PAZOLIANA − CAPÍTULO 31: REALIDADES TÉTRICAS

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

“Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”. (Bertold Brecht − 1898 – 1956)

Etnaduja iniciou o seu relato, desde o momento em que pela primeira vez os Deuses estiveram no planeta Terra. A cada esclarecimento do homem prateado, olhos se esbugalhavam, bocas se escancaravam. Dos terráqueos, pois os dois pazolianos estavam serenos e adorando aquele depoimento. Afinal, era questão de genética, e a genética deles anuía integralmente com as palavras de Etnaduja. Terminado o relato, houve um silêncio constrangedor, abafado, sofrido e com um tremendo gosto de enganação. O anjo de Sued sentou-se numa cadeira. No sofá da sala, os Mantiqueira se entreolhavam com a sensação de estarem perdidos no final de um labirinto só esperando o momento em que suas almas fluíssem para um mundo onde havia somente trevas. Cabisbaixos, lutavam contra a vontade de voarem no pescoço daquele falso deus. Mas como? Como lutar contra um ser dotado de poderes extra corporais sendo eles simplórios terráqueos cujas mentes e músculos não passam de substâncias inócuas quando frente a frente? Pobres terráqueos! O que fazer? Rebelar contra tudo e contra todos os invasores alienígenas amparado nas mãos de Deus? Deus, então tu nunca existiu? Por que fizeram isso conosco, por que fomos enganados? Depois de um infinito tempo, Januário teve forças para pronunciar inicialmente apenas duas palavras:

– Por quê?

– Prezado Januário, prezada família Mantiqueira, temos muito respeito…

– Respeito, Etnaduja, respeito? Depois de tudo o que fizeram conosco e com as outras pessoas você ainda diz que nos respeita? Gente do céu, não pode ser verdade que isto esteja acontecendo.

– Minha família, minha mãe, o que serão deles? – perguntou Mabélia desesperada.

– Não se desespere, Dona Mabélia, nenhum de seus parentes será afetado. Breve estarão aqui, por questão de respeito a vocês. Tudo foi planejado e assim será.

– Ora, por favor, não nos humilhe mais ainda – atalhou Padre Alaor. Fomos manipulados como fantoches, como bibelôs. Não passamos de brinquedinhos em suas mãos. Deuses! Ainda por cima nos vem com essa de que Deus nunca existiu. Depois de tantas mentiras por que ainda continuar com mais mentiras?

– Tudo isso é questão de um ponto de vista que interessa a nós. Preste atenção, Padre Alaor, estamos aqui eliminando um monte de vidas desregradas; estamos aqui com uma enormidade de naves prontas a acabar com todos os terráqueos e assumir o planeta Terra como nosso. Estamos aqui há muito, muito tempo. Onde está o seu Deus? Por que ele não intervém a favor de sua Criação? Diga, Januário, onde está o seu Deus? Vá, ajoelhe-se, vocês e toda a família, vocês e todo o planeta, vão, implorem a Deus que venha imediatamente para salvá-los contra nós, seres monstruosos, assassinos e até, por que não, a mando de Satanás. E então família Mantiqueira, onde está o Deus de vocês?

– Não diga nada a respeito de nosso Deus. Já tínhamos acreditado em todas aquelas palavras que você proferiu sobre a sua retirada. Foi difícil engolir a realidade de Deus ter nos abandonado. Mas você disse tanta coisa relacionada a Ele, mas tanta coisa, que acabou por nos convencer. Nos convenceu justamente pelos seus poderes. Paz! Lírios da paz! Maldição! Apregoou a paz para nós, vocês, apregoaram a paz para nós. Garantiram uma imensidão de vezes que a Terra seria dominada pela paz que traziam. Agora estão nos matando sem dó nem piedade. Ainda por cima nos chega dizendo que Deus nunca existiu e que vocês são extraterrestres. É inconcebível, é fora de propósito tudo isso que vocês fizeram a nós. Por que nos enganaram assim? Por que usou de nossa fragilidade e de nossas crenças para alcançar seus objetivos? Teria sido melhor nos eliminado e pronto, teria o planeta todinho à sua disposição.

