CISTITE INTERSTICIAL FELINA

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AUma das doenças que acometem os gatos domésticos e que tem sido bastante estudada é a doença do trato urinário inferior de felinos (DTUIF), especificamente a Cistite Intersticial Felina (CIF). A CIF tem grande importância em função do quadro clínico que o animal apresenta e principalmente por ser uma doença crônica, de urgência e de causa ainda desconhecida, o que vem interferir na obtenção de um tratamento específico que possa levar a cura ou a prevenção ao desenvolvimento da mesma. Por não ter uma causa elucidada tem sido uma doença intrigante aos Médicos Veterinários. Tal evento dificulta a definição de uma terapêutica específica de forma a solucionar a doença que se torna recorrente em muitos casos, limitando os profissionais a um tratamento baseado nos sintomas. Além disso, a CIF tem chamado bastante atenção pelas semelhanças encontradas com a Cistite Intersticial Humana.

A Doença do Trato Urinário Inferior de Felinos (DTUIF) pode ser subdividida em dois grupos: o de pacientes que desenvolvem um processo inflamatório das vias urinárias acompanhado da presença de minerais com formação de cálculos renais e o outro grupo de pacientes que desenvolvem a doença em função de agentes infecciosos, traumas, neoplasias e de etiologia ainda não elucidada. A Cistite Intersticial Felina (CIF) caracteriza a DTUIF de etiologia desconhecida, sendo uma síndrome de dor pélvica crônica, debilitante, multifatorial e de urgência médica. Alguns autores, entretanto, defendem que os felinos desenvolvem obstrução uretral associado a CIF possivelmente secundária ao processo inflamatório. A presença da obstrução implica em maior atenção ao paciente por parte do proprietário e do Médico Veterinário, pois pode levar o animal a um quadro clínico mais agravante, na qual a bexiga se dilata além da sua capacidade habitual e com o aumento da pressão intra-vesical a urina retida ascende novamente aos rins, podendo evoluir para dilatação destes órgãos, presença de ureia ou de outros compostos nitrogenados no sangue e até mesmo ruptura vesical com extravasamento de urina para o abdome. O felino tem o diagnóstico de CIF a partir do quadro clínico único ou podendo apresentar recidivas de sangue na urina, dificuldade de urinar, eliminação de grande volume de urina num dado período e através do exame clínicos.

Em relatos de trabalhos, os felinos que desenvolveram CIF foram diagnosticados com Doença do Trato Urinário Inferior Idiopática Não Obstrutiva ou Doença Idiopática do Trato Urinário Inferior de Felinos – DITUIF ou ainda Cistite Idiopática Felina, e em alguns casos Síndrome Urológica Felina – SUF. Entretanto, alguns trabalhos utilizaram a nomenclatura de SUF como sinônimo da DTUIF, para animais que desenvolveram cistites, uretrites e/ou descida de cálculos renais, não especificando a CIF. Recentemente, os gatos domésticos que desenvolvem a Cistite Intersticial Felina são diagnosticados também dessa forma, por serem encontrados relatos na literatura que relacionam essa doença com a Cistite Intersticial Humana. Em humanos, a CI é também uma síndrome de urgência médica, sendo que a etiologia e a fisiopatologia da CI ainda não estão totalmente esclarecidas. A doença acomete principalmente mulheres entre 30 e 45 anos, que apresentam micção anormal, dor pélvica crônica, além de dificuldade para urinar, necessidade de urinar várias vezes à noite, com ausência de infecção e presença de úlceras vesicais. Quando diagnosticada a patologia, são realizadas terapias na tentativa de minimizar os sintomas desenvolvidos pelos pacientes com CI, não existindo medicação curativa de forma a solucionar o problema.

A CIF normalmente acomete felinos jovens, entre dois e quatro anos, sendo infrequente em gatos com mais de 10 anos e não existindo predileção racial A idade média dos animais diagnosticados com CIF foi de 6 anos, com variação entre um e 14 anos, sendo a predileção muito maior para machos. Os gatos domésticos com alteração no trato urinário inferior geralmente desenvolvem manifestações clínicas similares à dor. Os proprietários relatam a presença de sangue na urina, tentativas dolorosas para urinar com consequente eliminação de grande volume de urina num dado período, micção fora da caixa de dejetos ou fora do local habitual do animal.

O fator de risco que favorece ao desenvolvimento da CIF em gatos domésticos é o estresse. Num caso clínico, o animal apresentava dificuldade de urinar e sangue na urina com três meses de duração. Além disso, foi observada a forma de eliminação da urina pelo animal que se apresentava agitado associada com vocalização. Através do exame clínico foi possível observar pela palpação uma tensão abdominal, no qual a bexiga apresentava enrijecida com tamanho moderado. Após duas semanas o animal retornou ao hospital veterinário apresentando dificuldade de urinar, o que representava uma recidiva da CIF. Diante do histórico de vida do animal foi possível perceber o grau de estresse no qual ele estava exposto, pois há pouco tempo havia se mudado com seus donos para um local onde a presença de outros gatos era constante, diferente da casa onde morava com mais liberdade e acesso ao quintal. As causas do estresse podem ser em função de vários fatores. Num outro caso clínico, o animal ficou separado da dona por período de uma semana, seguida por mudança de ambiente quando a proprietária viajou novamente e levou o animal. Em ambas as situações o felino apresentou cistite de caráter emocional. Em outro caso, a separação do filhote de sua mãe foi um fator que a levou ao quadro de CIF. Os proprietários devem evitar que seus animais sejam submetidos a situações adversas, pois uma simples mudança na dieta ou manejo higiênico podem estressá-los.

