Antônio Dias Maciel, o Barão de Araguari, produzia vinho de qualidade apreciada em toda a região nos anos 1880¹. A atividade chegou aos ouvidos do Governo de Minas através do engenheiro Antônio Castilho, que pela região fez um trabalho de sondagem para a construção de uma estrada de ferro. Talvez antes da publicação de seus estudos, em 1891, com o título “Memória Sobre o Reconhecimento da Estrada de Ferro da Vila de Santo Antônio dos Patos ao Vale do Paracatu²”, a notícia tenha chegado à Capital. E nesta, ele não perdeu a oportunidade de enaltecer o produto patense.
Num ofício datado de 27 de fevereiro de 1888, o Executivo mineiro (Antônio Teixeira de Sousa Magalhães, o Barão de Camargos) solicitou informações à Câmara de Patos sobre a cultura de uva e produção de vinho. A Câmara se reuniu com o principal produtor (Antônio Dias Maciel) e outros menores para discutirem o assunto. Foi elaborado, então, um questionário para ser respondido por eles.
Numa carta de 02 de abril de 1888, Antônio Maciel respondeu à Câmara da seguinte maneira:
Ilmo. Snr. Presidente e mais vereadores desta câmara.
Em resposta ao pedido verbal que de ordem do Sr. presidente dessa câmara me foi feito acerca do cultivo da videira e fabrico do vinho em minha fazenda, tenho a informar o seguinte, na mesma ordem em que se acha feito o questionário:
1.º A única espécie de videira cultivada em minha propriedade é a americana – Izabel.
2.º O estado das videiras é excelente, apresentando extraordinária robustez, tendo o abaixo assinado feito duas colheitas anuais abundantes, uma em fins de dezembro e a outra em maio.
3.º A propriedade do abaixo assinado possui em plena produção 400 videiras, ocupando 35,5 acres de terrenos, e cerca da metade desta plantação, que pôde começar a produzir no próximo futuro ano.
4.º Nenhuma moléstia tem aparecido.
5.º A plantação é feita em terreno argiloso, algum tanto entremeado de pedregulhos e de muita fertilidade, pelo que não tem sido necessário o emprego de fertilizantes nos 15 anos de existência, da parte mais antiga do parreiral.
6.º A produção do vinho anualmente regula na média em cerca de seis mil litros, de força alcoólica média, conservando-se perfeitamente por espaço de tempo superior a 12 anos, adquirindo então qualidades que o tornam comparável aos vinhos finos europeus, pois perde o cheiro característico da uva americana e adquire um aroma fino e agradável.
7.º O processo empregado consiste em deixar fermentar o mosto da uva até que a fermentação se complete, adicionado-se nos vinhos que se quer tornar doces algum açúcar branco refinado, e naqueles a que se quer dar uma força alcoólica comparável a dos vinhos do Porto ou Madeira, adiciona-se 5% no máximo do álcool de 33 graus, Réaumur. Não se vende, porém, vinho senão depois de um ano de idade.
8.º O vinho é todo vendido na fábrica ou nesta Villa, à razão de 1$000 o litro de vinho de um ano, aumentando este preço até 1$500 o litro de vinho de quatro anos.
9.º Nenhuma marca tem adotado para o vinho de sua produção, sendo ele geralmente conhecido pelo nome de – Vinho da Cascata – do nome da fazenda em que é fabricado. Quase todo o vinho é consumido no município; recebendo, porém, a fábrica algumas encomendas dos municípios vizinhos, como Patrocínio, Bagagem, Araxá, Sacramento, Brejo-Alegre, Paracatu, Abaeté, Pitanguy, etc.
Antes de finalizar esta rápida exposição o abaixo assinado toma a liberdade de lembrar a essa câmara, que, si se empregassem operários hábeis no serviço da poda, essencial na cultura da vinha, e que não encontram no país, está convencido de que a produção pelo menos duplicaria. Seria, também de muita conveniência que a câmara solicitasse ao governo a remessa além das de uvas de castas finas, que não tivesse o estranho cheiro da Izabella, o que demora a perfeição do vinho, sendo necessário esperar-se três ou quatro anos para que se torne perfeitamente agradável. São estas as informações que me ocorreram dar.
Deus guarde V.S. – Antonio Dias Maciel – Patos, 2 de abril de 1888.
De posse dos questionários, a Câmara analisou as respostas e enviou um ofício ao Governo de Minas em 17 de abril de 1888, que dizia o seguinte:
Ilmo. E Exmo. Snr.
Em cumprimento ao ofício de 27 de fevereiro último, em que V. Excia. pede informações sobre a viticultura deste município, remetemos s V. Excia. cópias das que foram a esta Câmara apresentadas por dois dos maiores plantadores, aqui existentes. Além destes há mais dois plantadores em escala quase igual e muitos outros têm plantações menores, podendo dizer que, nesta vila e arredores, quase não há casas em que não se vejam parreiras.
As plantas crescem imensamente e, não obstante ser a poda mal feita, sem conhecimento nenhum, não obstante ainda a falta de trato próprio das plantas, elas dão em abundância extraordinária.
Infelizmente, porém, não há variedade de castas, que é indispensável à fatura do bom vinho. E ainda mais usa-se quase exclusivamente da “Isabella”, que não amadurece bem e cujo cheiro de percevejo ou a raposa torna o vinho, quando novo, bem desagradável.
Assim, pois, já não falando quanto a operários mestres para a poda e bom trato, a remessa de mudas de boa casta, bem variadas, traria grande melhoramento a esta cultura, que muito promete. Esse benefício espera esta Câmara da reconhecida solicitude de V. Excia pelos interesses da província e bem assim do patriotismo do Excelentíssimo Ministro da Agricultura, que, em boa hora, se lembrou desse importantíssimo ramo da riqueza nacional.
O presidente, Dr. Antônio Zacharias Álvares da Silva – Eduardo Ferreira de Noronha – Sesostres Dias Maciel – José Soares Rodrigues.
O tempo passou e não há documentos que confirmem a remessa ou não por parte do Governo de novas espécies de videiras. Tudo leva a crer que não, pois a Lei n.º 42, de 14 de fevereiro de 1900, autoriza o presidente da Câmara e chefe do Executivo (Jerônimo Dias Maciel, irmão de Antônio) a despender a quantia necessária para introdução de sementes de trigo e “bacilos de videiras modernas” no Município.
Pouco se sabe sobre a viticultura de Patos de Minas após a evidência dos episódios citados. Somos obrigados a aceitar a ideia de que depois destes pioneiros, aos poucos a cultura foi sendo deixada de lado até não mais existir.
* 1: Leia o texto “Vinho da Fazenda Cascata”.
* 2: Leia o texto “A Questão da Estrada de Ferro”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Fonte: Domínio de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.
* Foto 1: Antônio Dias Maciel, do arquivo de Newton Ferreira da Silva Maciel.
* Foto 2 (Fernando K. Dannemann Neto): Duas garrafas e o rótulo de uma delas do vinho produzido por Antônio Dias Maciel em 1881, de propriedade de Newton Ferreira da Silva Maciel.