– Januário, não tem mais volta. As nossas naves continuarão a eliminar os terráqueos até não restar um que seja. Sim, paz, de uma forma ou de outra eu não faltei com a verdade, pois a paz prevalecerá. Dentro em pouco a paz será o mote principal da nova era. Vocês não têm noção de como a humanidade está perdida. Apesar do avanço dos tempos, das sociedades evoluídas e das tecnologias voltadas para melhoria da qualidade de vida, o ser humano tornou-se tremendamente individualista, orgulhoso e ambicioso. Nos dias dolorosos da provação, durante as crises mais intensas, parece faltar-lhe força e fé, companhia e apoio. O embotamento psicológico, o atender a exigências vãs, o estagnar expectante de oportunidades melhores morrem nos nascedouros. As autoridades no passado lutaram incessantemente para repassar uma vida mais humana e ideal. Enfrentaram guerras, conflitos internos, os poderosos, as oligarquias, revoltas, embargos, discriminações, mas parece que essa luta titânica foi em vão. Os homens deveriam pensar assim: Você é um poço de bondade e quanto mais se retira dele a água do consolo, mas ele se enche de bênçãos de vida. Hoje, infelizmente, a água do consolo foi transformada em corrupção e não existe poço para suportá-la¹. Os valores humanos são escassos, praticamente inexistem. Não é só neste país onde instalaremos a era pazoliana. Tudo o que eu disse acima está grassando em todo o planeta, com as raríssimas exceções, é evidente. Por causa disso, mata-se friamente em nome de Deus. Mata-se candidamente por causa de um par de chinelos. Com as devidas exceções, os humanos vivem de si para si mesmos, cada um defendendo os seus interesses e se lixando para o próximo que está ao seu lado. Milhões de pessoas morrem de fome a cada ano e…

– Tá bom, tá bom, pare com essa ladainha toda sobre os podres do mundo, pois vocês só enxergaram podres no mundo, até parecendo que nada de bom existe por aqui. Ora bolas, quanta coisa boa existe por aqui, quantos lugares maravilhosos e quantas pessoas de bom coração. Agora, bem, nada mais existe. E você quer que a gente encare isto com naturalidade?

– Não se esqueça de que a natureza do planeta está praticamente intacta e com o tempo estará totalmente restabelecida em sua beleza natural. Vocês são os herdeiros e…

– Sim, muito bem, somos os herdeiros, que maravilha, que coisa fantástica. Somos agora os únicos habitantes da terra resultante de um plano que estava estabelecido há muito tempo, quer dizer, há muito tempo já estava estabelecido que vocês aniquilariam com os humanos para se apossarem da Terra e nós estamos fazendo o papel de Noé e família.

Por que, por que toda aquela perda de tempo em se passarem por Deuses? Por que todas aquelas imagens que mais pareciam sonhos? À toa, medonhamente à toa, nos fizeram de bobos, de idiotas. Por que toda aquela parafernália de clarões, luzes e encontros no meio de uma mata encharcada pela chuva? Quantas vezes nos fizeram sair no meio de um temporal para embrenharmos no mato. A troco de que? Por que converter a população por meio de luzes? Por que a trabalheira toda de construir um laticínio de leite? Sim, está o laticínio a plenos vapores, com vendas expressivas e o primeiro contrato de exportação fechado. Para que? Está lá o programa na Rádio Clube de Pico da Glória enaltecendo o Deus Sued. Para que? Tudo à toa, tudo conversa jogada fora. E agora, seremos mortos também como estão sendo todos os outros? É assim que vocês procedem com todos os seres que encontram pelo Universo? Ah, todos menos Aseud e Sued Filho, não estou certo?

– Já disse e não vou me cansar de repetir que vocês são os herdeiros e não serão mortos, e muito menos os outros convertidos. Não foi tão em vão assim. A fábrica de laticínios será de fundamental importância para produzir alimentos no início dos novos tempos. O projeto pazoliana poderá ter continuidade desde que vocês, Mantiqueira, se atentarem para a nova realidade.

