Ah, se eu pudesse falar, divulgaria com satisfação os laicos prazeres, os murmúrios ilícitos, os gozos de muitos importantes da cidade e os sorrisos humildes daqueles que apenas me frequentaram, mas não podiam usufruir das lascivas amplitudes do sexo que grassava em minhas entranhas. Amparei lindas mulheres, fogosas, comprometidas em não se comprometerem com ninguém, nem com o capitão tal, mas apenas satisfazê-los em suas loucuras sensuais ausentes no lar. Não fui a rainha da Rua Padre Brito… veja só, esta rua que tão bem representou a Zona Boêmia¹ dos áureos tempos tem o nome de um padre²! Será que foi uma tentativa de descarregar o clima antigo do ambiente? Como estava dizendo, não fui a rainha da Padre Brito, mas tive a minha importância naqueles tempos em que frequentar a Zona era questão de honra para os donos da Cidade. E cada um tinha as suas preferências, desde as mais antigas, como Jovita Poteira, Carmelita, Piraí e Vicência, até aquelas que reinaram no apogeu, as tradicionais Brama, Eva, Joaninha, Maria Cachorra, Marietinha e a mais famosa delas, a Lé.
Ah, se eu pudesse falar das tantas jovens atacadas por doenças venéreas, como gonorreia, sífilis e cancro mole, que passavam adiante aos poderosos e sabe-se lá como eles resolviam o problema em casa. Saudade daquelas sonhadoras que aos 15 anos de idade imaginavam sempre que um dia tudo melhoraria, enquanto nos braços de um príncipe de brincadeirinha. A nossa vida é um ciclo intermitente de emoções. Estas vão, voltam, vão e um dia não voltam mais. Assim foi acontecendo com todas nós, as construções como eu, que serviam aos desejosos de emoções carnais. Um dia tudo acabou, e de repente me vi habitada por outro tipo de gente. Foram-se as emoções fortuitas, veio o cotidiano de pessoas que nada tem a ver com o outrora.
Hoje, olho em meu entorno e percebo que várias de minhas colegas foram ao chão, transformaram-se em entulhos, e sobre muitas já se instalaram novas edificações modernas. Tenho consciência do meu futuro, total consciência. Estou nos estertores da minha vida, vida de tantas alegrias e tristezas, só esperando o momento em que me transformem apenas numa lembrança. É assim mesmo, fazer o que, todas aquelas mulheres que me alegraram com suas falsas satisfações já se foram. Então, um dia chegará a minha vez, e quando eu me transformar em nada, ninguém poderá negar que, desde o primeiro tijolo assentado, passei a pertencer à História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: Leia “Prostituição”, “Zona Boêmia e a Casa do Lázaro Preto”.
* 2: Leia “Manoel de Brito Freire: O Segundo e Último Cura”.
* Texto e foto (27/08/2017): Eitel Teixeira Dannemann.