CÃOZINHO DISGRANHENTO

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Nos idos de 1980, a esposa de um fazendeiro residente à Avenida Getúlio Vargas possuía um cãozinho vira-lata  que ficava o dia todo no jardim da casa apreciando o vai e vem das pessoas. Ele tinha a petulância de se considerar o guardião-mor do ambiente, zanzando por todo o ambiente para mostrar às pessoas que naquele espaço só entrava se fosse conhecido. Quando um desconhecido passava por lá os latidos com os poderosos caninos à mostra e a bocarra babenta faziam-se ouvir aos hóspedes da Casa das Meninas. Se alguém que não fazia parte da sua turma de conhecidos se aventurasse a acariciar através da grade seus sedosos pelos muito bem tratados era mordido na certa. Por causa disso, o maridão sempre alertava:

– Deixa esse cachorro no quintal, mulher, pois um dia ele morde alguém.

Ela respondia na bucha:

– Aquela fofura morder alguém, nunca!

Numa bela manhã calorenta com céu de brigadeiro, enquanto o fazendeiro tomava o seu café para partir à lide rural com sua tradicional D-10, uma senhora que morava nas imediações e que apreciava muito o tinhoso cãozinho, apesar de sempre ser recebida como a pior das inimigas quando por lá passava, resolveu que era chegado o momento de conquistar aquela fofura. Enquanto a baba escorria por entre os caninos afiados, enquanto o som dos latidos transpunham os limites do Município, a dita senhora foi chegando de mansinho à grade, dizendo palavras carinhosas, esticando demoradamente o braço até que a sua mão direita ficou ao alcance do bote. Doeu, e como doeu a mordida.

Assustada e com muita dor, a senhora se retirou apressadamente para evitar confusão, não antes de ser notada pelo fazendeiro que chegou ao alpendre para verificar o motivo daquela algazarra. Percebendo o que havia acontecido, não perdeu tempo em admoestar a esposa:

– Quantas vezes eu te avisei, mulher, que um dia isso ia acontecer, que esse disgramado de cachorro ia morder alguém. Se aquela senhora reclamar na polícia vai nos causar muitos aborrecimentos.

E a mulher nem aí. O dia passou, noite e madrugada transcorreram de acordo com as leis da Natureza, e eis que o sol se transpareceu numa outra bela manhã calorenta com céu de brigadeiro. E lá estava o disgranhento do minúsculo latidor na mesma pose de sempre. E lá estava o fazendeiro tomando o seu café. Foi quando a campainha tocou em meio ao berreiro tradicional do disgramado. Anunciada a presença de um parente da vítima, o fazendeiro foi atender já imaginando os aborrecimentos. Cumprimentou o visitante e danou a se desculpar o mais enfaticamente possível e que estava disposto a ressarcir qualquer custo e… Nesse ponto foi interrompido pelo ouvinte:

– Nada disso, não vim aqui para aborrecê-lo de modo algum. Muito pelo contrário, tenho vontade de abraçar esse lindo cãozinho, dar-lhe um monte de beijos e carinhos, porque ele fez o que eu tenho vontade de fazer já lá se vão muitos e muitos anos, que é dar uma bela duma mordida na minha sogra.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

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