ZERO E ZERO É ZERO COM TRÊS, TRÊS COM MAIS TRÊS TRINTA E TRÊS

Postado por e arquivado em ARTES, LITERATURA, WANDER PORTO.

Jóarês e Zero, são um. Inciso pertinaz dos escaninhos escusos da noite, praticante messiânico e fervoroso de seus códigos e ritos, sobretudo quando se embrenha na liturgia das madrugadas e suas missas espúrias, suas homilias obscenas, suas eucaristias heréticas com o pão profano que o Cão sovou e o vinho barato que a Agonia levedou no tonel dos desvalidos e outros sinônimos equivalentes: Proxenetas, prostitutas, traficantes, bandidas, mendigos, rufiões, muito-vivos, pouco-mortos e semi-vivos. E os cadáveres da decoração ambiente. Uma biota.

Zero sempre foi zero na sua mal enjambrada existência onde a maioria dos seus pares é de 3 vírgula alguma coisa, nunca além do quatro. Sendo o máximo dez, cinco a média, esses de menos parecem extraterrestres, tão distantes e vagos quanto Deuses dos Homens. Essas discrepâncias permeiam geral a Vila Revelia, Zona Oeste, mas, de normal alienados, vão levando que assim mal dividido esse mundo anda errado já que a Terra é do homem não é de Deus nem do Diabo. Sonhadores, idealistas, políticos e demiurgos já passaram por ali. Inúteis: Do pó ergueram tijolos, choveu, tudo se lamefez; veio o sol, voltou o pó. É sagrado, está lavrado em livro, tudo torna ao pó: – Vê aquele homem com camiseta da DJÍSÂS SEIVE, aquele cara duns 60, 65 anos? Pois bem, tem 30. É padre, veio na Pastoral do Crack, hoje ouve Deus todo dia pela trombeta do seu cachimbo de chamas, sacou?

Zero só foi Jóarês uma vez, há uns bons trinta anos. Contrariando todas as estatísticas sobreviveu ao lixo, atropelando todas as impossibilidades escapou da desinteria, mereceu registro: Jóarês Borges de Jesus, no cartório por breves minutos. Vó Deolinda, diolina, casca oxidada de tempo e pancada, miolo de aço e pedra, esteada em ossos trincados e nas muletas de pirraça e sonhos dos pioneiros daquelas bandas, foi a declarante. Jóarês com ó de Jó da Bíblia e chapeuzinho no ê igual Dêus que é pai, Borges da mãe que é Divina Borges, a Divina Belas Coxas, completa aí com um de Jesus que é pra servir de santo de guia na crônica do destino, ordenou ao escriba. Memorial: desde quando catarrento repetitivo e diarréico recorrente, ainda em estado de mamadura nos peitos gloriosos da Belas-Coxas, uma bela duma estrela negra, tinta, retinta, azulazada de azul de azulão ensolarado em beira de brejo, e, às vezes, branca de susto e babona de medo, não de homem que homem paga e a paga apaga o medo, mas medo de doença. Doença de rua que é paga de pecado, Castigo Divino.  Doença como a que pegou Coalhada, apodo azedo de Luzélia Prada, uma branquenta risonha e dada, aliás, assaz magnânima, que fazia ponto na porta do Cine Pulga, lépida pardoca, alentada companhia de simpatias e como simpatia é timidez mamada, dizia ela, os simpáticos quase sempre têm uma ampola de cana pra zuretar os sentidos e um salaminho no azeite pra recompor as proteínas e os carboidratos do tórax danificado depois dos folguedos e uma palavra besuntada de calhordice e esperteza para angalobar libélulas de asas partidas ou queimadas na incandescência das labaredas etílicas, além, claro, de uma fecunda granja de purulentos gonococos para distribuir matrizes reprodutoras entre as doidivanas que lhes caem na rede. E ainda lucram: Como os cáftens da Viúva abiscoitam PpdoTdaH1N1, os rufiões sempre auferem uma PpdoBesetasil da gonorréia na botica do Elício Boi e uns dinares das garrafadas de Mãe Gesú das Ervas. Coalhada, tadinha, secou na tísica que era osso só, comendo papa de fubá, descomendo sangue preto, catingando picumã de cigarro.

