PAZOLIANA − CAPÍTULO 33: AJUSTES FINAIS        

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

“Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre”. (Charles Chaplin − 16/04/1889 – 25/12/1977)

Desde que o homem se considerou uma espécie inteligente deixando de ser nômade e se agrupando em comunidades cada vez maiores, construiu com barro, palha, pedra, tijolo, argamassa, cimento e concreto armado uma infinidade de construções. Na Antiguidade, surgiram as sete maravilhas do mundo: Pirâmide de Quéops ou a Grande Pirâmide de Gizé, Jardins suspensos da Babilônia, Estátua de Zeus em Olímpia, Templo de Artemis em Éfeso, Mausoléu de Halicarnasso, Colosso de Rodes e Farol de Alexandria. Destas sete estupendas obras, resta em pé apenas a pirâmide. Citadas como maravilhas do mundo moderno, são: Muralha da China, Petra (enclave arqueológico na Jordânia encravado numa parede de rocha), Cristo Redentor, Machu Picchu (cidade inca no Peru), Chichén Itzá (cidade maia no México), Coliseu de Roma e Taj Mahal (mausoléu situado em Angra, Índia). Muitas outras obras são dignas de constarem de manuais. Aliás, seriam dignas e até importantes, para que a posteridade pudesse apreciá-las em fotos. Isto porque, infelizmente, tanto a única que restou da antiguidade quanto todas as modernas citadas e não citadas se transformaram em pó, assim como a raça humana.

Os Deuses decretaram, infalivelmente, a fim da raça humana. Os últimos redutos a serem extintos foram os arredores da Vila do Córrego Dobrado. Pico da Glória e adjacências, depois de devidamente isentos dos adeptos, foram as últimas localidades no planeta Terra a se transformarem em pó. Planeta Terra, reduto inatingível dos terráqueos, não mais existia como reduto dos terráqueos. Excetuando os adeptos pazolianos, do mais ignóbil ser humano ao Papa, do mais reles militar aos generais, do menos astuto edil aos governantes de países e tiranos esdrúxulos, do pária ao representante do deus Vishnu, do giaur ao mais soberano islamita, do qualquer um que fosse a qualquer outro que fosse, nada mais restou, nem os ossos para se construir uma história. A população do glorioso planeta Terra se resumia nos adeptos dos Deuses reunidos em Vila do Córrego Dobrado.

No outro dia, Mabélia e família, ainda circunspectos com a última conversa com Etnaduja, e esperando o seu retorno, estavam na sala quando ouviram fortes rumores vindos da rua. Chegando ao alpendre, assustaram-se com a multidão de pessoas que se ajuntavam em frente à casa. Obedecendo a uma ordem que eles não compreendiam, largaram seus lares, seus bens materiais e se dirigiram à pé para a Vila com a roupa do corpo. Foi uma caminhada de trinta quilômetros, desde a noite anterior, onde os mais idosos e as crianças estavam em petição de miséria. À frente de todos, se destacavam a mãe e família de Mabélia, além de Marcos e Rogério, os dois repórteres da extinta Rádio Clube da extinta Pico da Glória, com suas respectivas namoradas, cunhados, sogros e sogras. Vinham apressados, assustados como todos os outros, sem entender o que estava acontecendo, mas tendo nas mentes que algo bom lhes sobressairia. Chegaram e já foram perguntando, após os reencontros.

– Januário, o que está acontecendo? Por que fomos induzidos a vir para cá?

Não houve tempo para a resposta de Januário, pois Etnaduja, com uma vestimenta protetora incluindo capacete, se materializou no alpendre da casa dos Mantiqueira. Com ele, um calhamaço contendo todas as diretrizes sobre o projeto pazoliana. Depois das devidas explicações sobre o porquê estava com aqueles trajes, todo o povo que havia chegado foi direcionado ao parque de exposições, onde, com o apoio de quase toda a população, foi devidamente acomodada e alimentada. Lá, receberam instruções para aguardarem até o pronunciamento de Etnaduja. Este, então, na sala da residência, iniciou a implementação da nova fase do projeto.

