Ele nos viu nascer a todos; a nós e a muitos parentes se não a maioria, pelo menos, parcela da, hodiernamente, já antiga gente de Patos de Minas.
Não faz muito tempo, ao reagir a uma carinhosa insinuação de que sua vida se prolongaria até ao ápice dos cem anos, ele responderá em tom brejeiro: – “Um século é pouco. Meus projetos vão muito além disto”…
Dai se acreditar, então que, sua lembrança guardada nos escaninhos dos corações, continuará a viver na saudade dos patenses, muito além de seu tempo.
Singular a personalidade do ilustre cidadão!
João Borges se tornará um típico mineiro que dignificara sua gente pelo exemplo de uma vida dedicada, exclusivamente, à comunidade em que nascera; e, como foram despretensiosas suas ações!
Descendente de uma grande Família cujos maiores se formaram através de ensinamentos morais apregoados no Seminário de Mariana e no Seminário de Diamantina, ele quando jovem estudara no tradicional Colégio Dom Bosco, de Cachoeira do Campo nos arredores do Ouro Preto; e, com alegria se comprazia em recordar suas viagens à cavalo até aquele Educandário de permeio a jornadas que incluíam múltiplas peripécias de sabor sertanejo não deixando de descrever com cores nítidas os pormenores que presidiam as emoções, nas despedidas após as férias, de parentes e amigos que o comboiavam até a famosa árvore-do-chôro localizada entre Patos e Lagoa Formosa, recordações de há muito, incorporadas à história de nossa cidade.
Aluno aplicado cursara Medicina e Farmácia, a colar grau pela Faculdade Nacional do Rio de Janeiro aonde se distinguira, e, confessava com humor que nossos tempos de academia conhecera de perto a morte, pois, em certa noite, inconscientemente, presa de rara crise de sonambulismo, quase saltara da janela, do quinto andar do prédio aonde morava.
Chegara formado à sua cidade no ano de 1914, e o povo da comuna o recebera em festas, – aquele moço frajola que viera a ser o primeiro Médico-Farmaceutico¹ nascido na pequenina Patos, nas margens do Rio Paranaíba, lonjuras de Minas Gerais.
E, a par da competência e solicitude, costumeiras, iniciara uma vida de Apóstolo da Medicina; na singeleza de sua vivência honrada, mas, sob a pertinácia de ideais há muito almejados, diuturnamente, fizesse sol intenso ou chuva, varava os serrados das Gerais, e montado tanto à cavalo, tanto, a pé nas trilhas pelas charnecas, quanto, no resguardo ou no conforto, ou, aboletado no Fordéco modelo 1929, era o mesmo homem a se desdobrar e a se comover em atenções e solitudes para com os mais desassistidos e cambalidos, da terra, a dispor também, de seu Lar, à Praça da matriz, como consultório aberto nas horas da noite ou do dia, sempre à disposição dos parentes, amigos e necessitados.
Avesso às manifestações de cunho comercial por não possuir vocação para empresário ou comerciante, resistira às solicitações da época e do seu meio, alheiando-se das iniciativas de determinados concidadãos que vizavam a pronta instalação de Hospitais particulares, na região, pois, já dera de si e concorrera para a criação de Hospital Municipal², nos idos de 1915, tanto por se contentar, apenas, em fazer de seu escritório uma original e particular casa de Saúde, assim como, a transformar as próprias salas de sua residência em pequena enfermaria a serviço do povo amigo, ao qual se devotava de corpo e alma, como se todos os clientes se transformassem, pelos seus esforços de clientista zelosa, na multiforme prole de uma única família.
Apaixonado pela vida, na qualidade de adolescente vigoroso, ou, de cidadão provecto, o seu deslumbramento pela existência mantivera laivos de perene juvenilidade.
A par das atenções dirigidas ao Lar, conscientemente se integrara nos problemas da coletividade, e, da mesma maneira que clinicava, escrevia para os jornais e participava dos entreveros da vida política, a exigir de si, somente, energias nunca esmorecidas, e, uma solidariedade incondicional devotada aos companheiros.
Incansável nos propósitos humanitaristas, e, apaixonado pelas proposições cívicas, dedica-se aos mistéres profissionais com disposição semelhante a que, excitado, consagrada à luta travada em busca do poder regional, inusitada e insólita, mas, em momento algum, colocara as ambições partidárias acima dos interesses da coletividade
O dinheiro e o bom êxito matrimonial, tinha-os na contra de acidente natural e necessário, mas, jamais perseguira ou os valorizara; exercera a profissão à maneira de uma naturação participação humana, na forma de nobre missão que lhe fora confiada destino mercê da Divina Providência pelo que prodigalizara seu talento em direção aos interesses superiores tendo em vista a felicidade dos conterrâneos.
Se não tivera preocupação em apurar a maneira de melhor preparar os instrumentais de que dispunha para o proveito pessoal do exercício da medicina, e, se não modernizara na prática do agir profissional – por índole e vocação aprimorou-se através de atitudes fidalgas ao apregoar submisso, os veros princípios que melhor concorriam para dignificar a missão sublime no cumprimento de mistéres salutares pela prestação de serviço científico que lhe sobrepusera às condições face as exigências do seu temperamento afeito as dedicações exclusivas.
