A grande e recente domesticação do gato trouxe consequências comportamentais significativas para a espécie, pois atualmente a maioria desses animais é mantida em espaços restritos, como casas fechadas e apartamentos. Além disso, muito do seu comportamento natural é coibido pelos proprietários, como subir em móveis, afiar as unhas, demarcar território, etc., o que os torna pouco ativos. Associado a estes fatores, a alimentação inadequada predispõe esses animais ao desenvolvimento de sobrepeso, e até mesmo à obesidade.
Anteriormente considerada apenas como um problema estético, essa enfermidade tornou-se a maior preocupação nutricional da atualidade em animais de companhia, pois está associada à redução da expectativa de vida, alterações ortopédicas e metabólicas, como o diabetes mellitus. Estima-se que 15 a 35% da população felina domiciliada ocidental apresenta sobrepeso ou obesidade. Esse quadro tem como principais causas a falta de conhecimento do proprietário quanto à quantidade de alimento a ser fornecida diariamente e quanto à avaliação da condição corporal do animal, pois muitos consideram o felino com sobrepeso ou obeso um animal bonito e saudável.
A obesidade felina é caracterizada pelo aumento igual ou superior a 20% do peso corporal ideal do animal. É causada por um desequilíbrio energético, no qual o gato consome mais energia do que gasta, podendo ser ocasionada por excessiva ingestão de calorias, redução do gasto calórico, ou ambos, associados a fatores de predisposição genética, gênero, distúrbios hormonais e alterações fisiológicas advindas da castração, que pode levar ao desenvolvimento de várias enfermidades secundárias como doenças orais, do trato urinário inferior, da pele, do fígado, diabetes mellitus, tumores e claudicações.
A resistência à insulina e o desenvolvimento do diabetes mellitus pelo advento da obesidade é uma das principais alterações metabólicas observadas, e também é a mais estudada, pois ocorre de forma muito similar ao que é observado em seres humanos. Esse fato tornou o gato um modelo experimental de diabetes mellitus de extremo interesse para a comunidade científica, porém muito ainda deve ser elucidado, pois nem tudo que ocorre no organismo felino pode ser extrapolado para humanos.
O excesso de peso sobre o sistema locomotor dos felinos pode causar problemas de locomoção traumáticos ou degenerativos que causam dor e claudicação. Nestes casos, normalmente o gato torna-se mais quieto e mais agressivo. Além disso a obesidade pode levar ao surgimento de úlceras de pressão e incapacidade de realizar a higiene por lambedura, que é um comportamento natural da espécie. A obesidade felina também está associada ao aumento da pressão arterial, remodelamento cardíaco, caracterizado pelo aumento da espessura de parede no ventrículo direito e do septo interventricular, maior quantidade de gordura envolvendo o coração, arritmias ventriculares complexas como taquicardia e menores índices de ventilação durante um procedimento anestésico. Esses achados sugerem que a obesidade nesta espécie exerce influência negativa sobre parâmetros cardiorrespiratórios proporcionalmente ao ganho de peso do animal, resultando em maior risco anestésico e animais menos ativos, colaborando para perpetuação do quadro.
A falta de conhecimento do proprietário acerca do comportamento social do gato é um fator importante de predisposição à obesidade. Diferente dos cães, os gatos não apresentam necessidade de socialização no momento das refeições, portanto, naturalmente, esses animais não apresentam o comportamento de “implorar” por alimento. Contudo, vocalizações, contato visual e físico, que são parte do comportamento social de felinos, fazem com que o proprietário pense que o animal está pedindo comida e quando o alimento é fornecido surge uma associação positiva e assim cria-se um círculo vicioso. Os fatores de risco associados ao surgimento de sobrepeso e obesidade felina estão ligados principalmente à falta de percepção do proprietário quanto a verdadeira condição corporal do animal, considerando-o normal quando esse apresenta-se com sobrepeso. Além disso, animais castrados de ambos os sexos e adultos entre dois e nove anos de idade mostraram-se mais propensos ao surgimento das condições mencionadas, assim como felinos alimentados com rações com densidade energética acima de 30%. Gatos não castrados, alimentados com dietas ricas em gorduras, são propensos a um ganho de peso e acúmulo de gordura corporal mais expressivo do que animais alimentados com dietas ricas em carboidratos. E à medida que os felinos apresentam aumento de peso, tendem a reduzir a quantidade de alimento ingerida, sugerindo a existência de um controle da ingestão e armazenamento de energia, contudo sem eficiência, pois normalmente o quadro de sobrepeso não é revertido. Alguns distúrbios endócrinos podem estar relacionados ao surgimento da obesidade, porém essas alterações correspondem a uma parcela mínima, aproximadamente 5% dos casos. Outros fatores importantes para o desenvolvimento da obesidade é a redução de atividades físicas com o avançar da idade, associada à criação de gatos em ambientes fechados e com pouco trabalho em ambientação, juntamente a dietas com densidade energética elevada.
