FRANCISCO MELGAÇO DE FARIAS (CHIQUITO) DEIXA SAUDADES

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CHIQUITOA VIOLA SILENCIA, E O POEMA ESTÁ MAIS TRISTE

A ARTE PERDE CHIQUITO, UM DE SEUS MAIORES EXPOENTES

A quinta-feira, 17 de outubro de 2013, amanheceu triste. Chiquito, o poeta, músico, compositor e um dos maiores recitadores que Patos de Minas conheceu não estava mais entre nós. Foi requisitado por Deus para assisti-lo em outros projetos divinos.

Ele nasceu Francisco Melgaço de Faria em Dores do Indaiá, em setembro de 1925. O tempo, as cantorias e uma invejável simplicidade o transformaram em Chiquito. O talento pela música herdou dos pais. Mas, envez de enveredar pelas notas eruditas do piano – tocado com exímia pela mãe – preferiu a viola caipira. Não estudou muito. Cursou apenas até o terceiro ano primário. Mas não precisava mais que isso. Quando veio ao mundo, Deus lhe concedeu o dom de trilhar pelas palavras como se estas fizessem parte do seu corpo.

De porte franzino, voz marcante, Chiquito foi um marco importante na cultura de Patos de Minas e região. No final de década de 40, quando a família mudou-se para a terra do milho, o jovem então com 15 anos, já se aventurava pelo mundo da poesia. Em 1946, começou a escrever rascunhos poéticos. Pouco mais tarde, vários desses sonetos foram musicados por compositores que acabaram se tornando amigos. Aliás, fazer amigos era outro dom que Chiquito dominava como poucos. “Um amigo a gente conhece pelo primeiro conversar, pela primeira prova de sinceridade”, costumava dizer nas rodas de bate-papo.

O violeiro poeta também era totalmente despido de preconceitos musicais. Certo dia, quando numa roda de bate-papo um músico desdenhou a nova onda do sertanejo universitário, o sábio Chiquito, no alto dos seus mais de 80 anos surpreendeu: “Deve ter alguma coisa boa nessa música que está aí. As pessoas não se afeiçoam a um tipo de música só por modismo, deve ter algo que se aproveite”, disse, sob o olhar espantoso de quem participava da resenha.

Chiquito era um homem de faceta única. Impecavelmente bem trajado, com o inseparável chapéu preto sobre a cabeça e semblante de galã matuto, roubava a cena por onde passava. Muito culto, estudioso da poesia sertaneja e um ilustre contador de histórias, aquele senhor de cabelos brancos trazia para si a atenção de quem o rodeava, independentemente da idade. Os mais velhos ele impressionava pela forma fácil de dominar os assuntos em pauta e, aos mais jovens, pelo carisma de avô, de voz mansa, grave e pausada. Ninguém ousava interrompe-lo quando estava fazendo uso da palavra.

Toda trajetória de Chiquito pode ser conferida no livro “Sua História e Suas Poesias”, editado por ele e lançado em agosto de 2010. A obra possui 50 poemas, todos de autoria dele. Na época do lançamento, Chiquito confessou à imprensa que cobria o evento: “nunca imaginei ter tanta inspiração para fazer os poemas”.

A obra de Chiquito não se resumiu aos seus belos poemas. A música sempre o acompanhou desde que veio ao mundo. Na década de 1950, ao lado dos parceiros Bacadinha, Baitinha, Tuta e Alderico se apresentava nos programas da Rádio Clube de Patos. Com a ajuda do inseparável amigo, Ibrahim Francisco de Oliveira, gravou dois discos em parceria com Tonico Cascudo, feito árduo naquela época. A dupla recebeu o nome de Celino e Chiquito e tornou-se “arroz de festa” em todos os eventos da cidade. Um longo tempo depois o filho Rubens se transformou em parceiro musical. A dupla Chiquito e Rubão gravou dois CDs, fez vários shows pela região e participou de diversos programas de rádio e TV.

Em 2002, Chiquito foi agraciado com o diploma do Projeto Raízes, da Secretaria Municipal de Cultura de Patos de Minas. Chiquito se foi aos 88 anos de idade, com dever cumprido. Um ótimo pai, um excelente avô, um artista completo e um amigo fiel. Por mais homenagens que ele tenha recebido em vida, nos fica a sensação de que pouco foi feito como forma de reconhecimento pelo muito que Chiquito deixou para a cultura do povo de Patos de Minas.

O LUTO DA VIOLA – RENATO HENRIQUES DE FARIA¹

Já faz algum tempo. Já faz algum tempo que ninguém a procura. Já faz algum tempo que ninguém a acaricia daquela forma que só ele sabia acariciar. Já faz algum tempo que ninguém se senta com ela para rasgar alguns ponteadinhos. Já faz algum tempo que ela não ouve mais aquela voz serena duetando com seu vibrar das finas cordas.

Hoje ela está lá no quarto. Sozinha. Solitária. Entristecida. Arrasada. Humilhada pela sua própria inutilidade. Está lá chorando, como quem chora por um grande amor que se foi para sempre.

Hoje ela se prende às lembranças de outrora. Tenta trazer ao presente o que já se foi. É inútil. A viola tenta um resquício de felicidade. Mas ela está sofrendo da mais grave enfermidade que um instrumento pode ter: a mudez!

O pinho olha em sua volta. Depara-se com uma cama vazia, ainda com um pouquinho de calor que sobrou do corpo de seu mestre. Vê o chapéu de couro impecavelmente bem cuidado dependurado acima da cabeceira. Nota os livros empilhados que ele tanto amava. Com um pontinho de orgulho, reconhece alguns rascunhos de poemas maravilhosamente escritos, declamados em companhia de seus acordes. Há também medalhas e quadros de reconhecimento pela grande pessoa que ele foi.

Mas ela volta de suas reflexões. A realidade é seca e cruel: Vovô se foi.

Hoje, todos se despediram dele. Todos que o amavam lá estavam. A viola, é claro, permaneceu a seu lado todo o tempo, na mais pura e nobre ação de lealdade a quem construiu sua história. Mas não ficou ali simplesmente para se despedir. Precisava ver para crer. Como todos, não se conformava em perdê-lo.

É por isso então que escrevo este texto. Para conformá-los: Vovô e Viola. É para dizer que nada precisam temer. Se os poetas dizem que o maior medo de um homem é admitir sua mortalidade, saibam que, juntos, vocês se fizeram infinitos. E por que não dizer que a vida bem vivida é exatamente igual a um solo de viola bem-executado? Ambos nunca terminam, tornam-se imortais nas lembranças daqueles que tiveram o prazer de compartilhá-los!

Descanse em paz, Vovô! Fique em paz, Viola!

* 1: Estudante do oitavo período de Comunicação Social – Jornalismo da UFU. Também é neto e fã do Seu Chiquito).

* Fonte: Texto e foto de Bonna Morais publicado com o título “A Arte Perde Chiquito” na edição n.º 1.069 do jornal Folha Patense de 19 de outubro de 2013.

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