Já expliquei em outra oportunidade¹ que mal-entendido é o equívoco, a confusão, o desentendimento, a opinião errada a respeito das coisas. Todo mundo, por mais esperto ou inteligente que seja, está sujeito a um desses momentos de bobeira, de mancada, porque basta uma fração de segundo de descuido, de desatenção, de desinteresse, para que o nome do indivíduo acabe sendo inscrito no rol dos que, algum dia, confundiram alho com bugalho.
Tal como aconteceu com o Xavante, eficiente jogador de futebol que há muitos anos foi contratado pelo Cevaitê – uma das duas agremiações que ao longo de décadas vêm disputando a preferência do torcedor em Periquitinho Verde – para melhorar o plantel com que pretendia disputar o campeonato regional daquela modalidade esportiva. Daí que o rapaz chegou, olhou, gostou do que viu na nossa cidade e então resolveu criar raízes por aqui mesmo. Como, naquela época, a atividade profissional que ele praticava não era bem remunerada, Xavante achou por bem procurar um emprego para melhorar a “grana” que recebia ao final do mês, mas logo encontrou um problema: não tinha carteira do Ministério do Trabalho, e por isso não conseguia ser admitido em lugar nenhum.
Se hoje, para resolver qualquer coisa em repartição pública, o negócio é complicado, imaginem como deveria ser em tempos passados, trinta ou quarenta anos atrás, quando uma ligação telefônica interurbana daqui para a capital estadual precisava de quase um dia inteiro para ser completada. Por isso o candidato a trabalhador tratou de se informar aqui, depois ali, e no fim das contas ficou sabendo que para obter o documento pretendido precisaria apresentar dois retratos 3 x 4, certidão de nascimento e título de eleitor. Além disso, a informante ainda fez questão de alertá-lo:
– Ah, como é para tirar uma nova, traga também a velha.
O Xavante ouviu, saiu e foi preparar a documentação. Para isso ele precisou ir à sua terra natal, de onde voltou cinco dias depois. Assim que se arrumou em casa o nosso homem tratou de procurar a representante do ministério e foi logo lhe entregando os dois retratos, a certidão de nascimento e o título de eleitor. A funcionária recebeu os papéis e perguntou com aquela cara que só mesmo elas sabem fazer:
– Cadê a velha?
E o Xavante, estampando um sorriso vitorioso no rosto, respondeu em cima da bucha:
– Como a senhora me recomendou, aqui está ela.
E lhe apresentou a senhora sua mãe.
* 1: Leia o texto “Mal-entendido”.