Atualmente as pesquisas científicas mostram evidências do papel central dos mastócitos (célula grande, do tecido conjuntivo, contendo granulações basófilas) na fisiopatologia da CIF, sendo importantes mantedores do processo inflamatório da bexiga. Entretanto, não existe nenhuma evidência da participação primária daqueles no desencadeamento da doença. Muitos trabalhos, através do diagnóstico histopatológico, ressaltam o maior número de mastócitos na bexiga de gatos com CIF do que em relação a gatos saudáveis. Os mastócitos quando ativados pela substância P presente nas porções terminais das fibras sensórias liberam substâncias vasoativas que incluem as histaminas entre outras substâncias, que vão intensificar o processo inflamatório da bexiga.

Alterações no funcionamento do sistema neuroendócrino têm sido relatadas como responsável pelo desenvolvimento da CIF, bem como na CI humana. O hipotálamo, a hipófise anterior, a glândula adrenal e especificamente a região do córtex adrenal, estão envolvidos no funcionamento desse sistema. O hipotálamo libera o CRH (hormônio liberador de corticotrofina), que estimula a hipófise anterior para a liberação na circulação sanguínea do hormônio corticotrofina (ACTH), sendo que esse vai atuar diretamente no córtex da glândula adrenal. Já essa glândula libera o cortisol na circulação sanguínea alcançando os órgãos-alvo. Dentre esses órgãos-alvos, faz parte o próprio hipotálamo, que em função do cortisol tem a liberação do CRH inibida e consequentemente o funcionamento de todo o eixo HPA (hipotalâmico-pituitário-adrenal), mecanismo de feedback negativo. No caso dos animais que desenvolvem CIF, o mecanismo de controle por feedback negativo não ocorre de forma correta, e o cortisol continua sendo liberado na circulação, ativando cada vez mais o SNS que interage com a bexiga do animal. Tal situação pode culminar em um processo crônico de CIF.

O epitélio da bexiga normal é composto por uma camada delgada de macromoléculas, o glicosaminoglicano (GAG), onde são encontradas proteínas específicas denominadas de GP-51. Essas têm a função de impedir a aderência de bactérias e proteger o epitélio de constituintes da urina, que podem interagir com os nervos sensoriais e resultar na inflamação neurogênica. Assim, a GAG é um meio de defesa da superfície das células epiteliais da bexiga, que em animais com CIF tem sido observado a diminuição de sua excreção. As causa dessa diminuição de excreção são desconhecidas e pode ser resultado de uma anormalidade na síntese de GAG. Felinos com CIF também apresentaram diminuição da excreção de GAG. Além disso, foi observado que esses animais tinham uma baixa excreção e concentração de proteína na urina em relação a gatos saudáveis, o que sugere que essas moléculas proteicas tenham sido reabsorvidas em função do aumento da permeabilidade da superfície epitelial da bexiga diante da doença.

O diagnóstico da CIF é realizado por exclusão de outras doenças que possam vir a comprometer o sistema urinário do animal. Assim, para diagnosticar a CIF, é necessária a realização de inúmeros exames de diagnósticos complementares, que incluem os laboratoriais e os de imagem, juntamente com o histórico clínico do animal. Quando a infecção acomete o animal, podem ser encontradas bactérias do gênero Pseudomonas, Klebsiella, Proteus e da espécie Escherichia coli.

O tratamento envolve as condições ambientais que o animal se encontra, dieta adequada e de agrado do felino, terapia com ferormônio e intervenção farmacológica. O início do tratamento se baseia na eliminação do estresse dos animais por parte dos proprietários. Assim, é necessário que os proprietários fiquem atentos, observando as causas que possam estar desencadeado o estresse. As causas podem ser inúmeras como a presença de objetos, pessoas e animais novos na casa, caixas de areia sujas, caixas de areia em locais inapropriados, pois elas devem ser colocadas em áreas reservadas, onde seja menor a presença de pessoas e outros animais. Deve ser levado em consideração também a disposição da água e da comida. Nenhuma mudança na dieta do animal com CIF deva ser feita, a não ser que este apresente cristais na urina, sendo necessário o uso de rações acidificantes. Entretanto, com maior frequência já estão sendo adicionados acidificantes às rações com o objetivo de evitar a formação de cálculos renais. Há a necessidade do aumento de consumo hídrico do animal sendo imprescindível o acesso à água, aumentando o número de bebedouros no ambiente onde esses animais vivem.

O tratamento medicamentoso é sintomático, pois não sabendo a causa da doença não existe tratamento específico a ser realizado. Em gatos com recorrência de CIF têm sido destacado o uso de drogas com efeito analgésico como os opióides e anti-inflamatórios. Cada vez mais, os Médicos Veterinários veem diversificando técnicas que possam ser adicionadas as habituais com o objetivo de evitar ou diminuir o desenvolvimento dos sintomas da CIF. A acupuntura tem sido uma dessas, embora poucos relatos existam sobre o uso dessa técnica. A acupuntura leva em consideração a hipótese de inflamação neurogênica da bexiga e tem como objetivo auxiliar as outras técnicas de tratamento diminuindo o estresse do animal e a liberação de mediadores da inflamação e da dor.

* Fonte: Cistite Intersticial em Felis cattus domesticus, de Diana Velloso Vianna Bittencourt, trabalho de conclusão de curso de Especialização Latu sensu em Clínica Médica de Felinos pelo Instituto Qualittas de Pós- Graduação, Orientadora: Profª. Ms. Ilka do Nascimento Gonçalves.

* Foto: Linkanimal.com.

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