Belas-Coxas era, com o tempo deve andar tropeçando nas unhas dos pés, uma que parava Cordões, do Porre Encantado, do Levanta Mulata, do Sapeca Neguinho, só com um passe de breque ou um sacolejo de coxas com a ré empinada num cadenciado jeitoso, num requebreio de luxo, ora na porta da frente ora no quartim dos fundos do botequim do Maluf. Libanês finório que, além de não cobrar os vários 10 minutos por dia de safadeza-ganha-pão, vez em quando ainda lhe escorregava algumas arruelas de tostão a título de couvert artístico para que ela ficasse gangorreando as ancas numa mesa quando o samba ia chegando à praça. Tiro e queda, o bando parava e as bebidas enxurravam por goelas ávidas enquanto o cotoco de lápis do Turco Maluf, em malabares alfa-numéricos de um Turquês que ninguém entendia, contabilizava os bebidas+a dia+a mês+a ano e as pastels numa conta só, em trapos de papel de pão seboso que, finda a operação de PG, volatilizavam-se com o murmúrio agradável do numerário chovendo na gaveta do balcão e na burra secreta da sua alma usurária. Maluf ria suas bochechas na fuça dos borrachos e nessas horas sentia os olhos de Allah e a força de 14 séculos de Ramadã o contemplando. Meca que o aguarde! Impossível conferir ou reclamar, até mesmo porque depois da segunda ou terceira ninguém queria saber de contas e, claro, o butiqueiro contava com isso afinal, já dizia um sábio de priscas eras, águas moinhas não movem passados, certo?

Zero era filho do carnaval, mais propriamente, filho de carnavais, assim no plural que a festa é vasta e a noite é vária: os foliões que além da máscara na cara trazem no sangue um coquetel de amnésia com vermute são muitos e o tempo, esse apressado vírus do ostracismo e das rugas malsãs, já lavou e levou carradas de rotos dias e sujas horas por sob a pinguela periclitante da decadência, e, como é do conhecimento nacional, toda decadência é alcoólatra, inclusive as abstêmias. Na verdade isso nem vem muito ao caso, o que interessa nesse papo de aranha é o Zero. Assim: na comemoração dos seus quatro meses de vida, o miúdo aliviou a fome bebendo o choro, pois a mãe, a Belas-Coxas, zambeta prá Quincas Berro d’Água nenhum botar defeito, chegou em casa no piloto automático anunciando uma nova e volumosa barrigada e, depois do contumaz arranca-rabo da Dona Diolina, caiu no jirau feito uma trouxa de roupa suja, carne suja. Gargalhou e apagou. Nem viu, aliás, nunca viu, no canto da cama junto à parede, um tatu-bola encolhidinho de costas para o bafo de arroto e para o corpo melecado que, inconfundível pelo freqüente, cheirava a buceta usada e ranço de cadeia. O pequeno Jóarês de olhos estatelados na escuridão abstraia seu espírito desamparado navegando pelo limbo portátil das infâncias, naufragando num código confuso entre o asco e o terror, entre a diarréia e o vômito, entre a mãe entupida de escombros e a puta porca, parida e prenha.

Mas milagres existem e os homens os comercializam. Um dia o inusitado bateu no seu barraco: Zero alcançado pela redenção, sairia da miséria congênito-crônica pela porta da caridade bandida, assim: Com papéis da Pastoral, Aval da Associação de bairro, cálculos da contadora Erenice, Carimbos do Despachante Dirceu, Rubrica do Dep. João Paulo, Publicação no Diário Oficial do Gabinete do Senador Efraim, e ponto. O acordo foi da ordem dos 80/20, mais a garantia de eterna e impune felicidade compra e paga a vista. Cash. Tão quimérico acordo efetivado por argumento tão poderoso e singelo fez Platão e Aristóteles se beliscaram aos gritinhos de ódiozinhos, por tola inabilidade, não cogitarem de tão delicado estratagema nos seus diálogos entre a Virtude e a Ética, nos saraus da Academia. Simples assim: Zero 20 Outros 80%. A parte do leão para Zero, Vinte por cento inteirinhos, aos Outros caberia a divisão dos sobejos 80%. Veja Você, meu caro amigo Zero, essa divisão além de deficitária dá trabalho, cai numa dízima periódica que é o inferno em vida. Seus vintinhos são redondinhos, contadinhos, polpudinhos, barrigudinhos, uma maravilha! Entre emanações nebulosas Zero consultou vagamente suas possibilidades: 20% de zero é zero, Zero mais 20%, são 20%. Achou razoável: Foi aposentado compulsoriamente por Invalidez Espirituosa. Andava por demais embebido em Espirituosas Divindades dos Álcoois Nacionais. Deo gratias.

