EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES X LAUDELINO GOMES DE ALMEIDA: CIZÂNIA ENTRE MÉDICOS − 1

Postado por e arquivado em HISTÓRIA.

Na segunda metade da década de 1900, dois médicos comandavam a saúde em Patos sem ainda o “de Minas”: Euphrasio José Rodrigues e Laudelino Gomes de Almeida. Além de respeitados na arte da Medicina e participativos em praticamente toda movimentação social da Cidade, os dois exerceram outras funções, como por exemplo, colaboradores no nosso primeiro jornal, O Trabalho. Não se sabe o grau de relacionamento entre os dois, mas, obviamente, disputavam clientes, aparentemente sem maiores atritos. Em agosto de 1907, Dr. Euphrasio foi nomeado Promotor de Justiça¹, quatro meses depois da chegada a Patos do Dr. Laudelino. Este, no ano seguinte, assumiu a redação do citado jornal. Neste, em junho de 1908, Dr. Euphrasio, como Promotor de Justiça, publicou um artigo sobre a criminalidade na Cidade. Encontrei na Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba o citado artigo, na edição n.º 57. Infelizmente, a foto da página está tão desfocada que mal se lê algumas palavras, ficando impossível a transcrição. Esse artigo do Dr. Euphrasio não agradou ao Dr. Laudelino, pois na seguinte edição de O Trabalho, ele publicou um artigo expondo a sua opinião contrária. Infelizmente, não encontrei essa edição n.º 58 em nenhum dos arquivos pesquisados. Portanto, ficamos sem saber a íntegra do dito artigo. Eis então que, na edição de 20 de julho de 1908, veio a resposta do Dr. Euphrasio, estabelecendo assim a cizânia entre os dois colegas de profissão e de redação:

Ao redactor do “Trabalho” Dr. Laudelino Gomes de Almeida.

Carregadas sombras da noite do esquecimento eterno, descei sobre nós, pesados véos que a mão de Djanikide teceu tão densos, que não podia passar atravez delle um raio de sol, correi sobre a memoria de todos quantos teem gasto mocidade, estro, alma e forças a preparar um jornal na patria que adoptaram com todos os enlevos da fé e da esperança, com solicito empenho egual talvez ao que o artista pois na sua Venus de Milo.

O collaborador assíduo que durante a vida do “Trabalho” nesta terra tanto pugnou pelas liberdades, converteu-se em espectador invalido, pois que o Trabalho em sua nova fhase, assemelha-se muito a ave de rapina, que sendo criada com o calor de nosso seio, quando se sente com forças para erguer o vôo, bate as azas, fazendo retinir nos ares um trinar de zombaria.

O meu illustre contradictor, mimoseou a minha humilde pessôa com um artigo que é um verdadeiro manifesto, desisto de comental-o, porque não entretenho polemica com pessôa alguma. Apenas tocarei nos pontos principaes. Começa S.S. dizendo que o meu artigo apontando criminosos em Patos, faz de mim um funcionário relapso e desidioso²; parece-me já estar ouvindo a gargalhada de Mephistopheles; S.S. gosta muito de se metter em camisa de onze varas, segundo diz o adagio popular, por isso ha de errar sempre; si o articulista tivesse manuseado a consolidações das leis criminaes e procurasse ver quaes são os deveres do Promotor não se exporia a censura dos que estudam; si o articulista se informasse dos tabelliães, si procurasse saber si de seus livros de carga, consta a existencia de processos em minha casa, si syndicasse a cerca do esforço herculeo que se faz para que seja intimada uma testemunha, pois que ninguem quer ser official de justiça, si procurasse fazer uma visita a cadeia e a visse desabando quasi sobre os presos, apezar das reclamações que faz a Promotoria em todos os termos de visita, si soubesse que nos chegamos a ter como destacamento só uma praça, para a guarda de nove criminosos de morte, si soubesse, si examinasse, se ponderasse antes de escrever, com certeza não largaria sua clinica para vir se metter em cousas que não lhe dizem respeito.

Diz mais o meu illustre contendor que a principal causa dos crimes aqui é o alcool. Attenção!!! Snrs. Bachareis digam-me por favôr a fé de vosso grau, si já ouviram tal monstruosidade scientifica. Não precisamos abrir um só livro de criminologia, basta raciocinar; o alcool existe em toda a parte e em toda a parte se bebe; porque razão a nossa comarca é a segunda em estatistica criminal? O meu contendor meditou bem mas o parto lhe sahiu com copiosa hemorragia.

