CARNAVAL DE 1969 – NINGUÉM É DE NINGUÉM

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TEXTO: ROMUALDO SATÍRICO (1969)

Não, eu não poderia deixar de falar a respeito do Carnaval. Só não falei antes, porque o jornal não circulou, e eu já tinha uma matéria na redação.

Agora eu lhe pergunto meu velho “eu”. O que falar? Eu estive no Carnaval, é verdade. Mas é muito mais verdade, que eu não sei exatamente o que falarei a respeito do dito cujo. Na verdade, realmente verdade, o que eu fiz, eu não contarei. Posso contar um pouquinho do muito que aconteceu, mas nunca, o muito que tenho no íntimo. Se se acontecesse uma palavra minha, muito íntima, esta página cheiraria a enxôfre. Cheiraria sim! Porque você está rindo? Alguma vez a sua velha avó não lhe disse que Carnaval é obra satânica? Que em 1969 as meninas já estariam trajando roupas psicodélicas onde o Umbigo seria o cartaz do dia? E pouco me importa tudo isso. É bem pra mim, e iluzão pra elas. Vou te contar… hoje é quarta feira de cinzas. E eu estou muito cançado e chateado. E ainda por cima, com uma ressaca que vai ser curada sòmente na próxima Desilusão. Achei “Grôsso”, êste Carnaval, porque senti as coisas sòmente no íntimo. Eu as sinto. E não falo. Cumpro com a obrigação, apenas em escrevendo o que foi, não o que é. Vamos ao Social, onde o prêço de uma mesa foi do tamanho do Clube. E o Clube não é pequeno! É o gigante Social, dizem. Entramos. Lá dentro, gente às pampas. A música é do Maestro Zico Campos. Trabalha bem, a sua companhia. Confetes e Serpentinas, as características de todo Carnaval, também ali estão. A alegria e o calor, são as presenças garantidas. No meio da sala inúmeras almas sádicas de não sei o que, estão agarradinhas umas às outras: Pensando talvez, em coisas que não pensariam, na vida cotidiana. Hoje é quarta feira de cinzas, e eu estou me sentindo muito desonesto comigo e com as coisas. Mas, por outro lado, sinto-me honesto, muito honesto em não falar as coisas íntimas que sinto. Ontem foi o último dia de Carnaval. Saí do Clube às quatro e meia da manhã, com a alma carregada e sem vontade de ir para casa. Andei por ai durante o resto da noite. Sózinho, e com o pêso de quatro noites sem dormir, senti também o silêncio daquilo que horas atráz era alegria e que despudoradamente chamamos de Carnaval. Carnaval… quantas vêzes já disse esta palavra em tão pouco tempo.

Sai um pouco do assunto. Parece que não conseguirei mesmo, realizar a reportagem que o José Maria queria. Ou não… talvez eu ainda consiga alguma coisa. Onde estávamos? Ah, sim, no Social.

Mando, ou melhor, peço (no carnaval ninguém é de ninguém) ao garçom, que me sirva qualquer coisa que me tire aquela vontade estúpida de reparar as coisas que me cercam. Começo a esquentar e entro na Bagunça. Não, estou sòzinho. As garotas, nesta época do tríduo, não topam ninguém com idèias diferentes. Mas, não demora muito e aparece a princesa encantada. Está linda que só vendo. Eu a encontrei no segundo dos quatro dias. Fizemos amizade, trocamos idéias e notamos que tinhamos juntos idéias mais tôlas que as de Jó. Brincamos, bebemos e suportamos juntos, a crise por que passam os jovens quando procuram fazer aquilo que não querem e deixam de fazer aquilo que querem. Olha, tudo acabou. O meu amigo José Maria que me perdoe mas não vai haver reportagem a respeito do carnaval. Perdoe-me se tudo que sinto são coisas íntimas. Hoje é quarta feira de Cinzas e eu estou cançado e revoltado. Revoltado comigo mesmo. E agora o que eu quero é cama. Talvez dormindo eu sonho. E sonhando eu a veja novamente. Ela que, além de não usar mini blusa e ter idéias iguais às minhas, fêz-me crer e sentir que, no Carnaval, ninguém é de ninguém.

* Fonte: Texto publicado com o título “Ninguém é de Ninguém” na edição de 16 de março de 1969 do Jornal dos Municípios, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Hostelroma.com.br.

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