Presto, do fundo do meu coração, uma homenagem póstuma aos amigos benfeitores da Casa das Meninas e às minhas companheiras de trabalho da Fundação Social Sagrados Corações que, penso eu, precocemente deixaram este mundo, ainda tão necessitado da sua caridade. Guardo de cada pessoa uma boa e doce lembrança. Seria injusto deixá-las no esquecimento, depois de terem doado grande parte das suas vidas àquelas crianças que precisaram delas.
A saudade é grande, a vontade de revê-las é imensa. Quantas vezes nós demos as mãos numa corrente de força, nos abraçamos sorrindo de felicidade, comemorando uma vitória. Saudade é o que me resta. E no silêncio do meu coração, que chora baixinho, num recolhimento profundo, cerro meus olhos vendo cada uma dessas pessoas diante de mim e, para elas, digo o meu “até breve”, pedindo ao Deus de Amor que dê a elas a Paz que merecem dentro de uma eternidade feliz: Dom José André Coimbra, nosso querido Bispo Diocesano; Monsenhor Manoel Fleury Curado, nosso patrono; Monsenhor João Balke, nosso intercessor junto à Miserior-Alemanha; Padre Almir Neves de Medeiros, Diretor da Cáritas Diocesana; Servas do Espírito Santo Madre Provincial Arnáldia, Irmã Maria Felícia, Irmã Bertrand, Irmã Emanuela, batalhadoras como nós.
Companheiras lutadoras pela Casa das Meninas, Fundação Social Sagrados Corações: Júlia Brandão de Morais (D.ª Julinha); Hermelinda Artiaga (Miluca); Waldomira Rodrigues Ribeiro (D.ª Yayá); Alcina Pereira da Fonseca (D.ª Secena); Natalícia Rodrigues Borges; Camila Rezende Viana (D.ª Lila); Maria Olímpia Queiroz de Melo (D.ª Santinha); Olga Borges de Castro; Maria de Lourdes Queiroz Pereira; Terezinha Santos; Pulquéria Santos (D.ª Neném); Celcídia Alves Tibúrcio Campos; Dalcy Artiaga; Etelvina Nepomuceno Teixeira.
Minha gratidão, numa homenagem póstuma especial, ao Sr. Genésio Garcia Roza e minha amiga e companheira Terezinha Queiroz Garcia, casal que doou com o coração aberto de bondade o imenso terreno aonde se localiza a “Casa das Meninas Nossa Senhora Aparecida”. Que Deus os tenha ao seu lado pelo grande bem que fizeram à pobreza de Patos de Minas. A eles, minha grande saudade.
Saindo as Servas do Espírito Santo de Patos de Minas, onde permaneceram de 1965 a 1971, a obra ficou fechada por algum tempo. Os membros da Associação de Proteção à Maternidade, Infância e Velhice haviam se dispersado na sua maioria. Vendo a necessidade urgente da Casa ser reaberta, pois as crianças que lá se encontravam foram entregues de volta às famílias, incapacitadas para dirigirem seu futuro, D. Jorge Scarso, então nosso Bispo, toma para si a responsabilidade de conseguir outras religiosas para dirigirem aquela obra. Entrando em contato com a Casa Mãe da Congregação Discípulas de Jesus Eucarístico, de origem italiana, em Campos Altos, ficou propriamente acertada a vinda dessas religiosas para reassumirem a direção da Casa.
Ficamos contentes. O fechamento da Casa das Meninas nos deixou preocupadas e tristes por não ouvirmos mais a algazarra da garotada se expandindo, felizes, pelas varandas do seu lar, como também preocupadas com o tipo de vida que as crianças voltariam a ter. Isso nos partia o coração. Uma casa para crianças carentes de tudo não poderia jamais viver em completo silêncio.
