Não me sai da memória o barulhinho salutar que vinha do riacho de águas cristalinas que corria no vale ao lado. Meus primeiros donos pescaram muitos peixes lá. Tudo aqui em volta era mata fechada com pequenas clareiras onde se criava gado. Minha pele era sedosa, não o que você está vendo. Minhas janelas e portas não rangiam, o pomar era produtivo, os porcos e galinhas corriam livres e soltos pelo gramado. Até que um dia me vi sozinha, sem ninguém dentro de mim. Fiquei bastante tempo isolada no ermo só acompanhando as novas construções chegando cada vez mais perto.

Assim o tempo foi passando e as transformações acontecendo. Canalizaram o córrego, asfaltaram a rua onde eu moro, a Vereador João Pacheco, asfaltaram a avenida do córrego, a Padre Almir Neves de Medeiros… e a cada dia estou sendo sufocada. Lembrança boa ultimamente só a vinda do João Orlando de Lima, que trabalha como guarda noturno e cria um gadinho aqui¹. Pelo menos tenho companhia, mas um dia ouvi ele dizer para um amigo: – Não vai demorar muito o terreno será engolido pela especulação imobiliária! E se o João disse isto é porque está sabendo de alguma coisa sobre o meu futuro.

Eis o meu enorme sofrimento, atroz, de quem desde nova foi simples, humilde e aconchegante: remoer a dor de saber que estou próxima do fim, prestes a encerrar o meu ciclo de vida. E quando eu for ninguém mais se lembrará de mim, a não ser as consciências que me habitaram. Mas, isso ninguém vai tirar de mim, desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. Este verso da música “Peso dos Anos”, de Walter Rosa e Candeia, fala por mim: Sinto que o peso dos anos me invade, vejo o tempo entregar à distância minha mocidade. Oportunamente partirei abandonando as coisas naturais, mas deixarei saudade. Com certeza, e assim vou para a eternidade!

* 1: Leia “Terreno no Bairro Santo Antônio” e “Praça Manoel Gonçalves de Lima”.

* Texto e foto (30/10/2016): Eitel Teixeira Dannemann.