Foram os tropeiros os continuadores das conquistas dos bandeirantes. Em todo o Brasil assim aconteceu. Sobremaneira nas Minas Gerais. Os seus habitantes não cuidavam dos plantios da lavoura para a automanutenção. Apenas a febre da cata de ouro. No entanto o metal precioso escasseava. Os víveres, além de demasiado caros também de extrema raridade e bastante racionados. Os homens das novas colônias de mineração se debatiam com a carestia dos mantimentos, a ponto de chegar a uma quase dissolução total devida à fuga de seus moradores.
Desde quase meado do século 18, quando surgiu, e até há bem poucos anos, a tropa de muares foi sistema de transporte de capital importância para o desenvolvimento econômico e social do Centro-Sul (São Paulo), do Centro-Oeste (Minas Gerais) e do Extremo-Oeste (Mato Grosso). Devido às específicas necessidade da tropa, criaram um tipo de edificação, o rancho. Cada rancho era um núcleo de povoações e de comércio, e a vida circulava pelas estradas barrentas ou cheias de pó, conforme a estação, percorridas pelos lotes, palmilhados pelos tocadores até o fundo dos sertões. Tropeiro é, em regra, o patrão da tropa, o empresário de transportes; os empregados são os tocadores, que marcham a pé, e o cozinheiro.
Patos de Minas constituía-se num desses ranchos dos tropeiros, nos albores do século 19, uma vez que faziam pouso à beira de uma das suas lagoas, na então Picada que se construiu de Pitangui a Paracatu, bifurcação da Picada de Goiás que já existia. Os tropeiros, portanto, no afã de conduzir os víveres às minas distantes, inconscientemente, também iam plantando civilizações, desenvolvendo regiões, social e economicamente. Além do alimento do corpo, difundiam conhecimento, na transplantação de culturas, na vinculação de rincões afastados, tudo por processos orais. Essa função era exercida plenamente pelas tropas em trânsito normal, descendo com mercadorias para a zona litorânea e subindo a montanha com preciosidades. O trabalho do tropeiro salvou, assim, a obra efêmera dos bandeirantes, graças a um trabalho modesto e paciente.
Foram eles os causadores de implantações de novos povoados, mais tarde transformados em cidades florescentes. Se não fosse o seu destemor, a sua persistência, a sua argúcia em saber localizar os ranchos, talvez não teríamos hoje uma Patos de Minas tão grandiosa e progressista. Pois Patos de Minas nasceu sobretudo do pouso constante e sistemático dos tropeiros. O ouro, não o tínhamos para atrair a sanha fugaz das bandeiras que não se preocupavam com a uberdade do solo, “ouro” mais preciso e duradouro que o reluzente nos leitos dos córregos localizados em terras sáfaras. Mal de nós mineiros se não fosse a persistência destes heróis anônimos. A sua assistência antes se tornaria mais contínua e mais intensificada ainda com o desenvolvimento do comércio por eles implantados.
Os cometas surgiram como continuadores da obra de desbravamento e civilização da terra. O cometa não era instrumento apenas de movimentação econômica porque trazia do litoral última moda do vestuário, o último passo da dança, as últimas anedotas e o último boato ou comentário político. Não existindo uma rede bancária para atender às necessidades do sertão, o cometa, como o tropeiro, era o veículo de toda a riqueza circulante de então, conduzindo em suas canastras de couro cru milhares de contos de réis.
A denominação de cometas, com que eram conhecidos os viajantes comerciais, vem de suas constantes viagens em serviço da profissão, alusão aos corpos celestes que, em relação aos astros e planetas aparentemente fixos no espaço, percorrem a imensidão sideral em desmensurada órbita de gravitação.
O cometa conduzia sempre uma comitiva de 5 ou 6 burros, com dois empregados – arrieiro e cozinheiro. Este último indispensável, pois quem cuidava da alimentação dos viajantes, uma vez ser totalmente desprovida de hospedaria a região inóspita por onde transitavam. Conduzindo a sua cozinha própria, alojavam-se, durante a noite, nos ranchos existentes em todas as povoações. Mas não era somente a cozinha que conduziam os cometas, também a cama se fazia presente em seus apetrechos de viagem.
Em Patos de Minas os cometas se fizeram presentes no início do século 20. Vinham com sua tropa toda enfeitada, e quando chegavam à cidade pequenina, despertavam a atenção de todos os habitantes pelo tilintar compassado do cincerro da madrinha da tropa. Como eram bem recebidos! Motivo de novidades pata todos, isolados do resto do mundo, fosse quanto às notícias que traziam dos grandes centros, fosse ainda quanto às mercadorias e às amostras para pedidos futuros dos comerciantes. Outro movimento comercial, outra transação bancária, outra vida transformada com as suas presenças junto à população. Os cometas que aqui aportavam, em via de regra, era de origem portuguesa.
João Borges, foi quem construiu o primeiro rancho para hospedar os cometas, localizado na Rua Tiradentes, esquina com a hoje Travessa dos Queiroz. A seguir veio o Rancho do Gote, em frente ao antigo Cine Tupã; mais tarde, com a ausência dos cometas, transformou-se em rancho para os carreiros. Finalmente, o Rancho do Virgílio Borges, ao lado do atual Hotel Magnífico.
Com o tempo foi diminuindo a cozinha, pois surgiram os “ranchos” (hospedarias) para alugar aos cometas. Mas não só a cozinha foi diminuindo até o seu total desaparecimento; também os cometas começaram a escassear-se. É que, com a vinda dos primeiros automóveis, também estes viajantes deixaram de existir. Com a extinção das luzidas a atraentes “comitivas”, como eram denominados seus lotes de tropas, os ranchos não mais cabiam, sobretudo nas cidades. Vieram então os hotéis. Hospedarias mais confortáveis. Assim surgiu o primeiro hotel, construído por Virgílio Borges, com a denominação de Hotel da Luz, mais tarde vendido para Olívio Borges, que o explorou durante várias décadas, arrendando-o posteriormente.
Os tropeiros e os cometas de hoje são outros. No entanto, continuam com o mesmo trabalho de seus ancestrais. Outros os seus métodos empregados. Outros os progressos. Mas o objetivo, o mesmo: o engrandecimento de Patos de Minas.
* Fonte: Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.
* Foto 1: Quadro “Rancho Grande (dos Tropeiros)”, de Benedito Calixto, de 1921 (Wikipedia).
* Foto 2: Tropeirosdasgerais.com.
* Edição: Eitel Teixeira Dannemann.