CAÇADOR E O LEÃO, O

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Rodolfo Foquento, diligente repórter e atilado comentarista político da PRK-25, amais ouvida estação de rádio de Periquitinho Verde, alimentara durante anos a fio o desejo de participar de um safári na África. Essa sua aspiração meio secreta surgira a partir de um filme de Tarzan que ele assistira quando ainda menino pequeno, e crescera ao longo do tempo alimentada tanto por outras aventuras filmadas do companheiro da Jane e da Chita, que tivera oportunidade de ver, como das muitas revistas em quadrinhos que lera e colecionara zelosamente.

Para concretizar esse sonho ele havia depositado em conta de poupança, mês a mês e durante algum tempo, uma fração não muito pequena do seu ordenado, até descobrir que o saldo no banco já era mais que suficiente para custear as despesas de uma viagem ao continente africano, onde poderia ver ao vivo, em seus ambientes naturais, os leões, elefantes, rinocerontes, girafas e outros bichos que sempre admirara nos zoológicos ou então nas páginas de alguma enciclopédia.

E o danado fez isso, realmente. Aproveitou seu período de férias e se mandou para a África no primeiro avião disponível, de onde voltou após vinte e cinco dias que se sucederam de forma aparentemente vertiginosa, disposto a relatar aos seus amigos todas as aventuras maravilhosas e peripécias inesquecíveis de que participara durante a expedição que percorrera trechos das savanas da África do Sul. Foi assim que uma semana depois, durante festa de aniversário de certa madame da alta sociedade periquitonheverdense, doze pessoas se reuniram na grande varanda da mansão onde morava a aniversariante, prontas para ouvir a descrição de uma das caçadas realizadas pelo Rodolfo. E ele não se fez de rogado:

– Certa tarde, depois de muitas horas de viagem sob um sol de rachar, nós paramos para descansar em uma área arborizada, e eu fui o único a descer da caminhoneta.  Então saí caminhando despreocupado por ali, apreciando a paisagem, e já tinha me afastado uns cem metros, mais ou menos, quando de repente ouvi um barulho estranho. Fiquei desconfiado, porque no meio do mato, e cercado de bichos ferozes, a gente tem que andar com um olho aberto e o outro também. Por isso olhei atentamente ao meu redor, primeiro à direita, depois à esquerda, e quase morri de susto quando avistei um leão enorme que me encarava com os olhos brilhando, enquanto lambia os beiços.

– Meu Deus do céu! – exclamou horrorizada Alexandra Zoroastro, a espevitada colunista social da cidade, levando as duas mãos à cabeça ornamentada por um penteado bem parecido com as cobras que a Medusa carregava no seu cocuruto, e perguntando logo em seguida, com cara assustada: – E o que foi que você fez, Rodolfo? Vamos, homem, conte logo pra nós!…

– Ora, Alexandra, quando aquele bicho enorme, com cara de quem está com muita fome, começou a caminhar na minha direção, me olhando como se eu fosse um sanduíche de gente, eu não pensei duas vezes e fiz a única coisa que podia fazer naquele momento: virei as costas e sai correndo para o lado que o meu nariz apontava. Foi aí que o meu drama começou, porque o leão não se deu por achado e partiu atrás de mim, disposto, mais do que nunca, a me transformar em refeição. Eu estava dando o que tinha, mas minha sorte foi que toda a vez em que sentia o bafo quente da fera na minha nuca, ela escorregava, dava uma cambalhota, e eu então aproveitava para me distanciar novamente.

A pequena platéia mantinha-se firme e silenciosa em seus lugares, aguardando o desfecho daquele relato eletrizante, e por isso o Rodolfo Foquento logo prosseguiu com a narrativa que fazia:

– Isso aconteceu mais duas vezes, ou três vezes, nem sei direito: o leão chegava bem perto de mim, eu sentia o seu bafo fedorento me esquentando a nuca, uma coisa horrorosa que não dá para descrever com palavras, mas aí o raio do bicho escorregava novamente, caía, e enquanto ele tentava se levantar eu ganhava outra vez alguns metros de frente. Foi então que avistei uma casinha escondida no meio das árvores e corri para lá apavorado, porque percebia que o leão já estava quase me alcançando, mas para minha felicidade ele escorregou pela terceira vez, o que me deu aquela fração de tempo suficiente para entrar na casa e trancar a porta, deixando a fera do lado de fora.

– Nossa! Que loucura! – exclamou o marido da aniversariante, um sujeito que todos em Periquitinho Verde sabem ser dono de uma extrema vulgaridade no que diz em qualquer lugar e em qualquer hora. – Se isso tivesse acontecido comigo, eu teria me borrado todo…

– É mesmo? – retrucou o Rodolfo. – E onde é que você acha que o leão estava escorregando?

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