O aumento de 20% ou mais do peso corporal ideal é caracterizado pelo acúmulo de gordura no tecido adiposo, causando mudanças na composição da massa corporal do gato. A obesidade promove alterações nos níveis dessas substâncias alterando o metabolismo glicídico, energético, além de estimular a doença inflamatória crônica e generalizada, promovendo um quadro chamado de síndrome metabólica, em que muitas enfermidades secundárias se desenvolvem em decorrência da obesidade.
Os gatos obesos apresentam uma produção de calor menor que gatos saudáveis, isso porque o tecido adiposo é metabolicamente menos ativo que os outros tecidos e é responsável pelas menores taxas de calor produzidas no organismo. A redução da capacidade de queimar calorias proporciona ao organismo menor capacidade de perda e maior capacidade para armazenamento de calorias. Esse fato pode perpetuar o quadro de obesidade pela não necessidade de comer muito para manter o peso aumentado. Devido aos machos apresentarem maior sensibilidade a insulina ocorre o aumento da oxidação de glicose, glicogênese e lipogênese em resposta a esse hormônio, o que os tornariam capazes de acumular gordura de forma mais rápida do que as fêmeas, esclarecendo em parte o maior risco que esses animais possuem em desenvolver diabetes mellitus.
O diagnóstico da obesidade em felinos envolve a associação da avaliação clínica de peso e condição corporal e meios de diagnóstico por imagem que permitem a avaliação da composição corporal e a quantidade de gordura no animal. A avaliação metabólica do paciente obeso também é de extrema importância para determinar seu real estado de saúde, e a existência de alguma doença metabólica primária ou secundária associada, sendo essa avaliação importante para o acompanhamento do tratamento.
O tratamento consiste no estabelecimento de metas para redução de peso e persistência. Muitas vezes pode ser necessário mudar de estratégia, de abordagem e de alimentação, mas normalmente o tratamento demanda tempo e paciência por parte do proprietário e do clínico veterinário. Pode-se estabelecer como meta a redução de 1% do peso total por semana e de 3% a 4% em um mês. Caso não haja sucesso e as recomendações de dieta e exercícios tenham sido rigorosamente seguidas, pode-se optar por reduzir a quantidade de calorias diárias em 5% ou 10%, porém deve haver monitoração rígida e regular para que não haja perda de massa magra durante esse processo. A perda de peso de forma rápida deve ser evitada. Portanto é importante estabelecer os níveis calóricos a serem administrados durante o tratamento. Estimular a atividade física é indispensável, porém não é uma tarefa fácil, isso envolve mudar a rotina do gato e reduzir suas horas de sono. O estímulo pode ser por meio de brinquedos como bolas, penas na ponta de hastes, casas para animais, túneis, prateleiras de acesso, bolas de liberação gradual de alimento, porém deve-se lembrar de contabilizar essa ração na quantidade diária. Estimular o animal a andar, pular e realizar atividades em geral é necessário, tudo deve ser realizado com calma para que não haja estresse e comportamento agressivo. O proprietário deve ser insistente, pois gatos tendem a ser teimosos quanto a mudanças no estilo de vida.
A prevalência da obesidade em felinos está se tornando uma epidemia e necessita da atenção de médicos veterinários por ser uma doença grave de caráter crônico, de difícil tratamento e estar associada ao desenvolvimento de enfermidades secundárias permanentes. O médico veterinário é peça chave para o esclarecimento dos aspectos nutricionais e comportamentais dos felinos, portanto, este profissional é o maior responsável pela prevenção do desenvolvimento desta enfermidade. No entanto esse trabalho é pouco realizado, o que tornou a obesidade felina a principal doença nutricional nesta espécie. A falta de um trabalho de prevenção pode advir da carência de conhecimento do clínico veterinário sobre os aspectos nutricionais e comportamentais dos felinos, associada ao desconhecimento da importância da prevenção desta enfermidade pelos proprietários. Os gatos que já encontram-se com sobrepeso ou obesos necessitam de tratamento sério e contínuo. Porém não há resultados satisfatórios sem persistência e monitoração adequada, somado a isso, o tratamento conduzido de forma incorreta pode trazer problemas metabólicos graves, portanto o conhecimento sobre os aspectos gerais e particularidades da obesidade em felinos é imprescindível. Em felinos as pesquisas sobre os aspectos metabólicos da obesidade ainda são muito comparativas com outras espécies, principalmente cães e humanos, o que pode gerar resultados contraditórios e inconclusivos. Pois essa tentativa insistente de comparação desvaloriza as particularidades encontradas. Além disso, as pesquisas sobre o assunto ainda se mostram escassas, inconsistentes e pouco elucidativas. Desta forma, a obesidade em felinos demonstra ser uma área interessante e com grande potencial para pesquisas científicas.
* Fonte: Obesidade Felina (01/07/2013), de Fernanda Figueiredo Mendes (Doutoranda em Ciência Animal, Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás), Danilo Ferreira Rodrigues (Doutorando em Ciência Animal, Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás), Yandra Cássia Lobato do Prado (Pós-Doutoranda do Programa Nacional de Pós Doutorado CAPES, Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás), Eugênio Gonçalves de Araújo (Professor Doutor do Setor de Patologia Animal, Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás).
* Foto 1: Catecareabc.com.
* Foto 2: Agendapet.com.