– Família Mantiqueira, de acordo com o calendário terráqueo, estamos no dia 1º de outubro de 1982, sexta-feira. Nesta data, o mundo, o planeta Terra como vocês conheciam, já não mais existe. Antes de iniciar, gostaria de saber a decisão de vocês a respeito do projeto. Se concordarem com ele, a partir de agora consideraremos o ano 1 da Era Pazoliana.

Mabélia tomou a palavra:

– Prezado ser extraterrestre, eu, como a mãe desta família, vou falar em nome de todos, incluindo o amigo Alaor, que, por afinidade, agora faz parte dos Mantiqueira. Você disse que destruiu o mundo porque os humanos estavam corrompidos. Tudo bem que o mundo estivesse corrompido e podre de princípios morais. Tudo bem que o mundo estava quase todo poluído por culpa exclusiva nossa. Mas era o nosso mundo. Este planeta era dos humanos, e estando os humanos e a natureza corrompidos, mesmo assim, era o nosso mundo. Cada país vivia com seus acertos e erros, cada um administrando as suas vaidades. Aqui no nosso país a realidade era dura, sim, muito dura. Anos e anos de desmandos havia criado desníveis sociais e econômicos entre as classes, desvios cruéis. Mas era o nosso país, o nosso mundo, o nosso planeta. Nós, os Mantiqueira, nós, num geral a população de Vila do Córrego Dobrado, vivíamos felizes, em paz. Repare bem na nossa casa. É simples, mas meu saudoso marido Arnaldo era um batalhador que trabalhava praticamente o dia todo. Nunca nos deixou faltar absolutamente nada. Não temos luxo, mas éramos muito felizes com a nossa comodidade nesta simples casa. Eu e Arnaldo demos berço a nossos filhos, que são respeitados por todos. Passávamos a semana na nossa vida cotidiana sem sobressaltos. Aos domingos, as missas do Padre Alaor eram disputadas, e quem não chegasse pelo menos meia hora antes ficava em pé. Nossa crença no Deus Todo Poderoso era linda, pura, era uma força que nos fazia seguir em frente. Éramos felizes, muito felizes. Até que tudo isso começou a ruir, exatamente no momento em que vocês resolveram dar as caras. Se já estavam nos visitando secretamente, que fosse. Que tivesse continuado assim: vocês resolvendo os seus problemas e nós sendo felizes. Mas não, vocês resolveram manter contato. Maldita hora em que este contato se deu com Arnaldo. A partir daquele contato, nossas vidas se transformaram da água pro vinho. Vocês vieram com mentiras, se passando por deuses tão poderosos como o nosso verdadeiro Deus. Eu não sou de ler, até me considero um pouco analfabeta. Mas Januário e as meninas leram muita coisa a respeito da possibilidade de vida inteligente fora da Terra. Quando o Padre Alaor se juntou a nós, nos forneceu verdadeiras aulas sobre o assunto. Ficávamos então imaginando como seria um encontro com seres inteligentes de outros planetas. Vocês nos convenceram que eram deuses, nos convenceram que o nosso Deus havia nos abandonado e que havia, sim, vida inteligente em outros planetas. Oh maldade, oh traição, oh crueldade, oh dor. Todos os seus argumentos foram falsidades, mentiras medonhas que, por causa de nossa ingenuidade, acabamos por acatá-las. Quando a verdade veio à tona, quão arrasador foi para nós. Lembramos então de alguns filmes de ficção científica que tinham como tema central a invasão de extraterrestres. Todos eles eram unânimes em nos mostrar seres horrendos que vinham aqui para invadir a Terra e nos destruir. Pois, eis agora, a ficção se tornando uma cruel realidade. Vocês vieram do espaço com mentiras, e com mentiras nos dominaram. E por causa das mentiras, meu amado marido foi assassinado. Ninguém, ninguém aqui até agora conseguiu entender porque usaram todas aquelas mentiras se não havia necessidade de nenhuma delas, pois bastaria lançar os seus raios da morte e nos destruir, como foi deveras feito. Que perda de tempo foi aquela, eis a questão. Pouco antes daquelas pessoas de Pico da Glória chegarem, estávamos aqui no alpendre imaginando sobre o mundo todo destruído. Não há mais TV, não há mais rádio, não há mais jornais. O mundo se transformou num silêncio sepulcral. Nada mais existe no mundo, a não ser a Vila e este povo que chegou. Oh, dor cruel, como é difícil aceitar que não temos mais os amigos que moravam longe, os parentes e apenas aqueles conhecidos que de vez em quando nos encontrávamos. Sim, homem do espaço, aqui era o nosso planeta, aqui era a nossa casa. Errado ou não, era nosso. Agora, nada mais existe. Ah, vocês me curaram um câncer. Quanta consideração. Era preferido eu ter ido embora para encontrar no além o meu saudoso Arnaldo. Eis aí, extraterrestre de nome Etnaduja, se for mesmo este o seu nome. Nada mais existe no mundo, a não ser nós daqui da Vila. Todos nós nesta casa temos um mesmo pensamento: nada mais nos resta, nada mais nos interessa. Pedimos a você que nos elimine agora e que faça do planeta o que melhor lhe convier. Bom proveito!