– Meu Deus, eu não me conformo com aquela ladainha de palavras que você usou para me convencer que Deus havia nos deixado e que os textos da Bíblia não dizem a verdade. Quanto tempo perdido. Todas aquelas palavras jogadas ao vento, e meu saudoso pai, sim, ele morreu por causa de vocês. Sim, por causa de toda esta mentirada de vocês meu pai foi assassinado. Mentiras, e ainda por cima têm a cara de pau de afirmar que a nossa Bíblia é uma mentira. Blasfêmia, isso sim, blasfêmia. Olhe, Etnaduja, olhe bem para minha mãe e minhas irmãs. Vejam os seus semblantes. Parecem até dopadas, tamanho é o estupor por causa desta imundície que você nos aprontou. E os seus filhos? Veja, não estão nem aí. É, são extraterrestres como vocês, certo, por isso estão se lixando para as nossas mágoas. Vá, se vão eliminar a vida humana no planeta que acabe conosco também agora, vá… vá…

– Januário, você não prestou atenção no que eu disse e…

– Poxa, não prestei atenção no que você disse? Só se for agora, pois o que eu e todos nós fizemos desde que te conhecemos foi prestar atenção no que disse. Todos nós. E no que deu nós termos prestado atenção em tudo o que disse até agora? Meu pai foi morto e fomos encharcados de mentiras e…

– Esqueceu que salvamos a sua mãe que morreria em poucos meses?

– Está querendo pagar os teus erros com a cura de meu câncer? – perguntou Mabélia, visivelmente transtornada.

– Dona Mabélia, o projeto pazoliana é real desde o início. Tudo foi programado para que vocês fossem os nossos parceiros. Sim, vocês conviverão conosco aqui na Terra, vocês, os escolhidos. O problema, o grande problema, é que o planeta está todo poluído por causa da insensatez dos humanos. A humanidade está podre. Com as devidas exceções, é óbvio. Sim, há no planeta muitas pessoas dignas de estarem conosco. Mas, infelizmente, não temos como sair em busca de cada uma destas pessoas. Infelizmente, estas boas pessoas estão sendo eliminadas juntamente com a escória. Não só os humanos estão degradados, mas a estrutura física do planeta está poluída, corrompida pela ação predatória do homem. De maneira alguma temos como habitar este planeta nas condições em que se encontra. Eliminando os humanos, em pouco tempo toda a natureza se regenerá e estará límpida e cristalina à nossa disposição. Aí poderemos, nós e vocês escolhidos, habitar um mundo puro onde reinará a paz. A humanidade, infelizmente, desde que surgiu só produziu catástrofes, tanto para eles mesmos quanto para a natureza. Não, Januário, sinceramente, o homem não é digno de viver neste planeta.

– Mas por que, afinal de contas, por que vocês pregaram a paz e depois usaram as armas?

– No início nossa intenção era justamente uma chegada pacífica. Ao estudar a história do planeta, detectamos que desde os primórdios o que dominava a mente dos terráqueos era a inveja, o ódio, a sede de poder e dominação do próximo e que existia uma maneira mórbida que eles usavam para aprisionar as pessoas, a religião. Vocês não imaginam a imensidão de crimes que se cometeram em nome de Deus, um Deus que nunca existiu e que foi usado justamente para a dominação das mentes. Tudo foi feito de maneira tão maléfica e constrangedora que constrangeu até a nós.

– Como vocês ficaram sabendo de tudo isso?

– Desde a nossa chegada temos gente infiltrada entre os humanos, participantes em pontos estratégicos, como bibliotecas espalhadas pelo planeta. Com os nossos estudos, a cada dia foi nos ficando tácito que a humanidade era podre. Quanto a Deus então, a cada descoberta ficávamos pasmos. Mas parece que não é esse Deus que se mostra ao longo da história do povo do Antigo Testamento. Um Deus que castiga a iniquidade dos pais nos filhos, e nos filhos dos filhos, que condena ao extermínio povos inteiros pode ser o Deus compassivo? A crença na existência de vida ultraterrena foi ignorada durante muitos séculos. Ela aparece explicitamente com a literatura sapiencial, relativamente tardia. Como seria possível que Deus escondesse durante tanto tempo verdade tão importante? Embora já houvesse elementos dentro da religião de Israel que apontavam para esta direção, os israelitas não foram desde o início monoteístas, mas monólotras (adorar um Deus, sem com isso deixar de reconhecer os outros). Ora, como conceber que a auto revelação de Deus comece com a aceitação, mas ou menos tácita, mas palpável, do politeísmo²?

