TEXTO: JORNAL O TRABALHO (1908)
No anno passado, quando já tínhamos firmado a nossa residencia nesta cidade, fizemos á Camara Municipal, em sessões de legislatura para o exercicio de 1908, um requerimento em que pediamos que nos fosse relevado o imposto municipal de industria e profissão a que estavamos sujeito como medico, pelo facto de prestarmos o nosso serviço gratuito a probresa que nos procurava diariamente, como attestal-o-ão o povo e as pharmacias locaes. A camara indeferindo esse nosso requerimento, deu-nos a titulo de gratificação annual, a quantia de 300:000 rs, ou sejam, 25$ por mez.
No nosso requerimento affirmavamos que, concedido ou não o seu deferimento, continuariamos a prestar do mesmo modo os nossos serviços medicos-cirurgicos a população indigente do nosso municipio. A situação entretanto se tornou interessante no orçamento para 908, figurando um medico com um partido feito pela camara para receitar para os pobres, mediante a quantia de 600$ anuaes e uma gratificação de 300$ para outro medico.
Resolvido por esse modo o incidente provocado com o nosso requerimento, votamos a verba de 300$000 annuaes em beneficio da instrucção primaria local. Nobresa de espirito e procedimento de alcance geral, visando os filhos dos ricos e dos pobres, só poderiam ser ouvidos ou entendidos pelos que poupam horas ao beneficio de procurar desfazer as trevas, iniciando-se em um novo marco para o progresso intellectual d’esta terra, se esforçando pela educação das creanças, melhorando as escolas e difundir o ensino pelos meios mais consentaneos com os progressos da pedagogia.
O nosso procedimento destinando aquella importancia ao grupo escolar desta terra, deveria reflectir como um incentivo a vice-presidencia da Camara em effectividade de presidente¹ e não accintosamente sublinhardo coveniencias para o orçamento onde só houve manifesta má vontade contra nós, por termos a sobranceira de reclamar o cumprimento das leis que são entre nós letra morta, e tanto essa foi a conveniencia orçamentaria que o partido do dr. Euphrasio José Rodrigues, que então era de 600$ annuaes, mesmo quando era o unico medico nesta cidade, foi elevado a 900$ annuaes, com os 300$000 que a conveniencia orçamentaria foi obrigada a retirar da verba egual com que nos haviam, por alta recreação, abonado!
A má vontade não mirou só a nossa pessôa, estendeu-se tambem contra esta folha a que si quiz podar a verba destinada para as publicações dos actos da Camara como é expresso em lei. A vice-presidencia se esforçou tanto a ponto de pleitear no recinto das sessões e fora, antes das votações empenhando-se cabalisticamente com terceiros para obter de segundos appoio a sua guerra o que com vantagem e nobresa foi repelido.
Nós não fugiremos do nosso posto e não haverá conveniencia alguma que nos demoverá de criticar a acção menos habil e cabalistica do executivo municipal cuja missão ainda não poude ser descortinada pela vice-presidencia em actividade. Si o povo não pode gritar, gritaremos por elle e não deixaremos de esmerilhar os seus prejuizos com a sinecura e o czarismo municipal. O papel que occupamos na avançada do povo pelo alarme que somos o primeiro a dar, como jornalista, não se sentirá esmorecer com os arrancos da prepotencia vice-presidencial.
A polvora foi descoberta pela vice-presidencia declarando que a conveniencia orçamentaria se justificava ainda mais por termos declarado no nosso officio á Camara passada, que prestariamos os nossos serviços gratuitos a pobreza e que por isso, deante de um caso deste, convinha onerar-nos os trabalhos e gratificar ainda mais ao nosso distincto collega Dr. Euphrasio Rodrigues.
Ahi fica succintamente o acto da vice-presidencia em exercicio de presidente da Camara Municipal desta cidade e de Agente executivo, narrado sem maiores commentarios para que, quando se escrever a historia desta cidade, fique consignado em pagina de honra o diapasão porque se afinou a Vice-presidencia nas suas conveniencias orçamentarias…
* 1: Na época, o vereador mais votado era automaticamente empossado Presidente da Câmara Municipal e como Agente ou Chefe do Executivo, o atual prefeito. No caso, Olegário Dias Maciel. Seu Vice era Pedro Modesto da Silva. Leia “16.ª Câmara Municipal”.
* Fonte: Texto publicado com o título “Edificante!” na edição de 09 de outubro de 1908 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.
* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.