Um dia, D. Jorge Scarso convidou uma comissão da Associação para acompanhá-lo até Araxá a fim de mantermos um contato direto com as discípulas de Jesus Eucarístico, que dirigiam, se não me falha a memória, uma creche e uma vila de pobres, tendo como diretora Irmã Rosária. Entre as convidadas estava eu. Nosso encontro foi cordial. Dialogamos muito e eu percebi, pela troca de perguntas e respostas de ambas as partes, que elas estavam receosas de virem para Patos de Minas. Era uma reação natural. A obra era de grande porte, de muita responsabilidade, iria exigir delas muito sacrifício e elas deixaram transparecer que não confiavam muito no apoio da Associação quanto seu auxílio na manutenção.
Depois de uma longa conversa e muitas explicações, ficou decidido que a Congregação aceitaria a Casa das Meninas mediante certas promessas como: 1.º – transporte próprio, visto a distância que localizava a Casa. 2.º – grades reforçando a segurança das janelas, pois o lugar ainda era isolado. 3.º – outras coisas mais cuja memória me falha nesse momento.
Prometemos fazer o possível para atendermos a esses pedidos dando-lhes mais segurança, apesar de cientes das dificuldades que iríamos enfrentar.
D. Jorge Scarso se comprometera da direção espiritual às Irmãs e crianças. Também italiano, logo se entrosaram. Ainda achando as Discípulas com receio de não terem um futuro realizado em Patos de Minas, para satisfazermos aquela insegurança que pairava no ar e me incomodava muito, prometemos um futuro próximo, depois de radicadas na obra, passar a escritura do Patrimônio da Associação para a Congregação. Patrimônio que consistia do prédio da Casa das Meninas, equipado com grande área com pomar feito e outras benfeitorias, ainda um quarteirão de terra anexa à casa e um lote, fora da área, mas localizado no mesmo bairro, doado por meu tio Abner Ribeiro.
De fato, isso veio acontecer em reunião solene da Associação e Congregação, com Tabelião presente, e na escritura lavrada de doação e, posteriormente registrada, rezavam duas importantes cláusulas que ela, a Congregação deveria observar:
1.ª) Jamais substituírem a finalidade da obra, amparar as crianças abandonadas e carentes por outro tipo de trabalho.
2.ª) Deixando, um dia, a direção da Casa, ela e todo o patrimônio transferido da Associação para a Congregação passaria a pertencer a uma outra Entidade que cumprisse a finalidade para a qual a Casa fora construída. Caso isso não acontecesse o Patrimônio seria entregue ao Governo Municipal para fazer um bom uso para a Comunidade carente.
Senti então que, as Discípulas de Jesus Eucarístico, como únicas proprietárias do patrimônio, se sentiam mais aliviadas, o que era natural e compreensível.
Assim vieram logo as primeiras Irmãs, formando a primeira comunidade.
IRMÃ ANGÉLICA
Veio de Campos Altos. Muito generosa, dedicada, esforçada, deu tudo de si pelas crianças carinhosamente acolhidas, chegando ao número de 60, em diversas faixas etárias e circunstâncias. Para ajudar na consolidação da casa, surgiu uma Equipe de Voluntárias que trabalhou com grande eficiência para que a situação financeira normalizasse: Anna Ribeiro de Andrade, Maria Inez França, Terezinha Silvério, Dinah Boaventura, Dalva Amorim Alves, Casal Conceição-Rafael de Almeida, Casal Luci e Sancho, Marilene, Waldete. Todos se empenharam em resolver os problemas que iam surgindo, inclusive comprando um veículo para a instituição.
Como a situação financeira ainda não estava de todo estabilizada, ofereci à Irmã Angélica para eu mesma fazer a arrecadação dos sócios mensalistas, como fazia no tempo das Servas, sem qualquer ônus para a Casa, com um novo fichário organizado pela voluntária Anna Borges de Andrade, já que o anterior havia sido anulado. Ela aceitou. Era um trabalho cansativo, de muita responsabilidade, sacrificante, pois deixava de dar assistência à minha filha, esposo e pais idosos mas, quis executá-lo a título de colaboração. A situação foi se normalizando aos poucos, as voluntárias sempre trabalhando e a comunidade da Casa das Meninas se integrava à sociedade Patense. Periodicamente fazíamos reuniões nas quais eram discutidos os principais assuntos de direção daquele abrigo.
