ASSOMBRAÇÃO

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Tipo do caboclo ajeitado é o Tonhão, solícito 24 horas por dia e um companheiro de pesca daqueles que todos querem ter. Mas o prezado carrega consigo um problemão: morre de medo de assombração. Inclusive, nas pescarias, quando chega a noite ele não sai de perto das luzes do acampamento, e sempre vê sombras esquisitas no mato. Na porta de cemitério ele não passa nem durante o dia. Talvez, por trabalhar com seguro de vida, ele não seja muito chegado à morte. Mas como era um cara legal, mês a mês a turma foi fazendo uma espécie de tratamento psicológico para ver se conseguia eliminar a neurose. Tanto foi o nosso esforço que conseguimos convencê-lo a passar na porta do cemitério à meia-noite.

Parece que foi combinado com São Pedro. A noite estava lúgubre, neblinosa, caia uma chuvinha daquelas de molhar bobo e a todo instante um corisco riscava o céu. Estávamos num boteco lá perto tomando uma geladinha já prontos para a aventura. Eis que o Tonhão refugou, dizendo que o tempo não era propício, aliás, que era propício para passeio de alma penada e outras xaropadas. Tivemos que apelar para o famoso “você é homem ou um saco de batata”. Ele respondia que era um saco de batata. Enfim, levamos o homem.

O relógio marcava vinte e três horas e cinquenta minutos. Estávamos em frente ao local do crime, o Cemitério Santa Cruz. O amigo já estava quase tendo um treco e tremia mais que tímido fazendo apresentação de trabalho na escola. Tivemos que ficar segurando-o senão ele se mandava. Exatamente quando ouvimos as doze badaladas vindo lá da Matriz reparamos numa linda mulher, muito bem vestida, vindo em nossa direção. O Tonhão se animou, acelerou o passo para alcançá-la. Chegando nela, perguntou:

– Moça, você não tem medo de passar a esta hora da noite na frente do cemitério?

A moça sorriu, mostrando os lindos dentes, e respondeu:

– Bem, quando eu era viva morria de medo; agora não, pois moro nele.

O Tonhão, em um segundo, chegou ao centro da cidade e ficou muitos meses sem falar com a gente. O medo de morador do além continuou mais firme e forte do que nunca. E, pior, alguns companheiros da fatídica aventura mórbida se infectaram com a neurose do amigo. Tem um, inclusive, dono de uma bicicletaria, que nunca mais dormiu de luz apagada.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.

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