BAITOLA E BONITÃO DA BALA CHITA NOS TEMPOS DO MI-MI-MI

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O Zé Meloso nasceu e foi criado na comunidade dos Vieiras, ficando por lá o máximo possível, indo raramente à Sede. Só mesmo numa extrema necessidade, principalmente por problemas de saúde da família, é que o animava enfrentar a zoeira insuportável das motos e do perigo das imensas carretas de alta tonelagem que infestam o Centro. E foi lá na roça que conheceu o termo baitola¹ ouvindo a música Homem é Homem do cantor cearense Falcão.

E foi também lá na roça que conheceu a famosíssima bala Chita e a expressão bonitão da bala Chita, usada para indicar alguém que se acha dotado de beleza superior aos demais e ainda de chamar atenção para si. Nenhuma malícia a mais. Quem conhece a bala Chita sabe muito bem que é esbranquiçada e grudenta, vem embrulhada em papel amarelo, onde se vê o dorso de um chimpanzé sorridente, alusão à macaca companheira do Tarzan.

Durante muitos anos o prezado Zé Meloso usou e abusou do baitola e do bonitão da bala Chita nos Vieiras, em outras comunidades e na Sede, sem nenhum contratempo, pois a intenção era sempre a de ironizar amigos, nada mais do que isso. Mas eis que chegou o século 21, e com ele, um mundaréu de mi-mi-mis. Coitado do Zé Meloso, não muito ligado às mídias tecnológicas, despercebeu as mudanças abruptas com relação aos direitos humanos, logo ele, um defensor feroz dos deveres humanos. E assim, na sua simplicidade, entrou pela tubulação quando, numa das raras visitas à Sede, lanchando com sua esposa na praça de alimentação do Centro Comercial Pátio Central, ousou usar aqueles dois termos.

Foi num levantar abrupto que o roceiro esbarrou num mancebo típico dos dias atuais. O Zé Meloso se desculpou, mas o rapaz deu um piti, no que, incontinente, o Zé, com sua rudeza característica do campo, lascou:

– Tem dó, sô, deixa de ser fresco, seu baitola, eu só te esbarrei.

Pra que! O piti do jovem aumentou, chamando a atenção dos inúmeros presentes. E o Zé Meloso lascou a outra:

– Vai te catá, bunitão da bala Chita.

Nessa, o jovem se calou e se mandou. Mas por pouco tempo, pois logo surgiu com dois policiais e com a acusação na ponta da língua:

– É esse aí que me chamou de viado e de macaco.

A propósito, o jovem era branco. A propósito novamente, o Zé Meloso foi conduzido à delegacia e só depois de muito custo e explicações do advogado de defesa chamado às pressas é que o Zé Meloso foi liberado, mas condenado a alguns serviços comunitários. Sabe-se lá há quanto tempo o homem não sai lá dos Vieiras.

* 1: A palavra teria surgido durante a construção da primeira estrada de ferro do Ceará. O chefe da obra, um engenheiro inglês, afetadíssimo para os padrões locais, vivia advertindo os trabalhadores para terem cuidado com a baitola, que era como ele pronunciava a palavra bitola (a distância entre os trilhos). Então, alguns trabalhadores, convictos de que a afetação não é coisa de macho, criaram baitola para designar o homossexual passivo. (Do livro “Casa da Mãe Joana 2”, de Reinaldo Pimenta)

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.

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