Lá pelos idos da década de 1970, sussurrantes palavras de algumas beatas diziam que alguns objetos da Catedral de Santo Antônio estavam sendo surrupiados por apreciadores do alheio durante as missas de domingo. Sabe-se lá quem foi a primeira a comentar e muito menos que objetos eram. Fato é que o Padre João ficou preocupado, porque não tinha notado a ausência de nenhum objeto. Entretanto, ele pensou com seus botões:
– E se for verdade e eu ainda não dei pela falta dos objetos?
Mesmo acreditando piamente que seus fiéis eram os mais honestos da Cidade, ele decidiu eliminar a dúvida de seus pensamentos. Assim, resolveu testar a honestidade dos frequentadores da Igreja. Antes de abrir as portas para a missa matinal de domingo, estrategicamente depositou seu relógio de estimação sobre um dos compridos bancos, na certeza de que, muito antes dos trabalhos começarem, o relógio lhe seria entregue. Mas não foi o que aconteceu, e o fulano ou fulana que o encontrou amoitou-se na mudez.
Obviamente o pároco ficou decepcionado com o sumiço de seu relógio de estimação e essa decepção fez-lhe, no final da missa, contar o fato, mas não dizendo que foi proposital, e sim que havia esquecido o relógio em algum lugar de acesso comum dentro do templo. Silêncio total, apenas alguns murmúrios. Ninguém se apresentou. Então ele mostrou uma peninha de pardal dizendo:
– É certo que um de vocês presentes encontrou o meu relógio. Vou soprar essa peninha de pardal, ela vai voar bem alto e depois vai cair justamente na cabeça daquele que encontrou-o.
O padre soprou a peninha e inúmeros olhares emocionados e dois preocupadíssimos acompanharam a movimentação da peninha, oscilando de um lado para outro numa queda livre, lenta e agoniante. Assim foi-se um minuto, dois, três, sabe-se lá quanto tempo, para todo aquele povo parecia uma eternidade. E a peninha foi caindo, caindo e quando já estava para se assentar sobre a calva de um dos mais aguerridos fiéis, este, de olhos esbugalhados, abriu a bocarra e com todas as forças de seus veteranos pulmões puxou o ar e assoprou a delatora peninha que subiu e se prendeu num emaranhado de teias de aranha num canto da parede. Ao ver a peninha devidamente aprisionada, o fiel exclamou em alto e bom som:
– Sem essa, peninha, vai procurar a sua turma!
Momentaneamente um silêncio constrangedor se fez presente no interior do majestoso Templo. Ninguém olhava para ninguém, unicamente o Padre João encarava os fiéis com um desânimo avassalador. Entretanto, honrou a sua condição religiosa e prosseguiu a missa. Terminada esta, nunca se viu o esvaziamento da Igreja em tão pouco tempo. Mais decepcionado do que nunca pela perda de seu relógio de estimação, Padre João, a partir daquele acontecimento, passou a destacar beatas de confiança para funcionarem como vigias à paisana.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.