Nos Tempos atuais é muito comum ver em programas televisivos ou em filmes, cenas em que aparecem pássaros em gaiolas a fim de denotar decadência moral ou socioeconômica.
Tempos atrás, pudemos observar pela TV Globo, algumas cenas em que um personagem alcoólatra e com sérios problemas familiares tinha como lazer a criação de canários. Várias delas foram mostradas com o personagem manuseando os pássaros de forma doentia, até que em um momento de derradeira redenção e arrependimento pelas atitudes errôneas no seu convívio social e com a família ele solta os pássaros, com lágrimas nos olhos, colocando-os, finalmente, na tão ansiada libertação de uma vida presa aos preconceitos e aos vícios. Acredito que as crianças que assistiram as cenas e criavam canários devem tê-los soltos na mesma hora ou até pior, devem ter cobrado de seus pais a soltura dos canários. Acredito que alguns pais criadores devem ter ficado envergonhados diante dos filhos que assistiram as cenas. Afinal, uma imagem vale mais que mil palavras, principalmente para alguém que ainda esta formando opinião.
Os canários, chamados popularmente de “belgas”, são considerados pelo IBAMA e por todas as organizações ornitológicas do mundo como aves domésticas. Quem, realmente, é observador da natureza, certamente já notou como os frangos e galinhas de “corte” são transportados com destino ao abatedouro e aqueles que já procuraram saber como estas aves são abatidas, certamente terão uma triste historia para contar. Sem querer fazer uma crítica destrutiva aos órgãos de proteção dos animais, acredito que deveriam priorizar este tipo de fiscalização, enquanto se preocupam em determinar quantos canários podemos transportar durante as exposições. Embora um erro não justifique outro, esta é só uma questão de prioridade.
Voltando ao assunto das cenas acima descritas, aqueles que criam canários sabem que após a soltura os mesmos devem ter sido recolhidos novamente às suas gaiolas de origem, logo depois de gravadas as cenas, pois somos sabedores que estas aves não sobrevivem soltas na natureza, porque são criadas em cativeiro há muitos séculos, desde antes da época dos grandes “descobrimentos” e sofreram mutações que inviabilizam sua sobrevivência na natureza, mesmo em habitat natural, que seriam as Ilhas Canárias. Para citar um termo de comparação de fácil compreensão, seria como soltar uma galinha de granja em uma mata e esperar que ela sobreviva comendo grama e insetos.
Que criar canários é ecologicamente correto eu nunca tive nenhuma dúvida, pois está de acordo com as legislações ambientais de qualquer parte do mundo, mas a questão moral me preocupou por algum tempo. Seria correto manter o pássaro em cativeiro por toda uma vida ou não deixar que nasça e, assim, evitar sua existência? Esta pergunta permaneceu em meus pensamentos até que um dia surgiu uma pomba silvestre fogo apagou que tentava confeccionar seu ninho em cima de meu serrote acomodado em um puxadinho da lavanderia de minha casa. Retirei o serrote, mas a danada pomba continuou procurando um novo local entre as vigas do telhado. Comovido com a persistência da ave, resolvi colocar uma caixinha pendurada para servir de apoio para o ninho. Logo que a pomba notou a caixinha tratou de aninhar. Passado algum tempo ela botou e chocou seus ovos e logo dois filhotes já estavam prontos para deixar o ninho. A família acostumou com a danada e ela conosco, ficou muito mansinha a ponto de quase deixar tocá-la com as mãos, mas qual foi nossa decepção ao notar que os filhotes pularam do ninho em uma manhã e, antes que nos apercebêssemos, o nosso cachorro tratou de comer os dois. A pombinha insistente cuidou de refazer o ninho e repetiu a dose criando mais dois filhotes que apesar da vigilância acabaram de novo na boca do cachorro. Diante desta situação, retirei a tal caixinha para que a ave procurasse um novo local fora do alcance do predador. Passados alguns dias observei que ela fez um ninho nos galhos de uma árvore do quintal e estava chocando novos ovos. Parecia que tudo tinha tomado um rumo mais favorável para a ave sem a minha interferência, mas logo observei o cachorro latindo bastante bravo embaixo da tal árvore e fui lá para ver o motivo do alvoroço, já preocupado que ele estivesse esperando uma chance para matar novamente os novos filhotes, mas aí aconteceu o pior, um gato achou o ninho e tratou de se servir antes mesmo dos filhotes voarem.
A natureza tem seus caminhos que muitas vezes nos parecem cruéis e difíceis de aceitar, mas assim é a vida e para tudo existe um motivo que muitas vezes vão além de nossa compreensão. Se um casal de aves soltas na natureza consegue criar mais do que dois filhotes durante as suas vidas, terá cumprido seu papel para preservar a espécie e são capazes de muitas tentativas até conseguir seu objetivo. Um casal de canários é capaz de criar dezenas de filhotes em cativeiro durante suas vidas, além de podermos fixar centenas de mutações como os opalinos, brancos, albinos, etc., que jamais conseguiriam sobreviver em ambiente natural, pois seriam alvos preferenciais dos predadores e, muitas vezes, também rejeitados pela própria espécie.
