Eram muito mais simples do que eu as duas casinhas que sem misericórdia alguma foram postas ao chão para que a modernidade erguesse esse edifício ao lado¹. Acompanhei tudinho, desde a poeira da destruição, passando pela colocação dos tapumes, as primeiras paredes levantadas até a ocupação dos primeiros moradores. O lá de trás eu não […]
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DEIXAREI SAUDADE − 165
Não tenho como demonstrar, a quem quer que seja, a minha consternação por estar presenciando a demolição da minha semelhante aí ao lado¹. Por quê? Ora, onde já se viu um imóvel, seja lá que tipo for, transparecer as suas emoções ao ponto dos humanos perceberem? Isso é coisa nossa, só nós sofremos com isso, […]
DEIXAREI SAUDADE − 166
Quantos acontecimentos eu presenciei nesse meu entorno¹! Tempo em que essa rua era um poeirão danado e um barro atolador, de acordo com a estação meteorológica. Ó Santa Ifigênia! Ó Santo Expedito! Dizem que esses dois santos são benéficos aos imóveis. Ó Santa Viviane! Santa Viviane? Pois é, escutei certo dia que ela era protetora […]
DEIXAREI SAUDADE − 167
Petecou tudo aqui pro meu lado, o trem já caminhou para a minha incompreensão. Aqui estou eu na minha simplicidade nesse torrão¹. Sei lá o que está acontecendo. Antes, o portão da garagem era à minha direita. Aí passaram o portão da garagem para minha esquerda e lá no antigo tempo fizeram esses dois portões […]
DEIXAREI SAUDADE − 168
Abandonada por você, tenho tentado te esquecer, no fim da tarde uma paixão, no fim da noite uma ilusão, no fim de tudo, a solidão. Quantas vezes ouvi essas palavras de uma música que meus ocupantes adoravam¹. Naqueles momentos não atinava sobre o meu futuro, e com minhas paredes ligadas naquele som eu apenas apreciava […]
DEIXAREI SAUDADE − 169
Por que esse portão aberto? Quem hoje é meu dono quer o que com isso? Por um acaso está querendo mostrar a todos os passantes por aqui a minha degradação¹? Tem dó, Deiró, não mereço isso. Sou dos áureos tempos em que apreciava à minha frente aquela marcenaria². Sou dos áureos tempos em que apreciava […]
DEIXAREI SAUDADE − 170
Se tem uma coisa que eu não sei é porque deram a essa rua o nome de Formiga¹. Dá até pra imaginar que por causa do mundaréu de quintais que existia por aqui tinha muita formiga e assim resolveram dar o nome de Formiga à rua. Pensando bem, nada disso, pois o que mais tinha […]
DEIXAREI SAUDADE − 171
Eu estava aqui quietinha no meu canto¹, ao dissabor de minhas agruras, agruras essas que, sinceramente, nunca interessaram a ninguém. Quietinha sempre fui, escorada na estrutura singela na qual surgi. Assim surgi, assim o tempo passou e desde o meu surgimento, sempre fui singela. Singeleza essa que o fulano aí que me fotografou não conheceu. […]
DEIXAREI SAUDADE − 172
Que peteco virou a minha vida. Quando fui construída aqui¹ só tinha eu e o grande quintal, como todas as minhas semelhantes daqueles áureos tempos: nós e um quintal, e este quando grande, como no meu caso, quase sempre com jabuticabeiras e mangueiras. Meu construtor era apaixonado pelo Mamoré, por isso ouvi demais da conta […]
DEIXAREI SAUDADE − 173
Será que estou viajando na maionese? Já ouvi essa expressão por aqui¹ nos meus vários cômodos: viajando na maionese. Pelo que minhas paredes, janelas, portas, telhado e lá vai fumaça entenderam, esse tal de viajando na maionese quer dizer que determinada pessoa está fora da realidade. É, será que, mesmo sendo um imóvel, estou mesmo […]
DEIXAREI SAUDADE − 174
Se existe milagre, não sei, mas deve existir, só pode, quem sabe por eu estar aqui ao lado da Igreja do Rosário¹. Mas que milagre é esse? Gente do céu, alói, fui erguida lá pras bandas de década de 1920 ou sei lá se lá vai fumaça antes disso. Não me recordo de jeito algum, […]
DEIXAREI SAUDADE − 175
Nunca me preocupei em saber o nome dessa rua¹. O que importa para um imóvel saber a rua onde foi construído? Absolutamente nada, importa sim aos construtores que nos erguem para que nos transformemos em seus aconchegos. São eles, nossos construtores, que, depois de nós erguidos, usufruem de nossas estruturas. Dane-se o resto. Está me […]