Não fôra a actividade ingloria de certos torcedores inconscientes, que se apegam a todo e qualquer acontecimento deturpando-lhe a essencia para d’elle tirar alguma cousa util e adaptavel ao culto da subserviencia talvez, hoje, já não apparecesse eu em publico.
Refiro-me à palestra que tive, ha poucos dias, com o collega Dr. Adelio Maciel, e da qual me chegam insistentes commentarios disparatados, feitos por pessoas que não n’a assistiram e que timbram em dar-lhe cores que não teve e vicial-a a seu bel prazer.
Tratando eu com pessoa educada e indubitavelmente de resalto social considerava-me a salvo de qualquer affronta, e por isso mesmo esforcei-me para que de minha parte não houvesse qualquer deslize em um encontro que para mim só era honra.
Não deixei, entretanto, de repellir com a maior franqueza certas leviandades de meu contendor, visando varias injustiças praticadas, como apontando-lhe erros e citando-lhe faltas imperdoaveis a um administrador que se eterniza no posto sem nos deixar um resquício de sua passagem.
Tudo correu, porem, com calma e terminou na melhor harmonia, chegando meu collega a dizer, dirigindo-se aos presentes, que mantinhamos uma palestra familiar.
De facto assim foi, e confesso não ter motivo para me arrepender do que disse, e, muito menos, de me ter ficado da palestra algum resaibo sequer de resentimento.
As testemunhas que nos julguem.
Agora, para dar aos meus patricios uma amostra da infantilidade que presidiu á argumentação do Dr. Adelio, e que nos dá uma idéa de questiuncula comadresca, citarei o trecho seguinte, acrescido de algumas considerações a respeito.
Vocês, disse-me o Dr. Adelio, antes de levantarem e chefiarem um partido politico, deviam dar, ao eleitorado, exemplo de alguma iniciativa particular.
Assim, fulano e beltrano quasi millionarios não têm ainda um automovel e nem um predio bonito!
Respondi-lhe simplesmente que, até aqui, esperavamos a vinda da estrada de ferro, tantas vezes prometida pela politica dominante, e cuja promessa nos fôra ha pouco renovada por seu illustre tio Dr. Olegario, e que, discrentes, actualmente, só esperamos a posse do Popular que se fará, felizmente, em 1926. Quanto ao automovel, accrescentei, fica para quem dispõe de recursos e pode luxar.
Como vê o leitor amigo, estes argumentos que mais parecem recursos de uma creancinha, partiram, entretanto, de um cidadão respeitável e de responsabilidade, e quê nos governa ha quasi dez annos.
No correr da palestra deixei de citar factos que só agora me occorrem, e que bem provam que para o cidadão patense ter o amparo e as sympathias da Camara, não é sufficiente ter iniciativa particular, ser progressista e muito menos pertencer, de corpo e alma ao partido dominante, não: è preciso, condição sine qua non, ser da familia Dias Maciel.
Ahi vão dois exemplos frisantes:
Dr. Itagyba da Silva e Cap. José de Sant’Anna, ambos filiados ao partido dominante, e que têm procurado fazer alguma cousa pelo municipio.
O primeiro montou nesta cidade uma machina de beneficiar arroz e viu-se forçado a abandonal-a porque sò conseguiu energia á noite e assim mesmo insufficiente.
O segundo, o maior progressista contemporaneo e que maiores beneficios tem prestado ao districto da Cidade, com suas doações valiosas, e sendo filho de um dos fundadores de Patos, é, no entanto, o homem mais perseguido pelos seus chefes, e o que maus lucta e mais difficuldade encontra na execução de qualquer emprehendimento!
Terei necessidade de objectivar factos?
E como credenciaes para assumir as redeas do municipio, não me consta que os Agentes Executivos, o presente e alguns passados, tenham dado antes, ao municipio, mostras de iniciativa particular, e entretanto, um principalmente, apenas filho adoptivo, fez para o municipio o que patense algum conseguiu fazer.
Precisamos, Sr. Presidente, é de criterio e um pouco de tino administrativo.
Isto è o que nos sobra e que V.S. brevemente verá.
João Borges.
NOTA EFECADEPATOS: Ano de 1925, uma fogueira política-ideológica domina o Município¹. Desde a emancipação em 1868 a família Maciel está no comando da política travando uma batalha ideológica com os Borges que já havia chegado às vias de fato e provocado mortes. Adelio Dias Maciel está como Chefe do Executivo desde 03/06/1918 e ficaria até 17/05/1927, quando assumiu o Dr. Marcolino Ferreira de Barros, situacionista. O clima entre as famílias é tenso. Foi criado o PPPP-Partido Politico de Patos de Minas pelos Borges para fazer frente à dominância dos Maciel. Adelio e João, colegas de Medicina. Adelio foi o primeiro médico nascido na cidade. João o segundo. Os dois contribuíram para a fundação do Hospital Regional. Mas, entre a profissão e as benesses que cada um proporcionou ao município, existia uma barreira entre eles: um era Maciel e o outro Borges. Um era óleo e o outro água. Cada família tinha o seu jornal: os Maciel, o Cidade de Patos; os Borges, o Jornal de Patos. E cada jornal era uma bazuca apontada para o outro, cuja função principal era o ataque ao adversário político, enaltecer os partidários e atacar impiedosamente com os piores argumentos possíveis os oponentes.
* 1: Leia “Borges x Maciel: A Crise de 1925” de 1 a 6, e “Borges e Maciel”.
* Fonte: Texto publicado com o título “Palestrando…” na edição de 08 de março de 1925 do Jornal de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Juventudebarramendense.net.