Em 1930, na Fazenda Limoeiro, situada nas cercanias da cidade de Patos de Minas e propriedade do saudoso engenheiro agrônomo Moacir Viana de Novais, o casal Marciano Pereira da Silva e Francisca Duarte alegrou-se com o nascimento de um filho, no dia 24 de junho. Deram a ele o nome João Pereira da Silva e, uma vez passada a alegria natural proporcionada pela chegada do herdeiro, a família continuou a viver a rotina simples e singela da gente humilde e laboriosa que reside na zona rural.
O menino foi avançando no tempo, crescendo, e passados alguns anos já ajudava seu pai nos trabalhos da roça, fazendo todos os serviços e tarefas que a ele eram possíveis ser entregues, inclusive o de guia dos bois de carro, meio de transporte largamente utilizado na época. Nas horas vagas, descia o morro e vinha para a cidade com a missão de vender o famoso sabão preto que sua mãe Francisca fazia, para ajudar no sustento da família. As lembranças desse tempo até hoje permanecem frescas na memória de João Pereira da Silva: “Trabalhei para gente muito conhecida, como os fazendeiros Sebastião Amorim, João Babilônia e João Gabriel, em seus carros de bois”.
Quando alcançou os 10 anos de idade, João veio morar em Patos de Minas, na Rua Major Jerônimo, onde ficava situada a residência do Monsenhor Manuel Fleury Curado, que era o vigário da Catedral. Dessa época em diante ele passou a conviver na igreja com o sineiro José de Morais Pessoa, aprendendo, então, o ofício de tocador de sinos. Primeiro, na antiga Igreja Matriz, situada na atual Praça Dom Eduardo, e depois na suntuosa Catedral de Santo Antônio, erguida graças à perseverança inquebrantável do Monsenhor e ao apoio decidido e colaboração de toda a comunidade.
João cresceu, casou-se, com Sebastiana Borges da Silva, criou e educou duas filhas – Maria de Fátima e Maria Aparecida –, estudou no curso de alfabetização do Mobral, na Escola Estadual Frei Leopoldo, completando o 4.º ano primário. Já no primeiro ano de casamento recebeu uma coroa de Nossa Senhora do Rosário e em seguida o senhor Biá veio a falecer e deixou de presente para ele uma bandeira.
Foi então que ele fundou um terno de Moçambique. Durante muitos anos ele teve o seu terno, que começou com menores e se tornaram adultos, mas continuaram no mesmo terno de folia por muito tempo. Porém, com o passar dos anos, os adultos foram se casando, cada um tomou o seu rumo. E ele acabou ficando sozinho. E como já estava acostumado a pegar sua bandeira anualmente e ir de casa em casa recolher donativos para em seguida rezar o terço, passar sua coroa e fazer uma grande festa, ele continuou sozinho, e todos os anos ia sozinho até a Rádio Clube fazer a abertura da campanha da Folia de Reis, até que em 2003 teve uma perna amputada, consequência de complicações diabéticas. Mesmo assim ele fazia questão de ir na cadeira de rodas para fazer a abertura todo dia seis de janeiro.
“Meu avô, Sérgio Ferreira, era um folião, e eu herdei de meu pai este dote. Por isso, tenho que levar esta folia enquanto for vivo. Ela ficou conhecida como “Folia de Um” porque eu não tinha parentes para me ajudar. Por isto, canto a folia sozinho. Só tenho a minha cunhada Margarida, que é a alferes (pessoa que carrega a bandeira). A minha folia já tem vinte anos, e o povo me ajuda muito. Toda a renda arrecadada na ‘Campanha das Folias’ é levada para o Dispensário São Vicente de Paula. A folia saía antigamente no dia 24 de dezembro e prosseguia até o dia 06 de fevereiro¹, Dia dos Reis Magos. Assim é o canto da folia: Os três reis magos aqui chegou com amor e alegria (repete três vezes). Em 25 de março foi que o anjo anunciou (repete três vezes). Chegar a Deus menino na lapinha onde estava (repete três vezes). A lapinha era pequena na estrada de Belém (repete três vezes). Por causa de um soldado, a guerra não acaba. Enquanto eu tiver vida, vou tocar esta folia e o sino da Catedral de Santo Antônio. A recompensa vem de Deus. Tudo é felicidade, amor e confiança”
Entretanto, durante todo esse tempo João não desviou-se do destino que trouxera guardado consigo desde o berço e que o vinha conduzindo em caminho de mão única para a posição que lhe proporcionou, do primeiro dia até agora, tanto orgulho e tanta satisfação: a de sineiro mor da Catedral. “Tocar o sino sempre foi a maior alegria de minha vida. Ele era tocado para chamar os fiéis para a missa. Lá na torre tem três sinos, um de bronze, um de cobre e um de zinco. Eles são fundidos na areia. O toque dos sinos para defuntos é feito da seguinte forma: 3 toques no sino grosso e 3 toques no sino fino. Tocar fino, ou grosso, quer dizer repetir as cordas. O sino tocado quando morria alguma criança era ‘toque de anjinhos’, porque eles não tinham nenhum pecado. O sino é tocado nas festas de Santo Antônio, Nossa Senhora da Abadia, Domingo da Ressurreição, nas missas, coroações e alvoradas. Para conseguir chegar aos sinos a gente tem que subir duas grandes escadas, sendo uma delas em espiral, até alcançar o relógio. Até hoje não arranjei alguém para aprender a tocar o sino. Faço isso há mais de 50 anos e não tenho substituto. A matraca representa o insulto do demônio, quando ele ofendeu Jesus Cristo, e só é usada na semana santa, na quinta e sexta-feira. Ela é tocada por mim, também”.
João Pereira da Silva, o João Sineiro, o João da Folia de Um, o João da Água Pérola, o João da Matraca, faleceu em 25 de setembro de 2005 sem realizar o seu último sonho: colocar uma prótese para andar e continuar a sua folia.
* 1: Na realidade, o dia dos Reis Magos é comemorado não em 06 de fevereiro, mas em 06 de janeiro.
* Fontes: Texto de Marialda Coury publicado no n.º 12 do jornal O Tablóide de 16 de outubro de 1996, do arquivo de Fernando Kitzinger Dannemann; Lúcia de Fátima Pereira Santos.
* Foto: Arquivo de Lúcia de Fátima Pereira Santos.