ZAMA MACIEL SE DEFENDE

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TEXTO: ZAMA MACIEL (1942)

A “Folha de Patos” publicou nos seus dois ultimos numeros, dois artigos¹ assinados por Paulo Ulhoa², viajante que por aqui andou e registrou impressões colhidas em nossa terra, registro este estampado nas colunas de um diario editado em importante cidade mineira.

Foi assim que me informou Martinho Ribeiro, o circunspecto gerente de nosso modesto jornal.

Grande numero de pessoas de minhas relações atribuiu-me a autoria dos citados comentarios, e atirou sobre os ombros de dois companheiros certas informações obtidas pelo jornalista etinerante. Saio em minha defesa, e ao fazê-lo citarei alguns exemplos do quanto andam enganados certos amigos, e do quanto andam irritados certos conhecidos.

Haja vista certa senhorita, na ultima reunião dansante do “Patos Social Clube”. Sobre vago tema de amor palestrava eu com a senhorita Luzia Alves quando as paredes ouviram e as paredes me contaram. Ouviram e viram uma dansarina dizer e apontar-me a um granfino, daqueles descritos por Paulo Ulhoa como frequentadores das cadeiras numeradas do circo, que “AQUILO lá não tem credenciais para criticar ninguem”. Evidentemente, a senhorita estava revoltada. Teria ela sido citada pelo jornalista, ou queria assim se insinuar como a Marlene de Patos?

Abordou-me um grupo de senhoritas, todas zangadas contra a maneira por que são admiradas pelos boiadeiros. Querem elas até protestar publicamente, bem que todas, no intimo, suspirem para serem avaliadas por alto preço. Estas moças não sabem que Jesus Cristo é chamado “Cordeiro” porque andou pelo mundo em um paiz de pastores de ovelhas. Busquem o significado do fato historico e compreenderão as expressões dos nossos boiadeiros.

Uma linda professora chamou-nos, a dois amigos meus e a mim, os três mosqueteiros. Ora, positivamente nem eles nem eu temos as caracteristicas dos famosos tipos do romance francês.

Não andamos á cata de aventuras romanescas, nem temos gestos dos herois de capa e espada. Se usamos, ás vezes, capas, nunca usamos espadas. A espada, no caso, seria a lingua e a pena, esta pena e esta lingua sempre prontas a dizer-lhe amabilidades partidas do coração.

Nestas frias noites de Agosto, á porta da matriz velha de cem anos, depois das novenas em honra á N. S. da Abadia, tenho ouvido, em meio ao borborinho, queixas e recriminações.

Na planicie, onde se agrupam as velhas, as solteironas e as roceiras, ninguem me falou, embora me tenham olhado desairosamente. Na montanha, onde se vê tanta cousa e onde tanta cousa se ouve, interpelaram-me, à miudo para atribuirem-me criticas á cousas e pessoas de nossa terra. E, em se tratando de montanhas e planicies, è curioso observar que só nas montanhas há os desfiladeiros e abismos. O ruído deles nunca chega aos pincaros batidos de sol e acariciados de vento. Morrem nas profundezas, e por isso impressionam mais ao espirito, tocam mais a nossa sensibilidade. E nos cumes que se fincam as cruzes para abençoar os vales. Na torre da matriz o madeiro simbólico, em prece muda, protege a redondesa. Atraz da montanha está o abismo escuro, donde não saem ruidos. Da intimidade das trevas brotam sons de calida ternura. Arrulho de casais em silencio criminoso e terno. Eu e meus amigos somos gratos àquela zona de esquecimento. Passaremos a frequenta-la em preito de gratidão.

Mas, em resumo, o meu objetivo é explicar o engano em que laboram os meus conterraneos. Todos deviam se lembrar da celebre frase de Buffon: O estilo é o homem. O professor Alceu já concordou comigo, embora o poeta, professor e homem de letras que é o meu amigo Aguinaldo Magalhães Alves a isso não quizesse aquiescer. Se for preciso continuarei a minha defesa.

* 1: Leia “Lições de um Circo em 1942” e “À Porta de um Hotel em 1942”.

* 2: Os dois textos publicados no jornal Folha de Patos não têm a assinatura de Paulo Ulhoa.

* Fonte: Texto publicado com o título “Em Minha Defesa” na edição de 16 de agosto de 1942 do jornal Folha de Patos, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, via Marialda Coury.

* Foto: Do livro Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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