– Etnaduja, o planeta foi todo destruído?

– Sim, Padre Alaor, nada mais resta no planeta Terra, nem Pico da Glória. A única localidade habitada e preservada foi justamente a Vila do Córrego Dobrado.

– Dona Mabélia falou com muita emoção. Tudo o que ela disse saiu de nossos corações. Estamos agora isolados no mundo. Não há mais nada a reclamar, nada mais a contestar, pois de nada adiantará nossas reclamações e contestações. Nada mais nos resta a não ser seguir as suas diretrizes. O que temos que fazer?

– Vocês têm uma crença muito forte na Bíblia. Numa época, Deus destruiu a humanidade e o mundo se reiniciou com Noé e sua família. Já que vocês têm tanta fé naquele livro, mirem-se no exemplo de Noé e sua família. Eles foram orientados por Deus e rapidamente repovoaram o mundo. Mesmo vocês não concordando comigo, foi em vão, pois novamente o mundo se corrompeu. Não estamos na pretensão de agir como Deus. Vamos fornecer-lhes todas as condições para se desenvolverem e repovoarem o mundo. Desta vez, porém, esperamos que a nova humanidade cresça ancorada em moral e civismo. Nossa genética será fundamental para que a nova humanidade tenha sucesso e…

– Ah, ah, ah, lá vem você de novo com disparates – ponderou Januário. Gente do céu, mas é muita cara de pau. Você acaba de dizer que a genética de vocês será fundamental para que a nova humanidade tenha sucesso. Sucesso em que? Quem são vocês para falar de moralidade? Tenha dó, alienígena. Desde que vocês chegaram a nós só usaram de mentiras. E agora vem nos dizer que a sua genética será fundamental para o sucesso da nova humanidade. Só se for para o surgimento de um bando de mentirosos. Aí sim, concordo que será um sucesso.

– Por favor, Januário, queira entender…

– Não quero saber de entender mais nada. Vocês destruíram meu planeta e nos deixaram aqui como bárbaros num mundo selvagem. Voltamos à idade da pedra. Como vamos ter energia elétrica? Quem vai gerenciar as usinas hidrelétricas para que elas nos forneçam energia elétrica? Vamos voltar aos tempos de salgar carnes? Quem vai nos fornecer os bens de consumo que estávamos acostumados a ter? Não temos mais TV e rádio. O mundo é um silêncio só onde somente nossas vozes se farão ouvir. Que vida será essa? Não tenho e nunca tive pretensão para ser Noé, e muito menos a minha família. Estamos tão desorientados que até esquecemos os dois pazolianos. O que faremos com eles? Ora, ora, como muito bem disse a minha mãe, prefiro que nos matem e acabem logo com isso. Não temos motivação alguma para viver neste mundo de nada.

