Depois de onze anos, Clodoaldo chegou à conclusão que seu casamento com a Leopoldina desgovernou. Mesmo lembrando muito bem da linda cerimônia realizada na Catedral de Santo Antônio e da lua-de-mel em Capitólio; mesmo recordando das inúmeras manhãs de domingo que passaram juntos aos amigos no Caiçaras; quinze Festas do Milho sem faltar uma noite sequer; concordância dual em não ter filhos até aquele momento; finais de semana isolados no sítio nos Vieiras onde o amor imperava à flor da pele; pescarias agradabilíssimas no rancho à beira do Rio Espírito Santo e mais, muito mais, não foram suficientes para manter a chama acesa.
Desanimado, pois não vislumbrava na sua outrora princesa nenhuma atitude em reverter o estado gélido do relacionamento, resolveu, na certeza do sigilo garantido, procurar um site de relacionamento usando o pseudônimo Singelo. Não demorou muito travou contato com a Delicada, de Monte Carmelo. E igualmente não demorou muito, descobriram que tinham tudo a ver um com o outro. Foram três meses de bate-papo virtual com troca de palavras mirabolantes que lavavam a alma dos dois. De cada lado, o pensamento era que finalmente haviam encontrado cada um a sua autêntica cara-metade.
Entretanto, misteriosamente, a Delicada deixou de responder. Clodoaldo entrou em desespero e pensava com seus botões:
– Pelamordedeus, quando consigo encontrar a mulher dos meus sonhos ela some.
Não, a Delicada não sumiu. Dez dias depois, ressurgiu:
– Bobinho, fiz de propósito para sentir se realmente você me quer.
E ambos queriam mais do que nunca, tanto, que já totalmente dominados por desejos muito além dos espirituais, cada um imaginando a beleza corporal que encontraria pela frente, marcaram encontro num posto de gasolina na BR-365, um meio termo entre as duas cidades. Para despistar mais ainda, ambos chegaram em carros emprestados de amigos. E numa coincidência daquelas consideradas cósmicas, quando ele descia do carro, ela estacionou ao lado. Com os olhos mais arregalados que os do Lêmure, a mulher vociferou:
– Clodoaldo, seu safado!
E ele, na bucha:
– Leopoldina, sua vagabunda!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na Década de 1920”.