Depois de 4 anos como diretora, Irmã Angélica adoeceu. Após vários tratamentos em Patos de Minas, foi levada a Uberaba pela voluntária Anna Ribeiro de Andrade, submetendo-se a uma cirurgia de vesícula. Impossibilitada de continuar na direção daquela obra, devido à sua fragilidade, foi transferida para Campos Altos, substituindo-a Irmã Carmelina.
IRMÃ CARMELINA
Chegou trazendo como sua assistente a dinâmica Irmã Maurília. Foi uma diretora muito generosa, dedicada, esforçada, dando tudo de si pelas crianças que adotou como filhas. No seu tempo por lá chegou a bater o recorde de 90 crianças abrigadas, de todas as idades o que foi motivo de alegria para todos nós. A Casa das Meninas foi construída com a capacidade para abrigar 200 crianças, nos 3 grandes dormitórios e demais instalações, bem amplas. Infelizmente, isso nunca aconteceu por falta de elemento humano para a administração.
Irmã Carmelina tinha pelas meninas um carinho tão grande que, muita das vezes, tomou sob seus cuidados crianças de berço, colocando-as na sua própria clausura a fim de olhá-las durante a noite, sacrificando, com sua dedicação, o sono merecido depois de um dia de luta. Isto chegou ao meu conhecimento, me preocupou muito, pois Irmã Carmelina não tinha lá tanta saúde, e pedi a ela para moderar no trabalho, não fazendo vigílias às crianças. Mas, era teimosa, continuou no mesmo ritmo de “babá” dedicada. Seus afazeres, às vezes, eram feitos com crianças no colo. Quantas vezes ela descia, a pé, o morro da Casa das Meninas, rumo à cidade, acompanhada por uma grande procissão de crianças tagarelas, peraltas, ora indo à Igreja, ora para um passeio, participando de eventos para os quais eram convidadas.
Mesmo não tendo muita saúde, sofrendo muito dos rins e problemas cardíacos, fazia tudo para aumentar a renda da Casa, pois as despesas eram grandes. Cultivava verduras em canteiros e o caseiro saía com uma carroça às ruas, no Bairro Sobradinho, respondendo pela freguesia do bairro à voluntária Anna Ribeiro de Andrade e pela Praça Dom, Eduardo Maria Inez França. Além do trabalho para subsistência da Casa, Irmã Carmelina fez reformas nos dormitórios, no refeitório, na clausura e em acomodações que exigiam reparos.
Tinha uma grande criação de porcos de granja cuja matriz fora doada pela Agroceres, sendo o diretor, na época, Dr. José Ribeiro, que também fazia sempre doações de milho para o sustento da granja. Abatia frangos que ela e as meninas maiores limpavam com capricho, sendo vendidos nos supermercados. Do milho que plantavam e colhiam eram feitos deliciosos mingaus e pamonhas, também vendidos para a comunidade patense. Ainda em 1972 ajudei a Casa das Meninas e, muitas vezes, Irmã Carmelina e eu trocávamos ideias concernentes à administração. Depois me afastei para dar início ao meu trabalho de amparo aos velhinhos carentes, construindo a Vila Rosa.
Mas, as voluntárias continuaram ajudando Irmã Carmelina com arrojo e grande boa vontade. Naquela época, ainda para angariar donativos, foram feitos vários torneios de truco, barraquinhas na Avenida Getúlio Vargas onde eram vendidos tapetinhos de retalhos (confeccionados pelas meninas maiores da Casa), canjica, cocada, pão de queijo, cachorro quente, mingau de milho verde, pamonhas, caldos, pés de moleque, amêndoas, tudo feito pela delicada Irmã Carmelina, como relembram com saudade, Maria Inez e Anna. Uma vez, conta Maria Inez, “foi rifado um quadro de pintura doado por mim, e o sorteio não saiu para ninguém, ficando para a Casa das Meninas. Como foi grande a alegria de Irmã Carmelina!”
