Historiadores de Patos de Minas escreveram: “Os primeiros habitantes negros da região eram de várias raças africanas… Mas eles, propriamente, não exerceram nenhuma influência na formação do povoado”. Esta informação é uma tremenda inverdade. Os negros contribuíram e muito para a origem da cidade. Herdamos deles uma forte influência cultural usada e absorvida por todos nós como se fosse “nativa”, tão grande e forte está presente no nosso dia a dia. Os negros trabalharam muito sob as ordens de famílias ilustres, mas, infelizmente, a História oficial faz questão de “esconder” o legado.
Famílias como Maciel, Caixeta, Borges, Santana, Queiroz, Corrêa, Araújo e Pacheco sempre estiveram à frente do processo de desenvolvimento da cidade. Aos negros, nada coube como destaque oficial nesse desenvolvimento. Entretanto, nos documentos está registrado o longo processo que era libertar, diferentemente, do processo de vender, além da discriminação implícita, como grafia errada dos nomes de escravos, a forma grosseira com que eram descritos nos documentos, a diferenciação de valores pagos na compra em relação ao porte físico. A partir da Carta de Sesmaria concedida em 1770 pelo conde Valadares a Afonso Manoel Pereira, os negros perderam o domínio das terras que ocupavam. Daquela época até a atual, é perceptível na História de Patos de Minas o descaso para a raça negra, não diferentemente da história geral do Brasil. Isto porque os “escassos” escritos estão, na sua maioria, voltados para a glorificação dos brancos em detrimento aos negros. Tal escassez se deve à provável destruição de documentos no sentido de querer excluir o negro da história.
As escrituras de compra ou venda de escravos refletem o poder econômico dos fazendeiros da segunda metade do século 20, que comercializavam os negros constantemente com algumas variações de preços, isto é, não havia fixação geral dos valores em moeda (variando de 10$000 a 1:650$000). Os compradores vinham de várias localidades de Minas Gerais e até de outros Estados. Em alguns casos o tabelião era chamado na propriedade do comprador ou do vendedor, para que se fizesse a escritura, ao invés destes irem ao cartório. Isso pode ser observado na escritura de venda dos escravos de nomes Luiz e Maria em 1878, onde o tabelião foi até a Fazenda de São Luiz, de propriedade de Carlos Antônio da Silveira, na condição de comprador, para que se fizesse a escritura. Cabe a hipótese de que somente os fazendeiros mais abastados economicamente e poderosos politicamente possuíam tal direito.
Característica marcante é que os escravos eram citados somente pelo primeiro nome. Isso demonstra a inexistência de um sobrenome, enquanto os compradores, os vendedores, as testemunhas e o tabelião, eram dotados de uma raiz familiar, afazeres sociais ou poder econômico.
Havia diferentes formas de negociação, como por exemplo a “escritura retro”: depois de determinado período, poderia desfazer-se o negócio. As compras em prestações, hoje tão comuns, já existiam naquela época. Como exemplo, registra-se a escritura de compra do escravo de nome Eduardo, de seis anos de idade, em 1872. Este foi comprado por 500 mil réis, sendo que o comprador pagou a metade à vista e a outra metade com um ano de prazo. A mulher também negociava. Como exemplo, têm-se a escritura de venda da escrava de nome Rita, em 1872, em que a compradora era uma fazendeira chamada Claudina Maria de Jesus, do distrito de Santa Rita (hoje Presidente Olegário).
Havia muita violência, onde o negro era capaz de reagir contra seus donos perante atos abusivos, exigindo o mínimo de respeito e expressando sua insatisfação, não conformismo e vontade de ser livre. Isso fica claro quando Eduardo Pereira Caixeta “brincava” jogando foices com os escravos, e acaba sendo morto por um escravo com um golpe de foice no pescoço.
A capacidade de negociação do escravo pode ser observada na Autoação de ofício de Carta de Liberdade passada por Firmino Pinto Cardozo à escrava Belizaria em 1884. Esta escrava consegue sua liberdade com esta carta, enviada por seu ex-dono, depois de conseguir a anulação de sua escritura de venda realizada em 1879, de Firmino Pinto Cardozo para Theophilo Moreira de Souza, uma vez que esta não foi realizada por pessoa competente. No que se refere ao processo de Autoação, que levaria a sua liberdade, houve demora das autoridades quanto à indicação de um curador para defesa da escrava (o processo esteve parado por um ano), diferente das transações de compra e venda realizadas, que objetivavam favorecer os proprietários.
Outra questão pertinente é a possibilidade desses escravos em falsificar cartas de liberdade de falecidos e ex-donos de escravos. Como percebemos em uma Autoação de uma Carta de Liberdade passada por Rufina Magdalena Roza de Jesus ao escravo Basílio. A vontade do negro em ser livre estava expressa, não só em fugas ou com o uso de violência contra seus donos, mas também, na sua capacidade de poder negociar, usar o seu intelecto, e até usar de modos ilegais para obtenção de sua liberdade.
Nas propriedades dos fazendeiros, os escravos poderiam trabalhar em diversas funções como roceiros, cozinheiros e até em cargos que exigiam mais confiança (como carregar todo o dinheiro para os negócios durante as viagens). Assim, evidencia-se o papel do negro como sujeito atuante na História da formação da cidade de Patos de Minas, uma versão diferente da ideia inicial, que é passada à sociedade pela História oficial, quando se fala da escravidão na Vila de Santo Antônio dos Patos. Ou melhor, que não se fala sobre a escravidão.
* Fonte: Os Últimos Anos de Escravidão na Vila de Santo Antônio Dos Patos, monografia (2004) de Rogério dos Santos Luiz, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Arquivo.geledes.org.br, meramente ilustrativa.