SOBRE LUÍZA E SILVA GUERRA: HOMENAGEM DA CÂMARA MUNICIPAL EM 1976

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4O Prof. Ricardo Rodrigues Marques foi o orador oficial nas solenidades da sessão solene da Câmara Municipal em homenagem aos 150 anos de doação do Patrimônio, realizada na noite de 19 do corrente. Assim ele falou:

A Câmara Municipal, imbuída dos mais puros sentimentos, transforma esta Casa num altar cívico, e nele celebra a cerimônia de homenagem ao casal Silva Guerra e D. Luíza, que há 150 anos atrás permitiu, com seu gesto magnânimo, que à direita do Paranaíba se consolidasse um núcleo populacional, origem da vicejante Patos de Minas dos nossos dias.

E embora, neste recinto, estejamos assentados ou em pé, as nossas almas se põem ajoelhadas diante deste altar, para reverenciar a memória dos beneméritos doadores e para render-lhes renovado preito de gratidão e de reconhecimento.

Feliz é a terra que, como a nossa, brotou da generosidade de seus filhos. Enquanto outras comunidades, nos primórdios de sua história, cresceram com o aposseamento de território alheio e se alimentaram de rixas e desavenças, a grande família patense instalou-se, desde o início, em casa própria e cresceu em terra própria, sem intrigas retaliativas, sem demandas odientas, sem invasão.

Que razões profundas moveram Silva Guerra a doar parte de sua fazenda? Que motivos levaram este homem, certamente zeloso de suas posses e orgulhoso de seus haveres herdados dos finados sogros, a desistir de um considerável patrimônio em favor de terceiros? Que o fez adiantar-se a outros fazendeiros da época, positivamente mais abastados, mas nem por isso mais generosos? Que qualidades nele se reuniam, para o tornarem tão desprendido? Teria o casal, apesar de sua pouca cultura, consciência do alcance histórico de seu gesto? Que se sabe, enfim, deste homem e de sua mulher, hoje vultos preeminentes da história de Patos de Minas?

O que os historiadores Geraldo Fonseca e Oliveira Mello nos contam é que Antônio Joaquim da Silva Guerra era comerciante e que viveu poucos anos mais, depois de sua histórica doação. D. Luíza, que alguns preferem chamar Luzia, era mulher de escasso conhecimento, pois não sabia ler e escrever, e em 1836 – dez anos depois da escritura – no relatório que o juiz de paz Antônio Neto Carneiro encaminha ao governo da Província, dando conta da situação da indústria e do comércio em Santo Antônio do Paranaíba, D. Luíza nele comparece arrolada como taberneira, ao lado de Felipe Alves Carvalho, Tomaz Aquino Nunes e Felisberto José da Fonseca.

Que o casal tinha profunda fé religiosa é inegável, pois a doação de suas terras se fez ao “Glorioso Santo Antônio”, a fim de se lhe edificar um templo. Mas para se construir uma capela bastaria um pedaço de terra. Como a dádiva se constituiu de um vasto chão, é lícito concluir que Silva Guerra e sua mulher, se não atinavam com a repercussão histórica de seu gesto, sabiam ao menos que naquela quarta-feira do dia 19 de julho de 1826 constituía-se legalmente um patrimônio público, destinado à moradia “dos povos que buscassem cômodo nestas paragens”. O uso das terras doadas ficou, pois, condicionado a estas duas finalidades: edificação de uma ermida e moradia dos povos. Na época, os patenses dependiam tanto judicial quanto espiritualmente, de Sant’Ana da Barra do Rio Espírito Santo, hoje Santana de Patos, elevado a distrito em 15 de outubro de 1927, onde se encontra o juiz de paz e onde residia a autoridade eclesiástica que lhe dava assistência espiritual. O povoado, que já contava com mais de 700 habitantes e com uma atividade econômica que se constituía de quatro engenhos movidos a bois e nove botequins, já estava a merecer uma capela para as funções religiosas, e, sob o aspecto administrativo, impunha-se a legalização da mansa ocupação das terras e a reserva de outras áreas, para a expansão do povoado.

E em meio a este incipiente contexto, que já começava a despertar nos homens da época preocupações de ordem social e administrativa, a figura de Silva Guerra desponta no nosso passado não como um simples comerciante ou remediado fazendeiro, mas sim como o nosso primeiro administrador, pois foi ele o homem que verdadeiramente se mostrou sensível aos desejos de sua comunidade – uma igreja para rezar e uma terra para morar – tornando-se, portanto, por seu exemplo e por seu gesto, o artífice inicial da consciência cívica do povo de Patos de Minas.

Em “Patos de Minas: Capital do Milho” e “Domínios de Pecuários e Enxadachins”, Oliveira Mello e Geraldo Fonseca, ambos com amoroso tratamento e dedicada sensibilidade, já fizeram justiça em suas histórias, ao casal ilustre. Mas para que a homenagem se torne mais significativa e por meio dela possamos dar o testemunho perene do nosso reconhecimento a esses dois patenses que possibilitaram o assentamento dos alicerces, sobre os quais se ergueu depois a sólida e grandiosa Patos de Minas, torna-se impositivo Sr. Presidente e Srs. Vereadores, que a Administração Pública Municipal, representada pela ilustre Câmara e pelo dinâmico Prefeito, Dr. Waldemar da Rocha Filho, concretize a oportuna e simpática sugestão apresentada recentemente pelo historiador Geraldo Fonseca: a de se colocar uma placa em lugar de destaque na mais preciosa área de nossa Patos – o Cemitério Municipal, simbolizando os túmulos de Antônio Joaquim da Silva Guerra e de sua esposa, Luíza Corrêa de Andrade.

Adotada esta medida, de alta significação histórica e cívica, o nosso passado mais distante se tornará fato vivo no culto da geração presente e das porvindouras, e cada filho desta terra abençoada, ao visitar os nossos mortos no Campo Santo, se lembrará também de depositar flores no túmulo deste casal magnânimo e de murmurar uma prece por suas almas bondosas.

* Fonte: Texto de Ricardo Rodrigues Marques publicado com o título “Medida de Alta Significação Histórica e Cívica” na edição de 22 de julho de 1976 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Representação do sítio “Os Patos”, de Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.

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