A presidente das voluntárias, Anna Ribeiro de Andrade, se deu ao trabalho de conseguir sócios colaboradores, organizar o fichário e com a ajuda de guardinhas da Prefeitura – PROMAM – recolheram o dinheiro que era depositado em contas bancárias da entidade. Anna e Maria Inez lembram que foram realizadas três ou quatro arrecadações na Campanha da Fraternidade, com participação percentual para a Casa das Meninas, em campanhas que eram feitas de porta em porta. A divulgação era feita através da Rádio Clube de Patos pelos locutores Patrício Filho e José Paschoal Borges de Andrade (esposo da presidente das voluntárias, Anna Ribeiro de Andrade).
Aos sábados, as mais disponíveis da Equipe de Voluntárias, Anna e Maria Inez, mantinham e cumpriam compromissos de ajudar na higiene pessoal das crianças, olhando seus cabelos, unhas, dentes, enfim, colaborando também neste setor para a saúde delas.
Eram realizadas, anualmente, três bazares, com roupas, sapatos e outros objetos de uso pessoal recolhidos nas casas de pessoas caridosas e isto ajudou bastante nas despesas da entidade. As reuniões mensais eram realizadas e registradas em ata, conforme manda o figurino. Nestas reuniões haviam manifestações sobre o trabalho das voluntárias, prestação de contas e previsão para cobrirem as necessidades da Casa.
Subitamente, Irmã Carmelina, já então conhecida e amiga dos patenses, sentiu-se mal, internando-se na Casa de Saúde Imaculada Conceição, onde, apesar de toda assistência e carinho, veio a falecer. A comunidade patense é agradecida a Deus por ter-lhe enviado Irmã Carmelina para um convívio sadio e uma participação atuante. Hoje, ela já está nos céus, gozando as delícias do Paraíso que, merecidamente, conquistou em sua rápida, porém profícua, passagem pela face da terra.
Quando faleceu Irmã Carmelina, que era natural de Campos Altos, foi assistida pela presidente das voluntárias Anna Ribeiro de Andrade e pela então Primeira Dama do Município, Terezinha Borges Silvério, esposa do Prefeito da época, Dr. Sebastião Silvério Faria. A gasolina para o transporte dos restos mortais da Irmã para sua cidade natal foi oferecida pelo Sr. José Altamir Santana Braga e o funeral ocorreu por conta da Funerária Frederico Ozanam, do Sr. Arlindo Pereira de Souza. Para substituir Irmã Carmelina veio, também de Campos Altos, Irmã Terezinha.
IRMÃ TEREZINHA
Veio de lá com as melhores recomendações das suas Superiores. Já tinha muita experiência no trabalho com crianças. Na sua apresentação à comunidade, através de uma reunião, as voluntárias, membros da Associação e outros convidados, inclusive eu, estávamos presentes, dando-lhes boas vindas. No princípio o batente continuou nas mãos dos Voluntários, sempre disponíveis como um S.O.S. Depois, com o decorrer dos tempos, Irmã Terezinha agradeceu o trabalho tão bonito dos Voluntários dizendo que, quando precisasse deles, logo seriam comunicados.
E assim, dispensado o trabalho dos Voluntários, a Casa das meninas ficou somente com a administração de Irmã Terezinha e sua comunidade. Perdemos, a partir daí, o contado com a Casa e com sua vida. Mas, ela continua em movimento, vários dedicados trabalhos foram feitos e estão sendo feitos com crianças e jovens; através das Diretoras Irmã Lucinéia, que substituiu Irmã Terezinha, e, atualmente, Irmã Maria Clara.
Deus continua olhando por aquele abrigo, casa fincada naquela colina, uma das “meninas dos meus olhos”.
* Fonte e fotos: Do Nascer ao Por do Sol, de Edith Gomes de Deus Melo.