JOÃO BORGES: 90 ANOS

Postado por e arquivado em PESSOAS.

7Acabara de falecer em Patos o Coronel Farnese Dias Maciel¹, o poderoso chefe político. Na Câmara, ante um plenário compungido, o vereador José Nascimento pede um voto de louvor, exaltando as virtudes do morto e seu papel de líder político. De repente, outro vereador se levanta e, para estupefação geral, declara-se contra a proposição e faz questão de justificar seu voto, ouvido em silêncio por uma assembléia constrangida e atordoada.

O gesto insólito – explosão de muitos ressentimentos acumulados – não faz justiça ao Coronel Farnese, um dos maiores políticos patenses de todos os tempos, nem ao próprio autor do gesto, dr. João Borges, um médico notável, um político reto – um homem de bem.

Às vésperas de seus 90 anos, a completar-se no próximo dia 11, é justo reconhecer-se o valor desse homem que, nascido em Formiga e formado em Farmácia e Medicina no Rio, acabou entrando para a galeria dos grandes vultos de Patos, para onde se mudou ainda menino. Galeria, aliás, para a qual já entraram alguns de seus 10 filhos (sete com a primeira mulher, da. Maria Ferreira de Melo, e três com a segunda, d. Maria de Melo Ribeiro – a maioria mais pelo destaque alcançado além de nossas fronteiras. Aos 10 filhos, sua descendência soma mais 21 netos e quatro bisnetos.

Excelente dr. João! Quantas vidas terá salvo; quantas pessoas terá ajudado a vir ao mundo; quantos doentes terá curado – ao longo de meio século de medicina, exercida com seriedade e competência.

Atendendo a chamados de todos os pontos do município e até de municípios vizinhos, quantas vezes enfrentou longas jornadas a cavalo. E na volta parava aqui e ali, dando consultas, curativos e conselhos, sempre que solicitado. E como era solicitado!

Sua especialidade era a pediatria, mas, médico verdadeiro, fazia partos em casa, cirurgia de consultório e clínica geral. Certa vez, em 1929, ele se revelou um competente cirurgião plástico ao salvar seu filho Paulo, vítima de um acidente automobilístico, de ficar completamente desfigurado. Ferido pelos vidros estilhaçados do parabrisas do Ford 1926, abalroado de frente por um caminhão, na estrada sinuosa da Vila de Santana, o menino Paulo quatro cortes profundos na fronte e na face, que lhe fizeram cair os supercílios sobre os olhos e os lábios sobre a boca. O dr. João costurou os cortes um a um, com mão hábil e a estóica ajuda do filho, que a tudo suportou sem anestesia.

O dr. João fez também várias delicadas cirurgias, inclusive de pleurisia.

Médico infatigável e de renome, poderia ter enriquecido. Mas ficou muito longe disso. Relembrando a carreira do pai, o dr. Paulo explica com humor: “Naquele tempo a cidade era dividida em duas, politicamente. Da banda de papai, metade era da família, e poucos pagavam. A outra metade, era de correligionários, e quase sempre também não pagava”.

No campo político, ele marcou sua presença pela sua coragem cívica, seu espírito de luta e uma admirável coerência. O dr. João sempre foi homem de atitudes claras e definidas. Sempre foi homem de tomar posição e assumir, por inteiro as suas consequências. Numa época em que era arriscado militar na oposição, ele se destacou como um oposicionista intransigente.

Décadas atrás, nos tempos do PPPP – Partido Político Popular de Patos – fiscalizar eleições em certos redutos era uma temeridade. Principalmente em Lagoa Formosa, então uma terra violenta. Mas lá estava o dr. João no dia do pleito. O ambiente estava tenso. De repente alguém saca um imenso revólver e brada, irado: “Quem for do partido contrário, saia senão eu mato”. E, no que falou, berrou fogo. Abaixando-se rapidamente o dr. João evitou ser atingido. E escapou ileso saindo justamente por entre os adversários. Seguiu-se um longo tiroteio, em que meu tio Leão saiu baleado e um parente do dr. João mortalmente ferido. Como ninguém sabia do paradeiro do dr. João, logo se suspeitou de sua morte. O mistério se desfez no dia seguinte: o dr. João passara a noite em casa de um adversário político, mas velho cliente seu.

Na Câmara Municipal, ao longo de quatro legislaturas, ele travou um contínuo duelo com outro gigante de nossa terra, o saudoso Zama Maciel. Mas sem descer nunca ao ataque pessoal. E quantas vezes votou junto com seu ferrenho adversário, pondo os interesses de Patos acima de suas idiosincrasias político-partidárias – tal como o próprio Zama.

Evidentemente não estou tentando traçar uma biografia do dr. João, o que exigiria um trabalho de fôlego. Meu intento é apenas evocar um pouco de sua vida e de sua figura, numa singela homenagem a este grande vulto de nossa terra que, entre várias façanhas, está prestes a realizar outra: chegar de pé e com disposição aos 90 anos.

Como Napoleão, posso dizer a seu respeito: Patenses, do alto de seus 90 anos o dr. João vos contempla.

* 1: Farnese Dias Maciel nasceu em 27 de dezembro de 1862 e faleceu em 11 de abril de 1949.

* Fonte: Texto de Oswaldo Amorim publicado com o título “Os 90 anos do Dr. João Borges” na edição de 09 de setembro de 1976 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Dr. João Borges, do arquivo do jornal Correio de Patos.

Compartilhe