E, pela conduta proba no exercício de medicina, fôra um símbolo já a consolidar nome que é apanágio de valor e competência.
O sentido religioso da existência que sempre estivera arraigado à índole de sua grei, coroara sua missão de médico a impregnar de sabedoria seu viver, dando-lhe o cunho maior de beleza que não poderá ser aferida tão somente pelos padrões-utilitaristas e pragmáticos, doenças modernas e insidiosas a necrosarem a civilização, a imperdernirem as consciências, e, obnubilares as sensibilidades morais.
Tendo como baluarte de vida tamanhas virtudes, muito lutara pelo seus conterrâneos e brigara, impávido, pela sua gente, mas, jamais deixara de perdoar aqueles que o injustiçaram, ou de reconsiderar as incompreensões de seus adversários.
Se na Câmara Municipal torna-se um radical em luta renitente com antagonistas impiedosos, ainda que profligando apaixonado pelos ideais, buscava nos fragores dos embates políticos alcançar benesses superiores sem descurar do direito dos opositores, a quem respeitava como pessoas.
Se a cidade de Patos de Minas se Cobre de luto com a notícia de sua morte, porém, pode-se admitir que o Céu ganhará uma trepente expressão da gente e do caráter patenses, que com a mesma galhardia esbanjada em vida, a representará nos Páramos Celeste, até a consumação dos Séculos.
O ilustre médico que morrera com noventa e quatro anos de idade, aos 4 de janeiro de 1980, nascera na cidade de Patos em 11 de Setembro de 1886, filho de João Antônio Borges e d. Lina Corrêa da Costa, sendo irmão de Eunápio Corrêa Borges, de dr. Afonso Corrêa Borges, casado com Aimeè Teixeira, de Lenita Corrêa Borges, casada em primeiras núpcias com dr. Antônio Nogueira de Almeida Coelho, e, em segunda núpcias com Oscar Rodarte, de Eliza Borges casada com Carlos Nogueira, de Zenóbia Corrêa Borges, casada com Alfredo Borges; foram seus meio-irmãos, havidos do casamento de seu pai, em primeiras núpcias, com Zenóbia Vaz de Mello, os seguintes: Alzira Vaz de Mello Borges, casada com Benjamin Corrêa da Costa, Maria Conceição Vaz de Mello Borges, casada com Vergílio Borges, América Vaz de Mello Borges, casada com Randolpho Borges, e, Adelaide Vaz de Mello Borges, casada com Vicente Andrade.
João Borges tivera de seu primeiro matrimônio com Maria Ferreira de Mello os seguintes filhos: Clélia, casada com dr. José Olympio de Mello, dr. Paulo cientista emérito de renome internacional, d. Zuléika, casada c/ dr. Zama Alves Tibúrcio, dr. Fábio, casado com Fia Santanna, Irmão Roberto Marista, dr. Helvécio, casado com Thereza Cordeiro, Maria Lina, casada com Modesto Marques Ferreira, e, de seu segundo matrimônio com Mariquinha de Mello Ribeiro, deixa os seguintes filhos: dr. João Lucas, casado com Myrian Jardim, Modesto, casado com Neuza Queiroz, e Lina, casada com o Tabelião José Isac.
Indubitavelmente, o doutor João Borges fôra em vida cidadão honrado e digno, paradigma para sua inúmera descendência.
* 1: Geraldo Fonseca, em seu livro Domínios de Pecuários e Enxadachins, afirma: Em 1913, formado no Rio de Janeiro, começa sua clínica o dr. Adélio Dias Maciel. Em 1914, outro filho de Patos, o dr. João Borges cola grau em medicina passando a clinicar em sua terra. Dr. Adélio não foi o primeiro médico “em” Patos de Minas, tanto quanto João Borges. Dr. Adélio foi, sim, o primeiro médico “de”, “nascido” em Patos de Minas. E o Dr. João Borges, o primeiro “médico-farmacêutico”.
* 2: No mesmo livro de Geraldo Fonseca, está registrado: O movimento para dotar Patos de um hospital, segundo “Cidade de Patos”, jornal da cidade, teve começo em 1915, e seus cabeças foram os médicos Adélio Dias Maciel e João Borges, os farmacêuticos Agenor Dias Maciel e Zico Amorim, Gote Maciel e Cônego Getúlio.
* Fonte: Texto de Volmar Olympio N. Borges, escrito em 09 de janeiro de 1980, e publicado na edição de 26 de janeiro de 1980 do jornal Correio de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto 1: Dr. João Borges, em foto do jornal Correio de Patos.
* Foto 2: Do livro Município de Patos, de Roberto Capri, publicada em 15/05/2013 com o título “Dr. João Borges – 1916”.
* Foto 3: Residência onde morou e clinicou, de Eitel Teixeira Dannemann (09/06/2013), publicada em 18/07/2013 com o título “Casa Onde Morou e Clinicou Dr. João Borges”.