– Januário, entendo a sua revolta, mas não há como fugir da realidade que o cerca. A sociedade em que vocês viviam era podre. O estilo de governo era espoliador. Os habitantes daqui eram pouco assistidos pela administração municipal, que era parcamente assistida pela administração estadual, que era parcamente assistida pela administração federal. Enquanto isso, eles, que estavam no poder, se assistiam mutuamente às mil maravilhas, enviando diariamente uma banana a todos. Pagava-se para nascer. Pagava-se para viver e pagava-se para morrer. Cada habitante era um trabalhador do governo, que jogava o seu suor na terra para bancar o conforto dos nababos. Tudo era movido pelo vil metal, o dinheiro. Sem ele, nenhuma engrenagem funcionava. No geral, o mundo estava podre, precisando de uma renovação urgente. Nada disso haverá. Todos os sobreviventes formarão uma sociedade participativa. Nada, absolutamente nada a ver com dogmas políticos, tipo comunismo, socialismo e por aí vai. Será uma nova sociedade, com todas as condições de se desenvolver com conforto.

– Oh meu Deus, não consigo assimilar a ideia de que o nosso mundo não existe mais.

– Não deixa de ser estarrecedor, mas, como eu disse, não há como fugir desta realidade.

– Pois bem, estamos aqui, este povo todo, os únicos sobreviventes da sanha conquistadora de vocês. Não temos mais indústrias. Se não temos mais indústrias, o comércio não terá mais fornecedores. Não temos energia elétrica. Eis aí, a cidade está literalmente apagada. A tão famosa cadeia produtiva se foi. Não há mais produção de nada, somente consumidores. Ninguém terá mais renda. Com isso, ninguém mais terá dinheiro. Comprar com o que, e, lógico, comprar o que? Vamos viver dos queijos produzidos pelo laticínio que já não mais existe? Como vamos alimentar as vacas? Só com capim? As mercearias e padarias ainda têm algum estoque. O depósito de gás ainda tem algum estoque. Onde o povo vai arranjar dinheiro para pagar? Quando o gás acabar vamos voltar aos tempos do fogão de lenha? É isso o que vocês programaram para a gente? O reinício do mundo será na base do fogão de lenha e da lamparina, da agricultura e da caça de subsistência? Ora, tenha dó. Somando o pessoal que chegou, deve ter aqui umas 1.800 pessoas. Pois muito bem, senhor Etnaduja, quem vai alimentar este povo todo? Como vai ser a administração deste povo todo, pois, se ficarem largados por aí, cada um se verá no direito de fazer o que quiser, principalmente para encher o estômago. Não vai demorar muito e nossos rebanhos serão assaltados. Não vai demorar muito e vão invadir as mercearias e padarias. Não vai demor…

– Januário, Januário, acalme-se, tenha paciência. Não será assim como você imagina, muito pelo contrário. Vocês terão uma vida saudável e de muito conforto. Nada lhes faltarão, a começar pela energia elétrica. Hoje ainda será instalado um gerador de energia na unidade de abastecimento da Vila. O gerador tem uma bateria, desconhecida por vocês, com autonomia de cinquenta anos terrestres. Isto quer dizer que durante cinquenta anos o gerador estará em funcionamento produzindo energia elétrica a todos, sem exceção, seja aqui na Vila, seja na roça. E com um grande detalhe: sem custos, pois tudo será de todos. Haverá outro gerador idêntico, como reserva. Para manter o bom funcionamento, estará morando com vocês técnicos capacitados e ainda…

– Peraí, deixa eu ver se entendi bem. Você está querendo dizer que, além dos aqui presentes, ainda virão morar conosco gente da sua raça?

– Eu havia dito que acasalaríamos gente nossa com vocês, não se lembra? Deixei bem evidente que os casais terráqueos não gerariam filhos. Portanto, entre este pessoal nosso que aqui viverá, estarão vários técnicos, incluindo Médicos com suas tecnologias próprias, que tornarão a vida de vocês aqui num verdadeiro Éden.

– Explique melhor essa dos casais terráqueos não procriarem.

– A nossa missão é gerar a raça pazoliana. Para que esta raça tenha uma perfeita adaptação às condições climáticas deste planeta, é essencial a presença de genes humanos somados aos nossos. Por isso Mara foi inseminada com o sangue de Sued, que é o nosso comandante-mor, de nome Otap, e Sofia foi inseminada com o meu sêmen. Você será acasalado com uma bela espécime de nossa raça, e viverão felizes como marido e mulher. Vários outros homens daqui e várias outras mulheres serão acasalados também com gente nossa. A partir daí, com risco mínimo de consanguinidade, a primeira geração se acasalará formando uma segunda geração com maior carga genética nossa. Até que tenhamos autênticos pazolianos.