Este fato serviu para que eu entendesse que os seres humanos também são capazes de atitudes que ainda estão longe da perfeição, mas ainda necessárias à nossa sobrevivência. Apenas para estabelecer um paralelo, somos capazes de consumir ovos, refeições a base de carne das mais variadas formas e poucas são as vezes que paramos para pensar como foram obtidas. Os bois de confinamentos, porcos, coelhos, frangos, perus, patos, marrecos, gansos, galinhas e codornas, apenas para citar alguns dos mais comuns, são criados em grandes aglomerados ou em espaços exíguos, como é o caso das galinhas poedeiras. Embora todos nós sejamos sabedores desta realidade, tão presente no dia a dia, nunca ouvi ninguém mencionar estes fatos de forma piedosa como já vi e ouvi fazerem em relação aos canários. Não seria esta uma atitude demasiadamente hipócrita por parte de quem assim procede? Felizmente, nós criadores de canários, não temos que ver o fruto de nosso trabalho seguir para o abatedouro, ao contrário, temos a satisfação de vê-los sendo levados pelas pessoas apenas para apreciar seu lindo canto ou mesmo para apreciar suas lindas plumas em movimento no interior das gaiolas. Estas pessoas certamente vão dedicar parte de seu tempo para alimentá-los e observá-los, além do que alguns até acabarão se dedicando a criar novos exemplares. Temos que agradecer a Deus por permitir que estas lindas aves habitem entre nós, alegrando nossos dias e trazendo alento e companhia a muitas pessoas que sofrem, assim como nos é permitido manter outros animais de estimação como cães e gatos, que um dia também estiveram em estado selvagem e hoje são nossos companheiros. O que achariam os criadores de gatos, se alguma alma piedosa viesse exigir que soltasse o seu angorá na mata Atlântica, para disputar seu alimento com as jaguatiricas? Ou os criadores de cachorro, se alguém pedisse para soltar seu pastor alemão em meio aos lobos do Canadá, bem parecidos? Pois é! Assim sentem os criadores de canários quando um sábio “alguém” tem a brilhante ideia de soltar um dos seus norwich ou frisado parisiense na mata. Quem fala coisa assim nunca viu um destes canários.
Infelizmente, pessoas mal informadas resolveram transformar a criação de pássaros em cativeiro em algo imoral, transformando as aves em símbolo de liberdade por possuírem asas, procuram colocar os criadores na posição de vilões de forma indiscriminada, mas esquecem de mencionar as outras aves domésticas, que possuem asas igualmente e são amplamente criadas em cativeiro para servir de alimento ou para consumo de seus ovos muitas vezes em aglomerações que se comparadas as “voadeiras”, onde colocamos os filhotes de canários, deixam muito a desejar.
Crio canários desde a mais tenra infância, ganhei o primeiro canário de meu querido pai, era um belo branco, foi um dos dias mais felizes de minha vida e guardei na lembrança a beleza e o canto daquela ave até os dias de hoje. Uma criança que cuida de um canário aprende a valorizar a vida e a se dedicar ao trato do bichinho que, nós criadores sabemos, exige grandes cuidados. Isto certamente trará para esta criança bons sentimentos, será salutar e fará dela um adulto melhor, quem sabe assim, não estaremos contribuindo para diminuir a violência, tão latente nos dias atuais. Acho que uma criança que aprende a amar um pássaro não será um adulto violento, pois a ave irá lhe despertar um sentimento de ternura e amor à vida.
Sou ferrenho defensor da preservação da natureza, por isto, sou contra aprisionar pássaros nativos que estejam vivendo bem em seu habitat natural, mas sou favorável aos criadores que se dedicam a preservação dos pássaros em extinção, quando devidamente cadastrados e autorizados pelo IBAMA. Alguns pássaros, como curiós e bicudos, entre outros, certamente estariam na lista de aves em extinção se não tivessem sido criados em cativeiro por pessoas extremamente dedicadas. Eles certamente estavam preocupados em como conservar o canto nativo destas aves, na sua mais pura forma, enquanto alguns destes ditos defensores dos direitos dos animais estavam preocupados em escolher o melhor herbicida, fungicida, inseticida e outros para aumentar o rendimento de suas lavouras, sem se preocupar se estavam ou não envenenando estas aves que são granívoras, ou seja, se alimentam de grãos de capim, que acabam ingerindo após as pulverizações, exterminando às centenas ou até milhares de uma só vez. Qual passarinheiro ainda não presenciou com pesar os canários da terra coleiras, papa-capins, bigodinhos, azulões, bicudos, avinhados, etc., mortos na beira dos caminhos das fazendas, após as pulverizações?
