Eu nasci na poeira, nasci na lama, tinha no quintal uma amoreira e eu nunca tive fama. Minha dona era bordadeira e meu dono a tratava como dama. Era gente simples, mas não tinha baboseira, apenas um drama: chiadeira era o panorama. Enfim, surgi no mundo, com muita dificuldade, erguida por pessoas humildes que chiavam da vida consternados, honestamente, que davam um duro danado na vida para sobreviver. Era o fim do mundo, a entrada longínqua ou a saída longínqua da Cidade, com muita poeira no tempo do estio e quando vinham as chuvas, era barro demais da conta, e os veículos, principalmente camionetes e caminhões, tinham por hábito usarem correntes nos pneus para conseguirem sair ou entrar. A coisa veio crescendo aos poucos, minhas colegas foram surgindo, tão simples como eu, principalmente depois da construção do clube¹ e do moinho de trigo². Infelizmente, tudo foi mudando… e como mudou!
Hoje, quem passa por aqui³ e vê esse comércio nem imagina que aqui fervilharam várias famílias humildes. Onde hoje tem essa porta de aço era uma pequena porta de madeira bruta e ao lado tinha outra janela. Sou do tempo em que as fachadas das casas eram no passeio, tempo de tranquilidade. Quando vejo à minha volta a preocupação com tranqueiras de segurança é que percebo a trágica mudança. Tudo mudou, as almas que me habitaram sumiram e nunca mais voltaram. Inúmeras colegas se foram para ceder lugar ao novo. Veio o cascalho, veio o bloquete, veio o asfalto e a poeira e a lama ficaram como recordações de um tempo que não existe mais. Aliás, eu como era não existo mais. Sou apenas um resquício de um glorioso passado. Prestando atenção nas mudanças físicas ao derredor, não existe futuro para mim, apenas um presente sorrateiro, traiçoeiro, que não muito longe me transformará num monte de entulhos. Vou em paz, sabedora que já faço parte da História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: PTC − Patos Tênis Clube.
* 2: Companhia Moinhos Minas Gerais S/A.
3 3: O imóvel está localizado à Rua Major Gote, entre a Avenida Piauí e a Rua Ceará.
* Texto e foto (03/06/2018): Eitel Teixeira Dannemann.