– Pois então, por que toda a encenação sobre religião? Para eliminar os humanos precisava toda aquela ladainha sobre Deus? – voltou a falar Januário. Quantas conversas tivemos onde você contou uma imensa história sobre a fuga de Deus. Precisava disso tudo? Já sei, estão querendo dar uma de Deus como no caso do dilúvio. Sim, vocês consideram que a humanidade está corrompida, assim como Deus o percebeu naquela época. Sim, Deus resolveu aniquilar aquela humanidade podre para recomeçar tudo de novo. Sim, vocês, se considerando Deuses, estão enviando um novo dilúvio, mas não de água, e sim de raios mortíferos. É isso?

– Sim, e não, Januário. Primeiro, nada foi em vão. Segundo, não estamos nos comportando como Deus. Não há nenhuma conotação dilúvica nesta nossa destruição da humanidade. Nada a ver, pois não temos nada com um ser que nunca existiu. Diga-me, com sinceridade, se tivéssemos nos apresentado como seres de outro planeta vocês teriam nos aceito com tranquilidade? Claro que não! Com a crença que tinham em Deus nós seríamos sumariamente rejeitados. Sendo assim, poderíamos ter usado a força e acabado logo com o problema. Acontece que naquele momento só tínhamos duas naves disponíveis e somente com estas duas naves não poderíamos efetuar o serviço, além do que o uso de armas nucleares por parte dos terráqueos poderia causar danos ao planeta. Então resolvemos iniciar a colonização do planeta com alguns representantes de vocês. Por isso, usando as suas palavras, houve toda aquela ladainha sobre Deus. Precisávamos, mais do que nunca, fazer-lhes acreditar que nós éramos Deuses. Lembre-se daquela nave que veio quando o exército estava na Vila? Não éramos nós, e sim outro povo que conhecemos há muitos séculos.

– Quer dizer então que além de vocês existem outros extraterrestres aqui?

– Sim, Januário, e estes outros eram nossos inimigos de longa data. Eles vieram para arrasar a Terra. Não permitimos e nossos comandantes estavam em luta para decidirmos o futuro do planeta quando, por um acontecimento fatídico do destino, acabamos nos tornando aliados. Este acontecimento fatídico é mesmo fatídico, pois a nossa base está correndo um grande perigo.

– Eles vieram com a intenção de nos arrasar e vocês impediram. Ah, ah, ah, só dando muitas risadas sobre o que você acabou de dizer. Vocês impediram os outros de nos arrasar. Muito bonito, Etnaduja, como são gentis. Ora bolas, tenha dó. Afinal de contas, o que vocês estão fazendo neste exato momento? O óbvio, que é arrasando a Terra. Então, ah, ah, ah pra você. Quer dizer, os caras chegaram para atrapalhar os seus planos, isso sim, e agora um perigo real os ameaça. Ótimo, que ela exploda junto com todos vocês e assim a Terra se vê livre de seres nefastos para voltar à normalidade.

– Posso continuar?

– Sim, pode tossir aí mais um monte de mentiras. Aliás, é melhor que não diga mais coisa nenhuma e suma de nossas vistas. Já que estamos mesmo condenados à morte, isto é, tanto faz morrer agora como daqui a algumas horas ou dias, que se danem todos vocês. E, por favor, levem estas duas criaturas consigo, pois elas não pertencem às suas mães.

– Espere, Januário, você precisa saber que há um real perigo para nós e até para a Terra. Sobre os outros alienígenas, se eles tivessem invadido a Terra nem vocês teriam sobrevivido, pois a intenção deles era zerar a população de terráqueos. Muito diferente de nós, que escolhemos vocês para, conosco, repovoarmos o mundo. Sobre o perigo ele poderá, até, modificar os nossos planos e sermos obrigados a nos retirar daqui.

– Como é que é?

– Tenha um pouco de paciência, pois vou lhe contar agora tudo sobre nós e sobre os outros, e qual é o real perigo que nos ameaça, a nós extraterrestres e a vocês deste planeta.

