Quando surgi nessa rua¹, isso aqui era uma estrada que partia do Mercado Municipal em direção à comunidade do mesmo nome e outras, e por aqui a pobreza reinava em minha volta. Praticamente todas as casas eram que nem eu. Falava-se muito numa máquina de beneficiar arroz da Família Garcia² e em vozes estranhas que espantavam até os tropeiros, considerados homens cheios de coragem, mas tremendamente supersticiosos³. Eu nunca liguei pra isso, só com a poeira no tempo da seca e o barro nas chuvas onde os carros de bois transformavam essa estrada num barreiro que até cavalo tinha dificuldade pra passar. Com o tempo, os casebres que nem eu foram sendo demolidos e ocupados por casas melhores ou edifícios. Há ainda inúmeros casebres, alguns até vazios como estou agora. A minha vizinha aí do lado, humilde como eu, foi demolida e lá está um pequeno trator juntando os entulhos. Vai ser uma nova casa ou um edifício? E eu fiquei sem ninguém porque colocaram-me à venda. É claro, evidente e óbvio que terei o mesmo destino da minha vizinha. E assim, todas as casas humildes e casebres que povoaram esse bairro vão desaparecer para que o progresso assente o seu modernismo. Não tem como ser diferente, é como dois mais dois igual a quatro. Não tenho a mínima ideia de quando o trágico destino me atingirá e muito menos o que aconteceu e para onde foram as almas que me habitaram. Não importa a minha simplicidade, não importa se me consideram um casebre, o que me importa é que, mesmo sendo como sou, faço parte da História de Patos de Minas. E quando eu deixar de existir, quando eu for transformada em escombros, deixarei saudade!
* 1: O imóvel localiza-se na Rua Mata dos Fernandes em frente a sua colega Ponto Chic, no Bairro Vila Garcia.
* 2: Em 1947, Genésio e Mário Garcia Roza adquiriram a Fazenda Limoeiro, loteando quase toda a área que viria a ser o Bairro Vila Garcia. Nela, ingressam no comércio cerealista, construindo armazéns para 50.000 sacas de cereais, instalando maquinário para milho, feijão, arroz e café.
* 3: Leia “O Vale das Cabaças Uivantes”.
* Texto e foto (21/07/2022): Eitel Teixeira Dannemann.