TEXTO: JORNAL O COMMERCIO (1910)
Ha tempos atraz espalhou-se, entre nós, a noticia de que, brevemente, poderiamos contar com a Goyaz¹ e que, como o nosso, os municipios do triangulo teriam a mesma regalia. Notei, então, extranho movimento e discussões cerradas, que arrancavam a burguezia á tristeza, para conduzil-a aos futuros sonhos de gloria.
Já, a seus olhos, crescia assombrosamente o commercio, e ouro, aos punhados, enchia as velhas burras, ha muito abandonadas, onde se aninharam tão sómente alguns tristes documentos amarellados pelos annos. Os projectos esfriaram-se com a demora d’aquella via-ferrea, que apezar dos esforços empregados, ainda se acham na Perdição. Aqui fallava-se muito que teriamos um ramal; era esta a opinião da minoria. A maioria, no emtanto, contava certo com o tronco, ficando então a nossa cidade, directamente, ligada ao visinho Estado de Goyaz. A mim, que ancioso a espero, pouco me importa obtermos ramal ou tronco. Este ultimo seria melhor, já se vê; mas, não podendo ser, o ramal mesmo satisfaz o meu desejo, que não é outro, sinão o de progredir o nosso municipio, continuamente para, cada passo á frente, constituir um gráo de mais na escala da civilisação.
Certa noite, conversava-se sobre a vinda da Goyaz. Alguns opinavam pela certeza d’ella aqui apparecer, trazendo como base do que afirmavam, os elementos de que dispunha o nosso municipio. Outros, ao contrario, não estavam por isso, e a discussão travada tornou-se furiosa.
Um dos companheiros, irritado com aquella gritaria onde não havia possibilidade de tomar a palavra, resolveu a bater no assoalho com os pés da cadeira, para vêr si com o barulho poderiam-lhe prestar ouvidos. E assim fez. Callaram todos e elle emproado e duro como poste, sacou um velho lenço, berrando com toda força permittida: — Qual Goyaz, qual nada! Ainda acreditam n’isso, siôs tolos? Si vocês fossem crianças e acreditassem nos contos do vigario, ainda valha-nos Deus! Mas pensar em tamanho absurdo, é que eu, de modo algum, posso admitir! Que me digam entrar a civilisação na China, que se falle na descoberta do motu-continuo; que affirmem embora estar eu louco ou no mundo da lua; que o diabo tenha enganado a S. Pedro para entrar no céo; tudo, tudo isso eu creio! Porém, que a Goyaz venha cá. Homem, o melhor é pararmos com isso… – Nada, disse um dos presentes: — Você não sabe o que fala e discute a esmo, ás tontas. Elle sahio furioso, gritando da rua: — Vocês são uns tollos, só têm presumpção.
Vim-me distrahir e sáio irritado! Diabos me levem, si me metter mais com suas conversas. Sahi impressionado com a discussão que ouvira, e dormi sonhando que a Goyaz chegava em nossa estação, conduzindo innumeros wagons, por cujas frestas bellos touros indianos mostravam compridas orelhas. Na estação gordunchudos allemaes embarcaram apressadamente.
Garôtos passavam assobiando, de mãos no bolso, gritando sempre: — Hotel da Estação! Hotel das Flores. A bilheteria estava repleta de estrangeiros, que pediam passagens.
– P’ra onde?
– P’ra Catalão.
– Já vão.
Um telegraphista approximou-se de um dos viajantes, entregando-lhe certo telegramma. Ouviu-o ler: — Segue Dr. Nilo Peçanha inaugurar Goyaz, passando Patos. Communique fato preparar recepção.
* 1: Leia “A Questão da Estrada de Ferro”, “Carta do Dr. Euphrasio José Rodrigues Para Olegário Maciel Sobre a Estrada de Ferro” e “A Estrada de Ferro”.
* Fonte: Texto publicado com o título “Estrada de F. Goyaz” na edição de 23 de novembro de 1910 do jornal O Commercio, do arquivo de Altamir Fernandes.
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