Etnaduja expôs aos presentes a história dos siuza e dos sedrev. Contou sobre o inesperado encontro, o duelo entre Otap e Opas, o encontro da nave Sise em Marte, as criaturas gelatinosas, as consequentes mortes e a recente ameaça das criaturas microscópicas. Enquanto os Mantiqueira ouviam assombrados, na base siuza os alarmes vermelhos soavam em cada compartimento. Na sala de reunião, a equipe de comando traçava os planos de ação, enquanto as naves continuavam a eliminar humanos e mais humanos, juntamente com construções e mais construções. O caos estava presente no solo e nas alturas. No solo, bases militares abriam as bocas ansiosas e vomitavam mísseis atômicos teleguiados a torto e a direito. Uns seguiam o caminho torto e vislumbravam suas luminescências insignificantes nas trevas do espaço. Outros seguiam a direito e encontravam o nada. Balas de todos os tipos e formatos coriscavam os metais e se perdiam no nada. Tudo o que havia sido desenvolvido pelos pródigos humanos com a finalidade de matar fora arremessado contra os Deuses. Nada.  As tecnologias explosivas e destruidores dos terráqueos não conseguiam alcançar a ligeireza dos pássaros de aço estrangeiros, que os encaminhavam para a rota do sol, onde mostravam as suas belezas insípidas. Os homens de divisas e suas línguas trombavam uns nos outros com olhos vermelhos de tensão e medo, cada vez mais na certeza de que, desta vez, finalmente, uma previsão do fim do mundo se estabeleceria. Os fiéis adeptos de tal religião e mais daquela outra procuravam seus nobres guias espirituais em busca de respostas. Elas vinham, como sempre, na base da culpa, da espoliação, do resgate e até, quem diria, do Armagedon. Sim, Satanás fora libertado por Cristo para atazanar a vida daqueles que já estavam condenados a queimar nas chamas do inferno. Depois, ah, depois, seria a glória para os puros que ficariam isentos da fúria do Deus odioso e perverso. Mas, ah, quantos que se consideravam puros e prontos para serem resgatados pelo filho de Deus estavam sendo dizimados pelo belzebu. Não, não, mil vezes não, por que estou sendo condenado se tenho certeza absoluta que sou puro? Oh, nós, dos 144.000 protegidos, por que estamos sendo engolidos pela sanha assassina da besta? Não, oh, ah, onde está você Deus, Você que nos prometeste a salvação? Era o caos no solo. Era o caos no espaço. Era o caos nas mentes dos Mantiqueira. Era o caos na língua de Etnaduja. Era o caos na missão do comandante Opas, que, de repente, se viu com alguns de seus homens apresentando sintomas nervosos considerados fora do padrão normal de comportamento. Uma mensagem foi disparada com a velocidade dos sentimentos exacerbados. Enquanto ela ia de encontro a Otap, na base siuza a chapa estava em chamas por causa das primeiras mortes daqueles que estavam confinados.

– Como explicar estas mortes? − perguntou Otap.

– Comandante, talvez haja uma explicação plausível – disse um médico – e esta explicação pode ser a nossa ruína. Vamos tentar concatenar as ideias. Tudo começou com as criaturas gelatinosas. Um dos nossos foi ferido por uma delas. O colega legista teve contato direto com o comandante Surtap, que já estava contaminado. O grande problema são aqueles seres microscópicos, que ainda não conseguimos catalogar. O siuza foi contaminado por elas assim como o colega legista. De uma forma ou de outra, ainda não sabemos, houve uma falha na segurança que permitiu que as criaturas contaminassem outros. A grande verdade é que, não só as naves, mas toda a base está sendo contaminada aos poucos, o que…

– Comandante, comandante, mensagem urgente do comandante Opas – falou um sedrev adentrando à sala.

– Sabem o que diz este comunicado? É trágico, tremendamente trágico.

– O que é, comandante, diga logo.

– Tome, leia vocês mesmos. Convoquem Etnaduja imediatamente.

Muito antes da mensagem ter chegado à base lunar, Etnaduja estava tentando conciliar as suas verdades com a capacidade de absorção mental da família Mantiqueira. Esta ouviu tudo sobre os siuza, os sedrev e a novidade Sise. Estava difícil aceitar todas aquelas verdades.

– Eis tudo sobre todos nós, prezados amigos, espero que tenham compreendido, principalmente que, se aqui não estivéssemos, os sedrev teriam chegado e destruído o planeta.