– E nascerão com cinco ou com seis dedos? E também com órgãos duplicados?

– Na primeira geração, vai depender muito da carga genética de cada parceiro. Haverá nascimentos de ambas as características. Quanto mais o aprimoramento genético acontecer com os cruzamentos, maior será a nossa participação, até que nascerão somente seres idênticos a nós. Faço questão de deixar bem evidente um fator importante, justamente para não gerar nenhuma dúvida quanto ao nosso posicionamento sobre raças. Como pude verificar na população da Vila, há representantes de muitas raças terráqueas: brancos, negros, índios, asiáticos e muita miscigenação entre elas. Não é nosso propósito promover miscigenação. Não se trata de preconceito contra qualquer uma das raças terráqueas, pois em qualquer uma delas há o bom e o mau representante. Nosso propósito é perpetuar as raças siuza e sedrev, que são idênticas. Aqui estamos para efetivar este objetivo. Portanto, se nosso objetivo é perpetuar a nossa raça, mais óbvio do que nunca fazermos o primeiro cruzamento com espécimes terráqueos que tenham o maior grau de semelhança conosco. Está bem entendido?

– Você disse que os casais terráqueos tradicionais não gerarão filhos?

– De maneira alguma. Serão esterilizados, mas sem perderem a condição de viverem felizes como qualquer outro casal.

– E como vai ser o tal acasalamento entre nós, Mantiqueira, e vocês? Pelo menos haverá apresentações? Eu, particularmente eu, quero primeiro conhecer a mulher alienígena antes de decidir se a quero ou não. Acredito que os outros assim pensarão.

– Perfeitamente, meu prezado. Para tanto, vamos reunir todos vocês no parque de exposição. Há espaço para todos lá. Na oportunidade, vou expor o modo como funcionará o recomeço, o início real da era pazoliana. Esta reunião será fator determinante. Nela, terei ocasião para detectar qualquer um que não esteja apto ao projeto. Antes disso, faço questão que você conheça a sua parceira, assim como Mara e Sofia os seus parceiros. Já havia adiantado que, tanto ela, como eles, aprovaram. Agora, é com vocês. Se aprovarem, fica determinado as três primeira uniões. Quanto à senhora, Dona Mabélia, já sabe que não poderá participar de geração de filhos. Portanto, não terá parceiro nosso. E quanto ao senhor, Padre Alaor, pretende ter uma de nossas fêmeas como parceira?

– Obrigado, Etnaduja, não faz parte de meus planos ter filhos no momento. E que momento. Além do mais, algo me diz que brevemente terei uma parceira que também não pretende ter filhos. Aliás, não pode mais ter filhos.

– Hum, acho que compreendi, prezado padre, e, pelo que noto em seu olhar de satisfação, a pessoa em questão também compreendeu. Ficarei feliz se assim se confirmar. Então, sem mais delongas, vou convocar os candidatos a parceiros.

Etnaduja enviou um comunicado à base. Alguns minutos depois, materializaram-se na sala uma linda e esplendorosa fêmea siuza e dois belos rapagões, um siuza e outro sedrev. O primeiro a se espantar foi Januário. Nunca, em toda a sua ainda curta vida de ser humano, havia presenciado uma mulher tão bela. Cabelos loiríssimos, sedosos, brilhantes e que desciam por sobre os ombros até os quadris. Os lábios carnudos e vermelhos formavam um conjunto perfeito com as orelhas pequenas e os olhos… oh, os olhos de tão azuis irradiavam luz. A pele, sem ele ter tocado, parecia tão sedosa como a mais pura das sedas. Braços e pernas eram tão simétricos com o restante do corpo que parecia ter sido desenhado milímetro a milímetro. Usava uma vestimenta de peça única que ia até os joelhos, branca, com mangas curtas e decote acentuado, onde transparecia um par de seios de tamanho médio, perfeitos. Mas, e os seis dedos em cada mão e em cada pé? Ora, ora, se dez dedos já seriam ótimos lhe acariciando, imagine doze? Olhando aquela estupenda e bela criatura do outro mundo, com um sorriso de tirar papa do celibato, Januário esqueceu toda a tragédia recente da Terra. O humano estava tão embasbacado que obrigou Etnaduja a intervir.

