abrigo para diversos animais que espalham as sementes quando se alimentam de seus frutos, em especial os morcegos frutívoros.

Na crença do povo yorubá existe uma entidade chamada Iroko que habita a gameleira. Nos terreiros, costuma-se manter uma dessas árvores como morada de Iroko, assinalada por um ojá (laço de pano branco) ao seu redor. Iroko representa a ancestralidade, os nossos antepassados, pais, avós, bisavós. Representa também o seio da natureza, a morada dos Orixás. Desrespeitar Iroko (a grande e suntuosa árvore) é o mesmo que desrespeitar a sua dinastia.  Iroko representa a história do Ylê (casa), assim como do seu povo, protegendo-o das tempestades.

Antigamente existia uma imensa gameleira bem no centro da Praça dos Boiadeiros, hoje Abner Afonso. Era costume fazer ali a queima do Judas. O povo saia em procissão carregando um boneco de palha de quase dois metros de altura. Na praça, dependuravam o Judas num galho da gameleira e o povo o malhava enquanto rezava. Depois ateava fogo no boneco. A tradição foi-se extinguindo sem uma razão aparente. Entretanto, alguns antigos dizem que algo misterioso aconteceu.

A gameleira da Praça dos Boiadeiros era muito frondosa. Sob a sua generosa sombra os roceiros e negociantes de gado costumavam amarrar os cavalos quando vinham à cidade tratar de negócios. Daí o nome da praça. Ali, depois dos negócios efetuados, formava-se uma roda de conversa que varava a noite. Contava-se e cantava-se de tudo, pois não faltava uma viola. Acontece que, além das verdades anunciadas, muita mentira era veiculada, principalmente a respeito da vida alheia. Era a tal fofoca, que já naquele tempo não era exclusividade das mulheres.

Numa das rodas de conversa, um senhor de seus 80 anos que por lá passava contou que a árvore estava possuída por um espírito vingador (seria o Iroko?). Disse que todo cavaleiro acostumado a contar mentiras sobre si mesmo e sobre os outros e acima de tudo devedor de alguma promessa, seria castigado pelo espírito da gameleira. De prontidão todos zombaram do idoso, que deu de ombros e se retirou rogando pragas àqueles cavaleiros.

Na noutra noite, estavam presentes na praça praticamente os mesmos cavaleiros. Quando deu meia-noite ouviram um longo cantar de galo, diferente e melancólico. Tão logo se deu o silêncio, a gameleira começou a tremer misteriosamente. Foi aos poucos aumentando a intensidade, causando a queda de grande quantidade de frutos e galhos secos. Os animais ficaram tensos e rebeldes. Os cavaleiros assustados olhavam uns para os outros e quando perceberam os animais arrebentando as peias e pondo-se em fuga também se desembestaram ruas afora, uns pela Olegário Maciel, outros pela Agenor Maciel e outros sumiram em direção ao Córrego Monjolo.

Aqueles cavaleiros se ausentaram da praça por muitos dias carregando na memória a noite tétrica e as palavras do velho. Como a gameleira não perdoava ninguém, praticamente toda noite se via cavalos e homens correndo feitos loucos pelas ruas. As palavras do velho se espalharam entre eles. E, talvez por causa disso, muitos evitavam tocar no assunto da gameleira vingativa.

Fato é que um dia a árvore foi derrubada. O motivo, muitos o sabem. Então, com a gameleira ausente, os cavaleiros voltaram a freqüentar a praça, com as mesmas mazelas de sempre. Mesmo assim evitavam de todas as maneiras possíveis passar por baixo de qualquer gameleira que encontrassem pelo caminho. Talvez este fato explique o rápido aniquilamento desta espécie de árvore no cerrado do município de Patos de Minas.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann, baseado em EcoCâmara e Patos de Minas: Minha Cidade, de Oliveira Mello.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.

Compartilhe

You must be logged in to post a comment. Log in