TEXTO: EITEL TEIXEIRA DANNEMANN (2016)
Eitel, você é mesmo custoso, e acima de tudo, insistente nos seus propósitos. De quando em quando resolve falar da minha vida terrena. Falar de mim, sei lá se isso é bom ou não, só sei que minha vida aí no pó da terra foi muito simples e ao mesmo tempo muito sofrida, apesar das flores que jogaram sobre a minha cabeça. Não entendeu? Pensa que estou reclamando de alguma coisa? Pois estou! Meu prezado, eu era gorda, feia e… preta. Naquele meu tempo era… digamos… complicado. Vocês hoje ficam aí discutindo a meu respeito e, desculpa a sinceridade, não sabem nada a meu respeito, a não ser o que bocas dignas ou não escancararam por aí ou o que a imprensa publicou.
Dizem que fui queridíssima na cidade. Grande balela. Os jovens zombavam de mim e as crianças tinham medo porque os pais diziam que se elas não dormissem ou comessem seriam entregues a mim para castigos. Tem base? Os adultos me olhavam de cara feia quando eu transportava lavagem para meus porcos em um carrinho de mão. Muitos até diziam que mesmo com vestido novo eu não tomava banho por gostar de andar com os pés no chão. Isso é ser queridíssima? Depois que morri ficam aí falando bem de mim. Mas na vida real não era assim não, pois debochavam, e muito, assim como me “engoliam” por eu estar sempre na casa do Binga, a casa que foi do sogro dele. O Binga sim, gostava de mim e vice-versa. Muitos só me aceitavam porque eu era amiga dele, num puxa-saquismo insuportável. E te conto, só mais essa, que a tal “Impressão da Tita” foi intriga da oposição ao Binga para desvirtuar os assuntos, entendeu? Não? Deixa pra lá, foi Impressão da Tita! É, sobre a minha verdadeira vida, sei eu, e não conto pra ninguém aí embaixo. Ou, quem sabe, pra você um dia falo um cadiquinho.
Daqui de cima venho acompanhando o seu trabalho de pesquisar o nosso passado. Quando tenho tempo, pois meus afazeres nas lidas celestes são extenuantes, fico ligado on line no que você está fazendo. Não é assim como dizem na língua atual de vocês, o portuglês? Sempre reparo em você, zanzando em busca de fotos atuais da cidade, de notícias e fotos antigas, compenetrado em folhear antigos jornais e revistas à procura de assuntos interessantes a respeito do nosso Ontem, sendo apoiado por pouquíssimos e menosprezado por muitos. Haja paciência. E nessa paciência, eis que de vez em quando me encontra em folhas de papel. E ora, ora, ora, até contou aquele nosso frente-a-frente na Rua José de Santana¹. E também publicou uma foto minha ao lado de dois grandes amigos, o Binga e o Patrício, e ainda outra na fazenda do Binga, e ainda por cima um comentário do Oswaldo Amorim. Olha, me emocionei… que boas lembranças. Agora te pergunto: pra que tudo isso?²
Está gostando do meu português? Mais ou menos, né. É que aqui no Céu aprendi um pouquinho. Queria ver a cara de espanto daqueles bobocas que viviam zoando do meu linguajar aí na Terra. Aqui sou culta, hahahahaha! Outro dia, num pequeno descanso prazeroso de meus afazeres sob o comando de Cristo, percebi você no computador editando outro texto a meu respeito. Percebi sua emoção quando, nas exaustivas pesquisas, se deparou com dois artigos do jornal Correio de Patos a respeito de minha morte. Aí percebi a sua satisfação em passar aquilo adiante para que as pessoas se informassem. Vi quando publicou no EFECADEPATOS com uma cara boba de quem está pensando que está sendo útil. E mais cara boba ainda quando publicou no tal de Facebook. É, você tem essa mania de fazer “chamada” de tudo o que produz no Facebook. Que arraso, hêim. Que mundaréu de leituras, curtidas, compartilhamentos, quantos se arvoraram nos conhecimentos a meu respeito, oh, quantos se declararam quase íntimos de minha história. Cada um dando seu palpite sobre como eu era, como eu caminhava descalça, lembrando de mim como se fosse meu melhor amigo, mas nenhum deles mal se lembra da cor dos meus olhos. Agora, kkkkkkk – lembra dessa minha risada? – o mais engraçado é ver os caras que compartilharam o seu texto sobre mim sendo parabenizados por relembrarem a Tita. É mesmo de morrer de rir, não? Sem trocadilho, por favor!
Eitel, haja paciência mesmo. Vou encerrando por aqui, já falei o que queria. O Formiguinha, o nosso Patriarca da Emancipação, como você, evidente, não deixou de destacar³, sábio como sempre… não você bobão, o Formiguinha… kkkkkkk! Pois é, um dia ele me disse que você, na verdade, está com esta trabalheira toda se penitenciando para alcançar um lugar aqui no Céu. Olha, o Formiguinha não costuma se equivocar em seus comentários, e me disse que seu lugar já está garantido. Portanto, continue com ardor afastando pedras e incautos que te aperreiam. Ficamos no seu aguardo, que eu sei, kkkkkkk, você vai fazer questão de adiar. Até mais, um forte abraço, tanto quanto foi o daquele nosso encontro na Rua José de Santana.
P.S: O Cel. Arthur Thomaz de Magalhães mandou te dizer que vai te falar sobre aquele misterioso endereço do Cine Magalhães4. Mas só quando você estiver aqui conosco… kkkkkkkkkk…
* 1: Leia “Pano Branco Mágico e a Iluminada Tita”.
* 2: Leia “Tita e Seus Amigos” e “Tita na Fazenda do Binga”.
* 3: Leia “A Revolta do Formiguinha”, “Pedido Para a Elevação de Santo Antônio dos Patos à Vila”, “Antônio José dos Santos e Formiguinha: O Patriarca da Emancipação” e “Ex-Travessa do Formiguinha”.
* 4: Leia “Endereço Misterioso do Cine Magalhães 1 e 2”.
* Foto: Dharmadhannyael.blogspot.com, meramente ilustrativa.