DEIXAREI SAUDADE – 303

Postado por e arquivado em 2024, DÉCADA DE 2020, FOTOS.

Empurra não, sô, tem dó, Deiró! Eis aí a sensação que venho tendo há muitos anos. Sim, essa sensação e ainda o desconforto de ser empurrado por esses nefastos símbolos do progresso que são os edifícios. De pensar que quando fui erguida aqui¹ em dois andares no meio de um mundaréu de casinhas simples e baixas, eu era considerada a rainha do pedaço. Assim eu fiquei por muitos e muitos anos. Eu nem percebi quando surgiu o primeiro edifício perto daqui. Depois surgiu outro mais adiante, outro mais perto, outro acolá e o trem foi fervilhando e essas coisas foram se aglomerando em volta de mim e agora inúmeros olhos lá de cima voltam-se para cima de mim, enxeridos, procurando e querendo saber o que meus ocupantes fazem. E não são só esses enxeridos aqui ao meu redor, do outro lado da rua tem mais, parecendo até enxame de abelhas ou marimbondos. Pois é, Maria Garrincha², mesmo você morando longe daqui costumava passar em frente com sua irmã lelé da cuca e eu nunca fiquei sabendo o que vocês duas vinham xeretar aqui. Aliás, será que era por causa de algum funeral? Pois é, tenho certeza de que você nunca imaginou que um dia eu ia estar cercada por esses monstrengos. Imagine eu, que jamais imaginei isso. Na verdade, a coisa foi rápida demais, e quando minhas portas e janelas se arregalaram, eu já estava cercada por eles. Curioso em saber o que vai acontecer comigo? Precisa dizer ou quer que eu desenhe? O que me importa é que faço parte da História de Patos de Minas e quando chegar a minha vez, deixarei saudade!

* 1: O imóvel localiza-se na esquina da Rua 24 de Maio (à esquerda) com sua colega José Secundino (à direita).

* 2: Maria Garrincha era uma mulata escura, baixa e grossa, olhos esbugalhados, beiçuda, gengivas vermelhas e desdentadas. Carpideira-mor, não perdia velórios. Falecesse alguém na cidade, pobre ou rico, apresentava-se ela, na sua choradeira. Quantas vezes a lamuriar-se em casa de um morto, pessoa beirando os 90 anos, assim exclamava: – Tudo que é bom neste mundo atura pouco. Morava no Bairro Várzea com sua irmã Rita Garrincha, uma sósia em menores proporções, sendo a Rita inteiramente mentecapta.

* Texto e foto (14/10/2024): Eitel Teixeira Dannemann.

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