CONSUMO EXCÊNTRICO

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

É o tipo do sujeito que leva tudo ao pé da letra, e ainda por cima é sistemático pra caramba. Esse é o Jeancarlos, um aposentado e solteirão que morou muitos anos ali pertinho da Praça Antônio Dias. Em frente ao dito logradouro, há dois restaurantes, um ao lado do outro. Neles, o Jeancarlos, de segunda a sábado − domingo ele almoça na casa de uma irmã −, irrepreensivelmente às onze e quarenta e cinco da manhã, busca sua marmita para saboreá-la em casa. Mesmo morando hoje um pouco além do Mercado Municipal, ele faz questão de ir caminhando até os dois restaurantes para comprar o almoço na seguinte metodologia de consumo: às segundas, quartas e sextas, o almoço saia de um, e nas terças, quintas e sábado, do outro. Aí veio o Covid-19, e tudo mudou.

A solução foi pegar a sustância alimentícia num pequeno restaurante localizado dentro do Mercado Municipal. A propósito, o Jeancarlos segue direitinho as regras sanitárias… desculpe, a palavra coqueluche desse tempo é protocolos. Então, ele segue os protocolos como manda o figurino e assiste a todos os programas jornalísticos da TV para ficar por dentro de tudo. Enquanto isso, os doutores entendidos no assunto da pandemia, as autoridades, que estão mais perdidas que cego em tiroteio, e que fica nessa de abre comércio, fecha comércio, quer dizer, cada dia eles mudam os tais protocolos, soltou uma determinação a respeito de restaurantes. Óbvio, o Jeancarlos grudou aquilo nos neurônios e no outro dia lá estava ele cumprindo-a.

Há pouco, um amigo o presenciou numa atitude excêntrica, para não dizer fora de propósito. Jeancarlos estava na garupa de uma moto de um dos restaurantes simplesmente… almoçando. Ora, esse amigo não se conteve e mais tarde foi até a casa dele em busca de explicações sobre aquela cena insólita.

– O que deu em você, comendo um marmitex na garupa de uma moto? Ficou louco?

– Qualé, cara, eu estava apenas respeitando o protocolo sobre comida de restaurante. É, o serviço agora é chamado de consumo delivery. E o que é delivery? Não é entrega em domicílio? Então significa que só posso comer comida de restaurante durante a entrega em domicílio. É o que estou fazendo, entendeu?

Não, o amigo não entendeu, e por isso fez questão de comunicar à irmã o estado insano do irmão. É, esse Covid-19 quando não mata, aleija!

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na Década de 1920”.

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