Quanta saudade tenho do tempo em que eu era virgem. Só não me lembro quando me defloraram, entrando sem pudor em meu ventre puro e cristalino. A tristeza duradoura teve início na década de 1950, quando acharam por bem modificar a minha estética selvagem. Lá, naquele momento, instituíram em meu corpo um sofrimento atroz, sem fim, maquiavélico e desumano. De lá para cá fui sendo carcomida pelas beiradas; fui sendo devorada pela especulação imobiliária e interesses promíscuos. Fui, ano a ano, sendo violentada em meus pudores. Hoje, o que sou, além de um monte de água poluída e um joguete nas mãos dos incapazes?
Por que me maltratam tanto? O que fiz de errado para ser tão vilipendiada assim? Recentemente, sem um mínimo de planejamento e compostura profissional, deixaram-me à mingua, sem água, feia, descabelada e inoperante durante meses. Enquanto a Velha da Foice fazia-me companhia diária, nos gabinetes os engravatados discutiam o nada, pois eles são nada. E eu, voltada ao pó da terra, à mercê de incautos, era motivo de chacota e comentários débeis, mas verdadeiros, a respeito de minha tez. Ufa, respirei aliviada, quando finalmente devolveram a minha água. Naquele dia, serenamente, dormi em paz, imaginando ingenuamente que outra catástrofe jamais aconteceria comigo.
Oh amarga ilusão! Vieram de novo e de novo me violentaram. Arrancaram a minha calçada, deixando o pó, enfeando-me como de costume. Todo o meu entorno está destruído, o asfalto que me rodeia está repleto de pó. E como de costume, vieram sem planejamento algum, sem qualificação profissional alguma, simplesmente me enfearam e assim me deixaram. E assim estou há dias, longos e tenebrosos dias. Sei, assim vou ficar envolta pelo pó e na incompetência administrativa por um longo período, como sempre foi. Oh, o que fiz de errado para ser tão maltratada assim? Oh Praça Abner Afonso, choremos juntas!
* Texto e foto (15/08/2016): Eitel Teixeira Dannemann.