Não, eu não estou afundando nas entranhas do solo. Pode até parecer, mas a verdade é que os meus construtores não tiveram paciência, ou sabe-se lá outra coisa, para nivelar adequadamente esse pedaço de barranco que vai dar lá no Córrego do Monjolo. Não era tanto assim quando surgi. O problema foi quando asfaltaram a rua¹. Aí, esquisito, parece que estou tentando me esconder. Outras de minhas semelhantes estão também assim. Gera curiosidade, muitos me olham com espanto, a maioria nem nota a minha presença. Não ligo à mínima para essa minha condição, além do que estou bem conservada pelas almas que me ocupam. O que me preocupa, na realidade, é a imensa transformação estrutural que está ocorrendo nesse pedaço de chão que já foi calmo demais. Sou do tempo das muretas, e não dessa grade, tempo em que a gurizada apertava a campainha e saia correndo, deixando o povo daqui muito irritado. Eu ria pra caramba com as caras deles. Uma vez o meu dono saiu correndo atrás de um deles e o pegou lá no antigo posto de gasolina do Sebastião Satiro². Após uma boa bronca, nunca mais passou por aqui. Bons tempos.
Hoje os tempos são outros, de transformação, mudanças exigidas pela resoluta e sedenta especulação imobiliária. Todas nós ficamos assustadas quando construíram esse baita prédio aí em frente³. A ansiedade tomou conta de nossas estruturas experimentadas pelo tempo. E de tempo em tempo, cai uma das nossas aqui e surge um prédio; cai outra acolá, e surge mais um prédio. Puro veneno para a alma e para o corpo a tal de ansiedade, que nos faz ficar prevendo o inesperado. Afinal, não há como fugir da sina: lá se vai o homem, lá se vai o imóvel. O fim da vida sempre chega de modo inesperado. Todo dia o sol vem e vai, e nunca sabemos como será o nosso amanhã. Vai daí então que nunca esperamos o nosso fim. O seu, que está lendo agora essas palavras, pode ser até agorinha mesmo, mas você jamais espera isso, não é mesmo? Quanto a mim, também jamais espero, mesmo convivendo com o progresso incessantemente me rodeando, progresso que será o responsável por me transformar num monte de entulhos. Ó entulhos, glória a vocês que já estão registrados nos anais da História de Patos de Minas. Sim, com muito orgulho, deixarei saudade!
* 1: Rua José de Santana quase em frente à Praça dos Boiadeiros (Abner Afonso).
* 2: Na esquina com a Rua Major Gote, onde hoje tem uma sorveteria. Leia “Rua Major Gote na Década de 1930” e “Antigo Posto de Abastecimento de Sebastião Satiro”.
* 3: Edifício Apollo, finalizado em 1988, construído pelos irmãos Edgardo e Eduardo Maia e o empreiteiro José Alves Filho.
* Texto e foto (26/07/2018): Eitel Teixeira Dannemann.