Nesta vida, tumultuada em que levamos jamais podemos imaginar, que um simples gesto, um incentivo, ou um elogio, possa levar as pessoas para o alcance do sucesso. Nada acontece por acaso. Assim começa minha amizade com Sebastião Fernandes Santiago, na década de 80.
A companhia da casa de meus pais toca e eu atendo. Ali estava à minha frente, um homem moreno de jeito simples, chapéu na cabeça, me procurando. Disseram para ele que eu poderia ajudá-lo a vender suas peças em madeira – um carro de boi. Meu Deus, fiquei encantada com o que via nas mãos do homem artista! Assim começa a vida de uma pessoa com pouco estudo, mas uma alma maravilhosa. Conversamos muito, trocando ideias, mostrando detalhes, até que lhe entreguei uma imagem de Nossa Senhora feita em gesso, desafiando-o para um trabalho mais ousado. Falamos no tamanho, as divisões do corpo humano, e lá se foi o Sebastião para a sua casa, de volta ao distrito de Pindaíbas.
Ao retornar, alguns dias depois meus olhos ficaram maravilhados, ao ver em suas mãos abençoadas, a imagem idêntica à que lhe entreguei. Comprei a peça em cedro e guardei na minha casa, como lembrança, por ser a primeira. Sebastião começava a sua vida artística, porque o trabalho era perfeito. O primeiro passo foi leva-lo para a UNART, onde poderia participar de Exposições e mostrar o seu talento nato. O tempo foi passando e as encomendas aparecendo, porque o trabalho era belíssimo, e todos queriam adquirir uma peça do Sebastião.
Comecei a levar algumas imagens para Brasília, onde trabalhava vendendo minhas telas. Uma boa oportunidade para quem gosta de arte sacra. Eu levava sem compromisso, mas sempre voltava com o dinheiro na bolsa. Para enviar o recado, usava o Programa do amigo Patrício Filho, na Rádio Clube de Patos: – Alô, Alô, Tião Santeiro a Dona Marialda Coury chegou de Brasília e trouxe o seu dinheiro dos santos. – Tá ficando rico, heim Tião? Assim eram dados os recados, o meio de comunicação mais rápido. O apelido ficou para sempre: “Tião Santeiro”.
Sebastião Fernandes Santiago é natural de Santiago, distrito de Presidente Olegário. Nasceu em 11 de junho de1946, mudando-se para Pindaíbas ainda criança. É casado com Gasparina Gomes da Silva Santiago desde o dia 7 de junho de 1970. Tem 3 filhos: Heleno, Emílio e Sérgio. Filho de carpinteiro, aprendeu desde pequeno a manusear a madeira cedro, que mais tarde lhe daria a oportunidade de exprimir seus sentimentos, através do formão. O carro de boi, feito de buriti foi a primeira peça, como um aprendizado, servindo de referência, para depois começar a entalhar um carro completo, recordando os tempos do menino candeeiro. Na roça fazia de tudo um pouco: capinar, arar, plantar e colher.
Os anos se passaram, onde o artista, aposentado por motivos de saúde dedicou-se inteiramente ao trabalho de madeira, criando através de mãos abençoadas centenas de imagens sacras. As ferramentas feitas por ele próprio, facilita os cortes, onde se exige detalhes importantes, com movimentos precisos. É um trabalho inexplicável! Enfim uma trajetória coroada de sucesso, aí está o famoso Sebastião Santeiro, levando sua arte por Patos de Minas, toda nossa Minas Gerais e até no exterior, onde participou de Exposição na Itália, apoiado pela Câmara Municipal. Já mostrou no Espaço Cultural Zumbi dos Palmares/Câmara dos Deputados em Brasília, e participou de várias exposições em Patos de Minas, quando convidado.
A Colônia Patense esteve prestigiando o Santeiro de Pindaíbas, celeiro de grandes artistas, como Adão Marins, José Gouveia (já falecido), e mais recente, o José Arruda, um grande escultor. De 1977 a 2003, com mais de 400 peças segue sua trajetória o artista que deixou por via do destino a profissão de lavrador, para se tornar um mestre das artes sacras. Sebastião Santeiro resgata através de seu belíssimo trabalho as nossas tradições, através da religiosidade do povo do interior mineiro, cultuada pela convivência no meio rural onde vive até hoje.
O Distrito de Pindaíbas próximo a Patos de Minas se envaidece, ao ver o conterrâneo brilhando, com imagens sacras de beleza rara, conservando na alma simples, o talento nato que Deus lhe deu. Obras importantes em destaque: Igreja de São Cristovão, Igreja do Rosário, Igreja São Geraldo, Igreja Santa Rita, Igreja de Pindaíbas, Cristo Crucificado na Câmara Municipal. Em sua casa ele guarda duas relíquias: um carro de boi completo, feito à mão e uma peça do homem do campo, que considera ser ele próprio na lida do campo.
Tião Santeiro esteve doente por um longo tempo, mas não se abateu, e hoje já curado novamente volta a entalhar na madeira cedro as suas imagens. Este ano foi convidado a participar no 2º Balaio de Arte e Cultura na 54ª Festa Nacional do Milho. Me sinto realizada de ter sido a sua madrinha, procurando incentivá-lo, orientando, ou mesmo procurando ajudar na comercialização das peças. A partida de Tião Santeiro, nome dado pelo radialista patense, nos deixou no dia 24 de julho (2014). Senti muito a sua partida. Não fui me despedir do amigo, porque estava em viagem naquele dia. Nestes muitos anos de arte, ele colheu os frutos, e nós patenses nos orgulhamos de tê-lo como nosso colega artista, de mãos abençoadas. Descanse em paz.
* Fonte: Texto de Marialda Coury publicado na edição de 08 de novembro de 2014 do jornal Folha Patense.
* Foto: Programa Triângulo das Geraes.
NOTA: Veja um vídeo do escultor em http://close.com.br/triangulodasgeraes/o-escultor-tiao-santeiro/