Fui humildemente construída para funcionar como comércio. Nos idos tempos fui mercearia e bar na então região carente de recursos conhecida como Várzea¹. Meu auge foi na época do Estado Novo de Getúlio Vargas. Homem apreciador de exposições de gado de Uberaba, ele abriu empréstimo amplo e farto aos pecuaristas para a aquisição do Zebu. Uma agência do Banco do Brasil se instalou em Patos de Minas e o dinheiro correu à vontade. Foi quando a prostituição explodiu², assim como o movimento em meu interior, deixando felizes demais da conta os meus donos. Apesar das inúmeras confusões, principalmente brigas entre putas e puxa-facas, guardo boas recordações daquele tempo, que foi se acabando na final da década de 1950 com a queda do Zebu e a construção de Brasília. É que o dinheiro sumiu, e eu voltei a ser apenas uma simples mercearia e bar.
O tempo foi passando, o bairro progredindo e deixando a pobreza menos aparente, outras almas me habitaram e alcancei o hoje numa situação intrincada: feliz com minha simplicidade e tensa com a modernidade. A rima não é de felicidade. Muito ao contrário, é de temeridade, pois pra tudo quanto é lado que olho vejo o cocuruto de um edifício ocupando os lugares de minhas colegas. Como não me preocupar com isso? Dia desses ouvi aqui dentro um tal de tem uma loja lá na Avenida Brasil que serve pra nós! Que raio de papo é esse? Ora essa, está na cara que estão querendo me deixar. Já basta eu ter ficado um longo tempo fechada e agora ouço isso! Consternação é o sentimento que me domina. Eu, um dos imóveis mais antigos e elemento real da História da Cidade sendo tratada como um monte de tijolo qualquer. Desconsideração, pura desconsideração. Não sei o que vai acontecer comigo, mas se vier o pior, deixarei saudade!
* 1: O imóvel está localizado na esquina da Rua Duque de Caxias com sua colega Ouro Preto.
* 2: Leia “Prostituição”, “Zona Boêmia e a Casa do Lázaro” e “Frei Antônio de Gangi e Sua Investida Contra as Prostitutas” e “Gadomania: A Esperança do Zebu na Década de 1940”.
* Texto e foto (02/11/2018): Eitel Teixeira Dannemann.
