1.º CRIME PASSIONAL NOTICIADO

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TEXTO: MARCOLINO DE BARROS (1915)

Pela primeira vez a imprensa de Patos, registra um crime passional.

Quem andasse pelas ruas de Patos, domingo passado ao escurecer, havia de ver um indivíduo com gestos desordenados, olhar sinistro, arrastando uma carabina, por entre os postes da luz elétrica; era um indivíduo dominado pela idéia fixa do homicídio, denotando em tudo a falta de integridade psíquica de seus neurônios; e ai! daquele que ousasse perturbar a sua marcha, seria vítima da sede de sangue que o assoberbava. Dali a pouco, a sociedade soltava um grito de horror.

Fora assassinado José Domingos de Freitas, vulgarmente conhecido por Nenen pedreiro, um rapaz bom, honesto e trabalhador com um tiro na praça pública, onde à saída do cinema¹, circulavam mais de duzentas pessoas. O que motivara o crime, revestido de tanta perversidade, foi o ciúme brutal que tinha este indivíduo, de todos aqueles que foram namorados de sua esposa antes de seu consórcio; é a paixão elevada à potência X.

Se não fora o povo que reunido o prendera, mais pessoas que estavam indigitadas para morrer, seriam vítimas da sanha deste feroz Othelo.

Examinemos o fato em si, depois de passada a primeira impressão de repulsa e justa indignação:

O homem ciumento é algoz de si mesmo, é o martírio e a desgraça de seu próprio lar; de tudo desconfia, pequeninas coisas lhe fazem desconfiar da fidelidade de sua amada; quando se demonstra o pouco fundamento de suas suspeitas ele facilmente reconhece os seus erros, para momentos depois reaparecer a sua convicção com mais intensidade.

O ciúme das pessoas de educação baixa, traz a violência e a ferocidade. Proal Kraft Ebing, citam-nos assassinatos os mais revoltantes; Afrânio Peixoto eu seu tratado de Medicina Legal, cita o assassinato de Maria de Macedo, que morta com uma machadada na cabeça, queimaram-lhe os órgãos genitais, retalharam-na e venderam a sua carne, como carne de porco.

O ciumento está ébrio de vingança, torna-se indiferente ao escândalo e à pena que o espera; todavia a intensidade dos ciúmes, muito depende do indivíduo; hoje a freqüência dos teatros e cinemas para isso muito concorre.

O que é que se mostra ao povo nas fitas de cinema? O que é que ensina este passatempo que achamos tão agradável?

Ensina-se o aniquilamento da família, mostra-se ao povo unicamente cenas de adultério, como se na sociedade não existissem esposas honestas.

Nos teatros, já disse alguém, as palavras apaixonadas, aumentam as paixões dos expectadores, são somente sentimentos de cólera, do ódio, de ciúmes, contra seus rivais, que tem como idéia fixa.

Tanto no cinema como no teatro, o público simpatiza sempre com os heróis da cena; e depois de ter sentido com eles sentem a necessidade de agir do mesmo modo; alguns saem destes divertimentos mais odiosos e mais vingativos, e outros mais amorosos e mais apaixonados, tudo depende da impressionabilidade e sugestionabilidade do expectador.

Há pouco representou-se no cinema desta cidade “O homem amarelo”. Muitos acharão que o meio é eficaz e irão pelo mato, à procura de jararacuçus para vingar-se de suas amantes e de seus rivais; como se na vida real a ofensa, a honra se vingasse assim, denotando para o seu autor requinte de maior perversidade.

Diz Voltaire, que o público toma quase sempre o partido do herói amante contra o marido, porque não é nem amante, nem herói. Não quero dizer com isto, que deixemos de ir ao teatro, ou de freqüentar os cinemas: queremos apenas lançar a precaução no ânimo para as cenas que ali se representam, para evitar queijandos desastres. Não se arrancam as videiras, porque há homens, que se embriagam, nem se suprime o fogo por causa dos incendiários; punem-se porém os incendiários e seqüestram-se os bêbados.

É por isso necessário a reação da sociedade, urgente e salvadora, para que não tornemos a presenciar cenas de vandalismo, como a que se deu no último domingo.

O Dr. Joaquim Magalhães, em sua tese de doutoramento, tratando eruditamente dos crimes passionais, e discutindo com proficiência, a responsabilidade dos protagonistas destas cenas, assim se exprime:

1 – A falta de uma crença religiosa, que sirva de freio às paixões, talvez seja entre os amorosos, a causa mais importante de todas as ações criminosas.

2 – A irresponsabilidade acostumada dos crimes passionais é de grande sugestão entre os amorosos para a prática de seus crimes.

3 – Sendo grande a influência dos livros, do teatro e do cinema, sobre espíritos ainda jovens, devem os educadores ter o máximo escrúpulo, na escolha de livros e divertimentos, para cérebros que tudo procuram imitar.

Se a população desta cidade, reflexionar bem sobre estes conceitos, não será preciso que lhes contemos mais tarde a história do casal das cegonhas de Lombroso, que vem em sua imortal obra O Homem delinqüente.

* 1: Cine Magalhães, que se localizava onde hoje está o prédio da Rádio Clube.

* Fonte: Texto publicado na edição de 26 de março de 1915 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do UNIPAM.

* Foto: Curingadebuzios.blogspot.com, meramente ilustrativa.

* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.

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