– Januário, ei, Januário, tudo bem?

– É… es…esssssa mulher aí é que vai se casar comigo?

– Se você quiser aceitá-la como esposa, sim. Depende só de você.

– Mas… mas… e… ela coooncorrda?

– Meu prezado, eu já havia lhe informado que sim. Ela sabe tudo a seu respeito. Conhece a sua personalidade e, principalmente, o seu caráter. Está encantada contigo. Então, tenho a honra de lhe apresentar , como vocês dizem aqui, a senhorita Asoivam. Se você aceitá-la, logo formalizaremos a união. E aí, aceita-a como esposa?

– Oh Deus, oh bênção, é claro que sim.

– Ótimo. Aproveitando a oportunidade, quero apresentar à Mara o siuza Osogof e à Sofia o sedrev Etnedra. Vocês duas, aceitam estes espécimes como seus esposos?

A reação das duas irmãs não se diferenciou em nada do irmão, pois os tais dois espécimes machos eram de uma beleza tal que elas ficaram, igualmente, boquiabertas e, em conjunto, perguntaram:

– E… eles se… serão os nos… nossos esposos?

– Perfeitamente, minhas caras, mas com uma única condição: somente se vocês aceitá-los. Da mesma forma que Asoivam sabe tudo sobre Januário, Osogof e Etnedra sabem tudo sobre vocês duas. E estão encantados. Portanto, só depende de vocês. Então, aceitam os dois como esposos?

– Mas… mas… é claro que sim – responderam num só ato as duas irmãs.

– Ótimo, que maravilha. Quanto me apraz verificar que a colonização do novo mundo esteja se iniciando de uma maneira tão harmoniosa. Pois bem, quanto a Januário, Mara e Sofia, tudo resolvido. Quanto a Dona Mabélia e Padre… pensando bem, acredito que já esteja no momento adequado de extinguirmos o padre. Portanto, quanto a Dona Mabélia e Alaor, caso igualmente resolvido. O próximo passo será a reunião com o povo. Nos deslocaremos agora em direção ao parque de exposições. Lá serão oficializadas as uniões perante os presentes e apresentadas as diretrizes sobre o projeto pazoliana. Vamos, pois o tempo está se esgotando para mim e para os que estão lá em cima.

– Na ex-morada celestial, agora autentica morada extraterrestre, passaram a régua nas ações a serem postas em prática. O martelo foi batido: abandonariam o Sistema Solar. Foram selecionados, na base do voluntarismo, cinquenta machos, sendo 25 siuza e 25 sedrev. Igualmente, cinquenta fêmeas, sendo 25 siuza e 25 sedrev. Só estavam esperando o comunicado para descerem. Estes seriam responsáveis por formarem casais na Terra em conformidade com as determinações de Etnaduja. Os motores de propulsão da base lunar passaram por uma revisão geral. Estavam prontos para a ignição. Todas as naves estavam perfiladas à espera do comando de partir. Só restava Etnaduja findar as determinações finais sobre o projeto pazoliana.

Em Terra, como havia sido prometido, dois potentes geradores de energia foram acoplados à estação de fornecimento da Vila. Ufa, a Vila possuía energia elétrica novamente. A multidão aguardava ansiosamente as palavras de Etnaduja. Este chegou, acompanhado da família Mantiqueira e dos semelhantes alienígenas, postando-se no palco que servia para os espetáculos musicais. O ex-Deus pegou o microfone e declarou ao novo mundo as diretrizes para a colonização.