– Ora, ora, ora, não venha me fazer rir novamente – disse Januário cada vez mais irritado. Pois sim, eles teriam nos destruído. Então, vocês intervieram e não deixaram eles nos massacrar. Pura inutilidade, pois vocês estão fazendo exatamente o que eles queriam fazer. E estas criaturas microscópicas que não existiam aqui? Sim, por causa de vocês, que tiveram a infeliz ideia de vir para cá, agora estamos correndo risco. Ah, ah, ah, risco de que? Delas nos contaminarem e por causa disso causar a nossa morte? Oh, meu caro homem prateado, nós morremos desde o dia em que nos encontramos. Agora, tanto faz com vocês ou com estas criaturas, a verdade é que o mundo acabou. Santo Deus, onde estás que não nos ajuda?

– Entenda de uma vez por todas que não há Deus, nunca houve Deus. Isso tudo foi…

– Mas… então… se não houve um Deus para criar o nosso mundo e o Universo como começou… como… como se deu o início de tudo? – perguntou um abismado Padre Alaor.

– Você sabe que a palavra teoria significa princípios básicos e elementares de uma arte ou ciência e o sistema ou doutrina que trata desses princípios. Melhor dizendo seria o conhecimento especulativo considerado independente de qualquer aplicação. Ou ainda o conhecimento que se limita à exposição, sem passar à ação, sendo, portanto, o contrário da prática. Enfim, teoria é conjectura, é hipótese. Portanto, não existe uma verdade absoluta sobre a origem do Universo e seus acessórios. Nós temos as nossas teorias, assim como cada povo espalhado pelas infinitas galáxias tem as suas. Algumas se assemelham, chegando a serem idênticas, outras são completamente diferentes. Até vocês, terráqueos, têm uma teoria sobre o assunto, a chamada Grande Explosão, ou Big Bang na língua inglesa. Ela foi anunciada em 1948 por George Gamow, um cientista russo naturalizado americano, e pelo padre e astrônomo belga Georges Lemaitre. De acordo com os dois, o Universo teria surgido após uma grande explosão cósmica, entre 10 e 20 bilhões de anos. Pois bem, meu caro Padre Alaor, e aí, explica alguma coisa? Vamos supor que assim foi. Mesmo assim fica outra dúvida, mais terrível que a primeira: como surgiram os elementos que provocaram esta grande explosão? Resumo de tudo: os dois não disseram absolutamente nada e a origem do Universo, tanto para nós quanto para qualquer um, vai continuar sendo, eternamente, teoria.

– E como surgiram vocês?

– Mais teorias, meu caro, mais teorias. Prefiro não discutir este assunto porque não vamos chegar a lugar algum. Nem nós, seres altamente desenvolvidos tecnologicamente, sabemos como surgimos no Universo. Temos teorias, somente teorias. A única verdade absoluta que posso passar a você é que nenhum dos seres vivos presentes no Universo teve alguma coisa a ver com o Deus de qualquer uma das inúmeras religiões presentes neste planeta.

– É duro, muito duro… é difícil… é… é… como aceitar isso?

– Simplesmente aceitando, não lhe resta alternativa. Neste exato momento a Terra está sendo destruída pelas nossas naves. No início, eram apenas cinco, agora são mais de cem. Nenhuma arma, nenhuma tecnologia humana pode nos afetar. Dentro de poucos dias, não haverá mais humanos na face deste planeta, com exceção de vocês e de outros convertidos. Estes viverão em paz na Terra conosco, e vocês Mantiqueira estarão conosco no comando. Portanto, raciocine e… sim, sim, entendi, já estou subindo.

Etnaduja acabara de receber o chamado de Otap. Explicou que a convocação estava relacionada com aquele grande perigo das criaturas microscópicas. Despediu-se, solicitando aos presentes que raciocinassem muito a respeito e que aceitassem a situação, pois não haverá mais volta, isto é, os humanos seriam totalmente aniquilados, mas que contava com eles. Deixou a mensagem de que breve estaria de volta para continuar a conversa. A família Mantiqueira, juntamente com Padre Alaor, não perdeu tempo para discutir sobre tudo o que ouviram.

* 1: Palavras de Antonio Paiva Rodrigues.

* 2: Do livro “Este Cristianismo Inquieto”, de Afonso Murad.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.

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