O sabiá laranjeira é a ave símbolo nacional, um dos pássaros que se alimentam principalmente de frutas e procuram fazer seus ninhos nos laranjais ou próximos a plantações de mamão, banana ou outras árvores frutíferas. Sabe o que acontece quando as plantações são pulverizadas? Pulverizam também os filhotinhos, porque a primavera é a época de reprodução das aves, mas também a época em que os insetos se reproduzem mais intensamente, insetos que também são base da alimentação destas mesmas aves. Quem conhece uma plantação de laranja sabe bem a quantidade de “defensivos” utilizados para que a safra atinja os padrões comerciais exigidos pelo mercado. Atualmente é mais fácil encontrar sabiás nos parques públicos, como o Parque do Ibirapuera na cidade de São Paulo, do que nos campos onde estão as árvores frutíferas. Onde foram parar sabiás, arapongas e sanhaços, só para citar os mais conhecidos, que costumávamos ver nas goiabeiras, bananeiras, mangueiras e jabuticabeiras?
Eu sei que são poucos os que podem ter uma árvore frutífera em seu quintal nos dias de hoje, pois as populações aumentaram e os quintais foram diminuindo. Boa parte dos nossos filhos nunca viu uma destas aves solta na natureza. O que fazer diante desta situação? Esta sim é uma pergunta difícil de ser respondida. Parar de usar os tais defensivos nos dias atuais é pedir o impossível, mas por outro lado, sabemos que vários deles já tiveram sua utilização banida nos países mais desenvolvidos há décadas, mas continuam sendo utilizados em alguns países como o Brasil. Os países desenvolvidos fabricam, porém não utilizam seus próprios defensivos mais nocivos para a natureza. Recentemente foi divulgada informação nos telejornais de que os EUA se recusavam a continuar importando o suco de laranja brasileiro por conter resíduos de uma substância utilizada em um inseticida que é proibido naquele país. Porém, você sabe de onde é importado o tal defensivo? Pois é! Esta informação não foi divulgada, pelo menos pelos canais abertos, mas duvido muito que seja fabricado no Brasil. Esta é uma questão que realmente deve povoar os pensamentos de nossos jovens que terão que buscar esta solução. Para os orientadores que tentam mostrar aos seus discípulos que manter aves em cativeiro não é correto, mostrando um canarinho belga cantando na gaiola, aí vai uma dica para um bom debate. Quando não resistirem à tentação de mostrar uma ave aprisionada, mostrem algumas codornas, marrecos ou patos, e quando algum aluno argumentar que não são pássaros, procure mostrar que também são aves domésticas que se mantêm em viveiros para que não saiam a esmo em voos sem destino e acabem vítimas de gatos e cachorros, além da questão da posse e utilidade que certamente os bons orientadores saberão colocar de forma didática. E aproveitem o tempo vago para levar as questões acima abordadas para ocupar as suas mentes com preocupações de real relevância.
Amigos criadores de canários, não devemos deixar que pessoas que ignoram a realidade da ornitologia no Brasil venham a opinar sobre algo que não conhecem, usando argumentos chulos, alegando a privação de liberdade para denegrir a imagem das pessoas que realmente amam os pássaros. Acredito que devemos manifestar nosso repúdio através de notas emitidas pelas nossas associações ou pela própria Federação todas as vezes que surgirem imagens que queiram associar imoralidade ou decadência socioeconômica à criação de canários. Também podemos divulgar através de folhetos distribuídos durante as exposições, principalmente aos jovens, mostrando nossa visão sobre o assunto. Quem sabe assim poderemos evitar que a previsão de nosso amigo “Valtinho” se concretize, de que a criação de canários será extinta após o nosso desaparecimento, pela falta de adesão de novos e jovens criadores a esta atividade tão apaixonante.
Concluindo meu pensamento, criar canários é e sempre será moral e ecologicamente correto, além de contribuir muito para o bem estar das pessoas apaixonadas pelas aves. Lanço aqui um desafio para estes pretensos defensores dos direitos dos animais a me convencerem do contrário com argumentos sólidos e não da forma demagógica e pretensiosa com que vêm tentando incutir pensamentos errôneos sobre esta atividade tão edificante.
* Fonte: Texto de Reichling Junior (União de Canaricultores de São José do Rio Preto-SP – Sócio UCRP-HA 089) publicado com o título “Porque Criar Canários é Ecologicamente e Moralmente Correto” em Universodoscanarios.com (04/07/2013).
* Foto 1: Revistagloborural.globo.com.
* Foto 2: Catracalivre.com.br.