S.S. julgou que quando o governo me nomeou Promotor de Justiça, reservou para si o direito de amordaçar o representante, fatal engano, si abusos ou prevaricações se derem aqui, seja da parte de quem for, denuncial-os-ei, seja qual for o lustre de sua linhagem, ou grau de amizade que me ligue as suas familias. Sinto enthusiasmo pelo dr. Jacques Dias Maciel, todas as vezes que leio um seu artigo que guardo no escrinio das cousas preciosas. Dizia elle quando era Promotor da comarca de Leopoldina²: “Si existe uma cadeia que por si só desmoralize uma administração de Estado etc. é a cadêa de Leopoldina”, tornou-se portanto o Dr. Jacques na opinião de S.S. réo de desidia.

S.S. é medico deve saber que o medico não offende quando olhando um doente diz “aqui há gangrena” e ha que prefira a chaga ao cauterio? Mutatis mutandis é o que se dá commigo.

S.S. termina o seu artigo mandando que eu cumpra com o meu dever, artigo que classifico de têa de Penelope.

Quanto as peripecias do movimento forense que estão exaradas nas folhas silenciosas dos autos eu invoco o testemunho do Dr. Sabino, C.el Farnese, Sr. Spiridião, Cap. Aurelio Mendonça que tem servido de juizes aqui, invoco o testemunho dos homens da fé publica, Major Olympio Borges, Alf.s Antonino Maciel; dos delegados de policia Major Sesostris Maciel, C.el Christiano da Fonseca na Lagôa Formosa, a todas as authoridades emfim; dos advogados do fôro entre outros o Dr. Marcolino de Barros, para que digam em alto e bom som se alguma vez essa Promotoria deixou de cumprir com o seu dever. Quanto as minhas accusações em publico, invoco o testemunho do povo desta cidade em massa, para que diga si alguma distingui grande ou pequeno, ou se fraqueei accusação ainda que se tratasse dos meus melhores amigos. Acho que só o Sr. Dr. Laudelino é que enxerga que não cumpro com os meus deveres. A proposito vou contar-vos uma historia que li ha muitos annos não me lembro onde.

Era uma cidade portuguesa, um posto militar antigo que tinha no quadro de suas instrucções, que quando o Viatico passasse pela porta, o commandante o fizesse acompanhar por 4 praças de bayoneta calada. Chegando de Lisbôa, um novo alferes, leu o quadro das instrucções e deparando com esta, perguntou a um sargento quem era o Viatico, este querendo troçar da ignorancia do alferes respondeu-lhe que era um sujeito malfeitor, perigoso que todas as tardes passeava, mettido em um palitol cor de pinhão e com um grande guarda chuva; este homem que era um negociante importante passou esta parte pela porta do posto e quando voltou-se, vê quatro soldados de bayoneta calada atraz delle, entra pelo quartel furioso, e ainda foi preciso que todo o estado maior se reunisse para evitar que o alferes quebrasse na cabeça do homem o quadro das instrucções; este meu caso vem ad rem, porque o meu illustre contendor entende tanto de deveres de Promotoria quanto o alferes da cidade portuguesa entendia do Sagrado Viatico.

A prova da verdade ahi está; quem ler a quarta columna do artigo de S.S. tem de voltar numa descida estonteadora muitos annos pr’a atraz. S.S. parece um homem velho de grande casacão que só tem conhecimento das leis afonsinas e manuelinas, não sabe que o Promotor da Justiça só pode apellar da decisão do jury em um único caso que é o da irregularidade processual. A apellação da decisão do jury por julgal-a injusta, pertencia outr’ora aos Juizos de direito, que faziam-na ex-officio, appellação esta que foi abolida com a Republica; leia-se Pimenta Bueno, pg. 214 lei, art. 79§1.º ereg. art. 44§1. Leia-se Alberto de Carvalho em seu opusculo lamentando a abolição da appellação ex-officio, pois que tem dado logar as absolvições escandalosas, com força de definitivas. S.S. diz mais “que o Promotor devia protestar para novos jurys”, é mais uma descaida de quem nada lê e só quer argumentar com o bom senso.

“Protesto” Sr. Dr. é direito exclusivo do réo quando a pena é pesada; leia um livrinho de Levindo que anda ahi, que isto é trivial; derrocado e esfaphacelado scientificamente o art. de S.S. em todos os seus pontos, invoco o testemunho scientifico do Dr. Juiz de Direito da Comarca, para que diga do alto da imprensa, quem tem razão, curvando-me e essa decisão como S.S. tambem deverá fazel-o pois elle sabe mais do que nós ambos.

Dr. E.J. Rodrigues.

* 1: Leia “Dr. Euphrasio é Nomeado Promotor de Justiça − 1907”.

* 2: Leia “Jacques Dias Maciel em Leopoldina”.

* Texto da Introdução: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fonte do jornal O Trabalho: Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Início do primeiro parágrafo do texto original.

Compartilhe