– Prezado povo original da Vila e os que aqui chegaram. Praticamente todos vocês já estão sabendo que o planeta Terra não mais existe como conheciam. Excetuando os aqui presentes, não mais existem terráqueos na face deste planeta. Vocês, todos vocês, são os únicos sobreviventes. Alguns de vocês serão os responsáveis por povoarem o novo mundo, e a maioria por dar sustentabilidade à colonização. Talvez alguns estejam indignados com o que ocorreu. Asseguro que não há oportunidade para sentimentalismos neste momento. Levantem as mãos para o céu e agradeçam unicamente a nós por estarem vivos. Todos vocês aqui presentes foram privilegiados. Temos ciência de que muitos seres humanos de primeira linha, seres bondosos, foram eliminados juntamente com os outros que o mereciam. Não havia como salvá-los. Eles, os bons, pagaram pelos pecadores. Vocês, ah vocês, deem glória a nós por ter nas mãos a oportunidade de viver num mundo livre de podridão e perversidade. Eis aí o planeta Terra à disposição de todos vocês. Dentro de pouco tempo, estará livre, totalmente livre de impurezas. Não haverá mais qualquer tipo de poluição. Nos centros que outrora contribuíam para sujar o planeta com suas imundícies, resta ainda a marca da insensatez. Dentro de muito pouco tempo estará tão séptico como esta região. Esta nova colonização não terá qualquer tipo de crença. Aqui não há deuses, nenhuma espécie de deuses, porque, simplesmente, nunca houve e nunca haverá deuses. Nós, os siuza e os sedrev, somos raças oriundas de outro planeta. Mais nada do que isso, apenas seres vindos de outro planeta. Portanto, não somos deuses. Temos duas diferenças básicas em comparação a vocês terráqueos: seis dedos nos pés e nas mãos e órgãos internos duplos e uma tecnologia avançadíssima. Esta tecnologia avançadíssima permitirá a vocês colonizarem a nova Terra com todo o conforto possível. A finalidade básica desta colonização é aprimorar a nossa raça. Para tanto, voltando ao assunto, alguns de vocês contribuirão conosco na geração de seres mais adequadamente adaptáveis a este planeta. Os que não participarão neste quesito serão tão importantes quantos os primeiros. Em primeiro lugar pelo simples fato de terem sobrevivido. Só isso já é mais do que suficiente para se vangloriarem. Depois, participarão em igualdade de condições com todos, guardadas o devido respeito à hierarquia que será denominada. Sim, numa sociedade, mesmo onde todos são iguais em seus direitos e deveres, há a necessidade de hierarquia, pois senão vira baderna. Neste novo lar, todos trabalharão em prol do bem comum. Acredito que todos já conhecem Sued Filho e Asued. Aqui, presente a todos, eu os declaro marido e mulher. Aqui, presente a todos, eu os declaro os comandantes gerais desta nova comunidade. Eis aqui Januário. Januário será o Diretor Executivo do projeto. Eis aqui Mara e seu companheiro Osogof. Eu os declaro marido e mulher. Eis aqui Sofia e Etnedra. Eu os declaro marido e mulher. Estes quatro e mais Mabélia e Alaor serão constituídos em Conselho Deliberativo. Eis aqui a cartilha com todos os mandamentos a respeito dos direitos e deveres de cada cidadão. A partir de agora todos aqui presentes estarão sob o comando destas pessoas condecoradas. Vocês viverão neste planeta com total autonomia, desde que sigam as determinações da cartilha. O comando aqui estabelecido tem total autoridade para fazer valer as determinações. Eis aqui presentes 100 espécimes machos e 100 espécimes fêmeas da nossa raça. Eles, por livre e espontânea vontade, escolherão entre vocês seus respectivos parceiros. Todos eles são dotados de algum conhecimento técnico que serão fundamentais para a colonização. Aqueles que não forem escolhidos, serão imediatamente esterilizados, pois não ocorrerá nascimentos de terráqueos neste novo mundo. Mesmo não gerando filhos, serão de suma importância e, repito, agradeçam por estarem vivos. O planeta Terra está à disposição de todos vocês. Dentro de alguns instantes virão de nossa base todo o material necessário para o início da colonização. Se alguém tiver alguma dúvida, que a exponha agora. Quando a nossa base se retirar deste Sistema Solar, o Projeto Pazoliana estará sob total comando das pessoas aqui indicadas por mim. Bem, se não há mais dúvidas, vou me retirar para providenciar o transporte dos bens necessários. Até breve.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.

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