DEIXAREI SAUDADE − 201

Postado por e arquivado em 2022, DÉCADA DE 2020, FOTOS.

Os humanos não sabem que os imóveis trocam irradiações paredais entre si. E se eles não sabem disso, obviamente não têm a mínima noção do que seja isso. Como atualmente me sinto por demais revigorada pela reforma que sofri, na base da boa vontade vou tentar explicar o que é isso. É uma espécie de premonição que todos os nossos tijolos sentem, transmitindo vibrações para as semelhantes vizinhas. A disgrama é que essa premonição é sempre negativa e sempre atrelada à demolição. O primeiro sintoma é a ausência abrupta das almas que a gente abriga. Elas simplesmente vão embora e levam tudo o que está no nosso interior. O segundo sintoma é um certo tempo, variável, que nós ficamos sozinhas. E o terceiro sintoma, fatal, é quando chegam os trabalhadores e as máquinas para nos demolirem. Com a minha vizinha aí do lado foi tudo muito rápido. Ela se viu abandonada e não demorou nem dez dias foi ao chão para ceder lugar a esse monstrengo, que é a nova moda na Cidade e já chegou com força por aqui¹. E nesse intervalo senti suas irradiações paredais, percebi sua situação e o que estava para lhe acontecer. Óbvio, imediatamente absorvi as impressões e comecei a imaginar que eu seria a próxima. Mas, ufa, graças, veio a reforma e hoje estou assim arrumadinha. Salva? De modo algum, não passa pelas minhas paredes essa pretensão. Apenas ganhei um prolongamento de vida, sabe-se lá até quando, pois as casas serão inevitavelmente ocupadas pelos edifícios. Como a minha vizinha, chegará a minha vez de entrar para a História de Patos de Minas. E quando acontecer, como ela e todas as outras, deixarei saudade!

* 1: O imóvel localiza-se na Rua Zama Alves, entre sua colega Valeriano Rodrigues e Avenida Paracatu, no Bairro Rosário.

* Texto e foto (21/05/2022): Eitel Teixeira Dannemann.

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