Não sou de comparar memória de imóvel com memória de humano, mas minhas paredes estão coçando de vontade de perguntar, por isso vou perguntar: você aí sabe como era o calçamento da Avenida Brasil no início da década de 1960? Bem, como a maioria não sabe, eu digo que era de bloquetes². E agora fiquem sabendo também que eu vim ao mundo nessa esquina aqui³ antes dos bloquetes. E quando eu vim ao mundo, por aqui eram poucos os imóveis de dois andares como eu. Assim ficou durante muitos anos, e tinha também muitos galpões e eu me lembro bem daquele que tinha a marcenaria do Seu Clóvis4. Eu sempre fui assim, comércio embaixo e moradia em cima. Foram tantos moradores que nem me lembro mais de muitos deles. De comércio, teve uma farmácia que, dizem, fabricava uma essência de groselha pra fazer refresco que era supimpa. Aí, gente boa, o trem petecou quando as casas foram sendo demolidas para a construção de edifícios. Olha um dos bitelos aí atrás de mim. E a coisa está se intensificando de uma maneira tal que já estou botando minhas paredes de molho na expectativa de que algo do tipo está para acontecer comigo. Afinal, se não respeitaram nem o imóvel do nosso primeiro prefeito, vão me respeitar? Ora bolas, é evidente que não. Bem, vou levando a vida sem saber quando a tragédia chegará a mim. O resto é História, e eu faço parte dela. Pelo menos isso. E quando chegar a minha vez, deixarei saudade!
* 1: Leia “Avenida Brasil na Década de 1960 − 1 e 2”.
* 2: Leia “Antiga Fábrica de Bloquetes Sextavados”.
* 3: O imóvel localiza-se na Esquina da Avenida Brasil com a Rua Dona Luiza.
* 4: Leia “Deixarei Saudade − 31”, “Clóvis Simões Cunha: Guaratinga, 30 de Janeiro de 1944”.
* Texto e foto (07/05/2023): Eitel Teixeira Dannemann.