A doença renal crônica (DRC) define-se como uma síndrome clínica caracterizada pela perda progressiva das unidades funcionais dos rins, os néfrons, que evolui por um período extenso, geralmente por meses ou anos. O desafio desta doença é que os sinais clínicos não são evidentes até que haja uma perda de 67 a 75% dos néfrons, estágio em que os rins perdem sua capacidade compensatória. É considerada a maior causa de morbidade e mortalidade em cães e gatos. Nestes, estima-se que a doença ocorra em cerca de 10% da população felina como um todo, podendo afetar mais de 30% dos gatos acima de 10 anos de idade. A etiologia geralmente não é passível de ser descoberta, mas sabe-se que pode ter origem familiar, congênita ou adquirida. Causas potenciais para o desenvolvimento incluem: injúria toxica, hipóxia, obstrução de trato urinário superior, glomerulonefrite e infecções. Doenças de origem genética como doença renal policística, comum em gatos da raça persa, neoplasias como o linfoma e a nefropatia hipercalcêmica também são causas importantes da DRC em felinos.
As manifestações clínicas se tornam evidentes na dependência do grau de comprometimento das funções dos rins. A perda funcional de 2/3 dos néfrons já é responsável pela perda da capacidade de concentrar a urina pelos rins. Isto resultará no aumento do volume da urina, que estará mais diluída, clinicamente manifestada por poliúria e consequentemente no aumento da ingestão hídrica (polidpsia) pelo paciente em compensação ao excesso de urina eliminada. Esta é uma das razões pela qual os pacientes com DRC são propensos à desidratação. Com a redução progressiva da quantidade de néfrons, e perda funcional de 3/4 da função renal, ocorrerá queda da taxa de filtração glomerular e os produtos provenientes da degradação que normalmente são excretados pelos rins deixam de ser filtrados e se acumulam na circulação. Os metabólitos mais importantes que se acumulam são a ureia e a creatinina, que caracterizará o quadro clínico chamado de uremia. Alguns dos sinais clínicos associados à uremia são anorexia, letargia, perda de peso, vômito, diarreia, hemorragia gastrointestinal, estomatites ulcerativas e halitose (com odor amoniacal). Desequilíbrios acido-básico e de eletrólitos também são algumas das consequências da DRC. A perda de potássio pela urina resultará em hipocalemia, manifestada clinicamente por fraqueza muscular, nos gatos classicamente com ventroflexão cervical. Já o acúmulo de fósforo no sangue contribuirá para piora dos sinais clínicos do paciente bem como para a progressão da doença. A menor excreção de íons hidrogênio contribuirá para o quadro de acidose metabólica no paciente renal e piora do quadro clínico.
Como mecanismo de compensação à perda da função renal, haverá ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). A liberação de renina pelos rins em resposta a baixa perfusão, levará a conversão da angiotensina I em angiotensina II que resultará entre outras ações, na vasoconstricção e consequentemente aumento da pressão arterial. No entanto, a ativação crônica do SRAA é uma das responsáveis pela hipertensão arterial sistêmica (HAS), alteração comum em pacientes com DRC. A HAS poderá acarretar lesões nos chamados órgãos-alvo (principalmente sistema ocular, sistema nervoso central e coração). O exame de fundo de olho é uma excelente ferramenta para identificar os primeiros indícios de lesões relacionadas à HAS nos olhos. A vasoconstricção da arteríola eferente ocasionada pela ativação do SRAA resulta em aumento da pressão no glomérulo que em longo termo provocará dano aos mesmos. O dano glomerular progressivo resultará em perda de substâncias que deveriam ser retidas como as proteínas, levando a um quadro de perda proteica pela urina, a proteinúria. Evidências recentes demonstram que a proteinúria contribui para a progressão da DRC e com maior índice de mortalidade entre os pacientes. Outra função importante dos rins é a produção do hormônio eritropoetina (EPO), responsável pela produção e liberação das hemácias pela medula óssea. A perda da função renal resultará em menor produção da EPO e consequentemente estes pacientes inevitavelmente se tornarão anêmicos com a progressão da doença. O diagnóstico da DRC se baseia no histórico, nos achados de exame físico e dos exames laboratoriais.
Embora a DRC não tenha cura, o diagnóstico precoce e o manejo adequado em acordo com os guias internacionais de estadiamento clínico da doença, contribuem com um melhor prognóstico e com a melhora na qualidade de vida do paciente, que poderá viver anos com a doença. Leva-se em consideração que a população de gatos tem aumentado exponencialmente no Brasil e hoje segundo dados do IBGE já chega a cerca de 22 milhões de felinos domiciliados. Além disso, de acordo com estudos recentes, os animais de estimação tem dobrado sua expectativa de vida e o aumento da prevalência de doenças crônicas como a DRC se tornam rotina cada vez maior nas clínicas e hospitais veterinários.
* Fonte: Revistanossoclinico.com.br.
* Foto: Vidasde4patas.pt.