Há muitos anos ouvi alguém dizer que a vida se resume às memórias daquilo que se quer esquecer e do que não se quer lembrar. Pode parecer interessante para você, mas para mim é a mesmíssima coisa. Ora, se eu quero esquecer é porque não quero lembrar, não é assim mesmo? Mas o que eu quero esquecer ou não quero lembrar? Quem sabe o ter nascido pelas mãos de gente humilde na hoje Avenida Piauí entre as Ruas Vereador João Pacheco e Espírito Santo, pertinho da Rodoviária. Naquela época a então Lagoa dos Japoneses era uma pobreza geral, sem condições alguma de habitação. Por aqui as pessoas foram chegando e construindo casebres, um mais pobre que o outro, sem demarcação de espaços e até houve briga por um pedaço de chão. Quando chovia, era um lamaçal tremendo e as águas, que a cada ano eram mais fétidas, invadiam as casas. A situação só começou a melhorar quando em 1953 o Ilídio Caixeta de Melo loteou quase tudo por aqui¹. Se não me falha a memória, fui erguida neste período. Apesar da minha simplicidade, cheguei a ser uma das melhores casas. Por aí se dá para imaginar como eram humildes as pessoas daqueles idos tempos. Aí o tempo foi passando, veio a urbanização da lagoa e a construção da nova Rodoviária, quando diminuíram em dois terços a área alagadiça. A infraestrutura melhorou, mas foi ruim para os humildes, que aos poucos foram sendo empurrados para mais longe. Para ser sincera, nem sei como eu e outras ainda estamos de pé.
Atualmente meus dias começam com uma sensação esquisita, sei lá, parece um pressentimento de morte. Isso vem desde que derrubaram a minha vizinha aí do lado. Outras da minha espécie, inúmeras delas, também viraram pó. Então cai a ficha e eu percebo que, há muito tempo, não cuidam de mim. Olhe meu telhado, já estão faltando algumas telhas laterais. Olhe minha pele, meu muro baixo, estão carcomidos. O que acontecerá comigo? Porque estão a cochichar sobre o meu destino? Que utilidade haverá para a minha humilde existência saber sobre aquilo que me acontecerá se a angústia por não poder remediar o que me espera corrói as minhas pobres paredes? Sim, o desespero por sentir que sua vida está chegando ao fim nos coloca diante do nada, pois nada posso fazer para evitar o meu fim. Só há uma verdade em toda a minha tensão perante o inevitável, verdade que ninguém, por mais poderoso que seja, poderá negar: desde o primeiro tijolo assentado passei a fazer parte da História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: Leia “Loteamento Ilídio Caixeta de Melo”.
* Texto e foto (13/08/2017): Eitel Teixeira Dannemann.