A partir do momento em que Antônio Joaquim da Silva Guerra e sua esposa Luiza Corrêa de Andrade doaram, em 19 de julho de 1826, uma porção de terra da povoação Os Patos, o lugarejo daqueles pioneiros começou a se desenvolver¹. Os doadores deixaram claro no documento que a doação tinha dois objetivos: o primeiro era a construção de um templo em honra ao Glorioso Santa Antônio de Pádua, e o segundo para a comodidade dos povos. Logo depois da doação, foi construída uma singela capela. Posteriormente foi construída uma capela mais confortável, mas sempre no mesmo local e com o mesmo padroeiro, respeitando o desejo dos doadores.
Depois de construída a primeira capela e algumas casas, em 17 de janeiro de 1832 foi criado o distrito de Santo Antônio da Beira do Paranaíba, que passou a ser o nome da antiga povoação Os Patos². Em 29 de janeiro de 1847, o Capitão Joaquim Manuel de Souza doou uma fonte de água para servir à comunidade na vertente do Córrego do Monjolo. A água daquela fonte continuou a abastecer a cidade por muitos anos, até a perfuração dos poços artesianos e a chegada da COPASA4. Em 30 de outubro de 1866, já com uma população significativa, foi criada a Vila de Santo Antônio dos Patos, e dois anos após, veio a emancipação³. A partir daí a Câmara Municipal passou a administrar o patrimônio, sem oposição da Igreja, uma vez que Igreja e Estado estavam unidos sob o acordo do padroado assinado entre o Papa e reis de Portugal e Espanha desde a Baixa Idade Média. A Câmara tratou logo de alinhar as ruas, estabelecer a ordem no que se refere à arquitetura, licença de construção e cobrança de aforamento5.
Mesmo depois do decreto do governo provisório da República e do disposto na Constituição de 24 de fevereiro de 1891, que separa o Estado da Igreja, a Câmara Municipal, no entanto, em 1909 não administrava todo o Patrimônio, uma vez que alguns particulares haviam cercados pastos, sem licença da mesma. Eles alegavam que cercaram com a licença do vigário da freguesia. Por causa disso, em 19 de maio, a Câmara aprovou um decreto que assim determina em seu Artigo 1.º: Fica o Agente Executivo Municipal, autorizado a contratar advogado para promover perante o juiz competente, a demarcação geral das divisas do Patrimônio e Logradouro Público da Cidade e repor no estado anterior os terrenos usurpados ou cercados, sem ordens; ficando-lhe o necessário crédito. Poucos dias após, em 26 de maio, foram enviados ao Rio de Janeiro a transcrição da escritura de doação de 1826 e um pequeno resumo da História da cidade. No final foram colocadas as seguintes perguntas:
1) − Se a doação dos terrenos do Patrimônio feita com o fim e condições estipuladas no incluso, a quem pertence a administração do mesmo, se a Câmara Municipal ou Igreja?
2) − Se a Câmara Municipal exercendo a administração do Patrimônio há mais de 40 anos, dá-se em seu favor a prescrição aquisitiva pela posse imemorável ou a Igreja pode em qualquer tempo chamar a si a administração?
3) − É permitido particulares fecharem pastos nos terrenos do Patrimônio privando o povo do uso e goso desses terrenos; e caso não seja permitido, pode a Câmara Municipal obrigá-los a abrirem os aludidos pastos?
4) − Se em qualquer hipótese pode a Câmara Municipal requerer a verificação de limites e demarcação do terreno do Patrimônio?
As respostas das perguntas foram feitas em 12 de junho por Lafayette Roiz Pereira, Conselheiro durante o Segundo Reinado e importante político e jurista durante o período Republicano:
1) − A doação feita por Antônio Joaquim da Silva Guerra a Santo Antônio − que, em direito, que dizer feita à Igreja − é radicalmente nula, desde que para a aquisição do imóvel não foi obtido o consentimento do governo, segundo exigiam as leis de amortização vigentes no tempo. E desde que a doação é nula, o domínio e a administração do terreno doado absolutamente não pertencem à Igreja.
2) − A Câmara Municipal, ainda mesmo que a doação fosse válida, adquiriu domínio do terreno pela prescrição aquisitiva de quarenta anos. E, em consequência, pode administrá-lo como aprouver.
3) − O terreno pertence à Câmara Municipal e, por consequência, os particulares não se podem apossar de parte dele. A Câmara pode reaver as ditas partes de terreno por ação de reivindicação ou pelo remédio possessório utipossidetis.
4) − Afirmativamente.
Pelas respostas dadas, Lafayette Roiz Pereira considerou nula a doação do primeiro Patrimônio por Antônio Joaquim da Silva Guerra e Luiza Corrêa de Andrade e autorizou a Câmara Municipal administrar todo o espaço público. Mesmo que o documento tenha sido considerado nulo depois de 83 anos, para os patenses, os verdadeiros doadores do primeiro Patrimônio foram, sem dúvida, Silva Guerra e sua mulher Luiza. Comprova-se que os objetivos expressos na escritura de doação foram cumpridos, pois o templo foi construído e a Câmara Municipal doou terrenos para as pessoas e para o Estado, reservando apenas o necessário para os prédios administrativos e logradouros públicos.
* 1: Leia “Escritura de Doação Feita por Silva Guerra e Sua Esposa”, “Povoação Os Patos”.
* 2: Leia “Da Doação do Patrimônio à Criação do Distrito”.
* 3: Leia “Lei Que Eleva o Arraial à Categoria de Vila”, “Instalação da Vila: A Emancipação”.
* 4: Leia “Água − Do Rego à Torneira”.
* 5: Leia “1.º Código Municipal de Posturas”.
* Fonte: Livro Patrimônio de Santo Antônio − Do Sítio ao Templo (2016), de Sebastião Cordeiro de Queiroz.
* Foto: Óleo sobre tela de Marialda Coury (1992), alusão à construção da primeira capela no terreno doado por Silva Guerra e Luiza. Do acervo do MuP e publicada no livro Patrimônio de Santo Antônio − Do Sítio ao Templo (2016), de Sebastião Cordeiro de Queiroz.