Eram 14h34min de uma tarde 32º Celsius e apenas um ventinho leve aparava o calor. Sobranceiro, documentos na mão, Cartão Magnético de Saque, Cartão de Identidade Previdenciária, RG, CPF, mais o inflado amor-próprio peculiar aos promovidos a povo, a cidadãos de 1ª Classe. Filho dileto de um país que cuida dos seus, Zero se mirou no espelho: banho tomado, sabão de cheiro, bicarbonato com limão nos sovacos, fatiota neoliberal, assim composta: Calças Keynes, Paletó Adam Smith, camisa Yuppie, gravata Nahas, Cueca Dantas, cada uma de per si tentando seu holofote antes dos 30 anos, selvagem competição, na contramão do Zero, cerzidas aqui e acolá por Deolinda; com um garfo de mesa deram um trato na gaforina black is beautiful; chinelão marrom de dedo marrom; um tremor exclusivo dos abstêmios de um dia e, de capital importância para a hora única na vida de uma vida prestes a se tornar uma vida de bem: o brilho de confiança no olhar, a certeza do porvir, patriota, teu país o ama, teu presidente é teu igual, viva os aleijões, alma e dedo são a mesma coisa! Assim, trajando o plenipotenciário desejo de ser, raiada no horizonte a certeza do É Hoje, o arrebol do novo mundo! Lá foi o Jóarês Borges, vulgo Zero, filho de Carnaval com Belas-Coxas, tomar posse do seu primeiro e legítimo Zero à Direita!

0.14,012, 659, Exatos zero minuto, catorze segundos, 12 centésimos e seiscentos e cinqüenta e nove milésimos, assim, com precisão Fórmula Um, durou a triunfo de um campeão da Cidadania num governo populista. No triz em que o Vigilante Armado Cruz, 1,68 cm, pardo, 8ª série incompleta, viu Zero a um metro da porta de vidro giratória, pensou, atentem, pensou aterrorizado diante da possibilidade de confronto: – Tá armado!- um Quinzão malocado no pixaim de drogado, na grife de favela, na tarja preta de mulato-bandido, no estigma de pobre. Aquele arrastado da perna direita é uma 12 enfiada na calça. Seguindo o manual entrou em posição de estabanado ataque. Um gambá cheira o outro, seu bandidômetro apitando no vermelho. Quando Zero entrou no detector de metais o Vigilante já estava com o Três-Oitão engatilhado: Entrou, girou, travou, apitou Poom! Pregou fogo, mandou bala sem pensar. Atentem para a minúcia, sem pensar, meteu chumbo na caveira do pacato cidadão Jóarês Borges, vulgo Zero que levava um sonho escondidinho na carapinha Black is Beautiful cheirando a sabonete Life Boy. A perna da suposta 12 arrastava uma imensa e infinita Erisipela que lhe devorava as carnes com voraz competência: orgulho da família dos Streptococcus.

Tanto foi de sangue e pavor na cena que o piso ficou um chão de matadouro. A vítima só não foi socorrida ao HPS porque o cadáver, enfático, recusou ajuda. O Delegado adentrou o recinto e:- Cheguei! Como o burburinho continuou ele burburinhou também e logo logrou êxito na oitiva do suspeito que por estar no cumprimento do dever foi logo liberado. Um Cabo de policia ao sair do banco fez um gesto de positivo operante para as câmaras de TV, César anistiando o leão e com o tédio da praxe repetiu o positivo operante, sorriu e tascou um sonoro:- Tudo bem! O quê? Como? Tudo bem o quê? O populacho atrás do Cabo acena adeusinhos, pede emprego, mostra faixas de filma eu, e cartazes de vendo-me. Zero coberto de jornais do dia levitou, por obra e graça de mãos estranhas, do chão frio, de onde muito a contragosto inspirou Nelson Rodrigues a escrever seu sucesso teatral Beijo no Asfalto com Tony Ramos no papel de asfalto e o Zé Maier no papel de Zé Maier que protagonizou o beijo, desculpem, repito, do chão frio ao rabecão do IML, onde cumpriu os trâmites legais numa geladeira barulhenta pra caralho e depois de 97 dias, já picolé de Deus, como ninguém reclamou o corpo, precisaram do espaço: foi vendido no peso para uma faculdade de medicina.  Daí, bom, daí sofismaram o mísero: Virou estatística, Zero Virgula qualquer coisa de um montão de qualquer coisa.

A pergunta muda tem resposta em sirene: O Detector de metais disparou por causa de um medalhão hippie Paz e Amor que Totonho Thatisthequestion, Filósofo Self-Service de Vila Revelia, emprestou ao Zero para lhe trazer sorte e equilibrar as convivências.

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